Ainda Orlando Brito... (II)

                                                AINDA  ORLANDO  BRITO
                                                  II
 Continuação da matéria anterior TROVADORES BRASILEIROS DA ATUALIDADE)

“Poeta Amigo
José Fabiano

     Depois de teu excelente ‘PEREGRINANDO...’, que te coloca entre os melhores trovadores brasileiros, surgiu agora o ROSAS DE OUTONO, valorizado pelo ótimo prefácio do poeta Antônio Juraci Siqueira.
     Assinalei no livro algumas trovas, que mais me agradaram, ao todo 21. Ora, certa vez, em São Paulo, na redação do jornal A GAZETA, o poeta-trovador alagoano Correa Júnior, me dizia que considerava ‘fora de série’ o poeta que, num livro de 100 trovas, publicava pelo menos 10 (dez) fora dos padrões comuns, trovas consideradas de alto nível. Assim também pensava Adelmar Tavares, seu amigo, quando dizia sobre a trova: ‘Tão fácil, depois de feita / tão difícil de fazer.’
     Portanto, estás de parabéns, e é com orgulho e satisfação que te parabenizo pelo livro e pelas trovas.
     Minhas preferidas foram: 14 – 34 – 37 – 49 – 52 – 55 – 56 – 62 – 67 – 68 – 73 – 76 – 77 – 84 – 86 – 89 – 93 – 95 – 97 – 54 – 61.
     Portanto, 21 excelentes trovas, que dão a ROSAS DE OUTUNO um destaque especial entre os livros de trovas publicados em 2001, até abril.
     Um abraço, com meus cumprimentos renovados
 
                                                             Orlando Brito
                                                                  ABRIL
                                                                    02
                                                                   2001”

     Eis as trovas assinaladas pelo nosso querido Orlando Brito...

14.
Rubro o sol talvez se ponha
no ocaso que ele alumia,
por sentir tanta vergonha
do que vê durante o dia...

34.
O remédio do Evangelho,
de dois mil anos de idade,
não perdeu, embora velho,
o prazo de validade...

37.
Procurei, nos alfarrábios,
o que nos faz ser felizes.
Li que é ouvir, de teus lábios,
aquilo que não me dizes!...

49.
Ouvir a “voz da consciência”
tornou-se coisa tão vil,
que ela, em matéria de audiência,
parece a “Voz do Brasil”!...

52.
Dela a quem só dou amor,
recebo apenas agravo,
pois me chama de senhor,
mas me trata como escravo...

55.
Sofro nas garras de alguém,
mulher linda, mas banal.
Por que a chamo de “meu bem”,
se ela, de fato, é “meu mal”?

56.
Ah! Mulher linda e maldosa,
por teus modos verifico
que me lembras certa rosa
que vi plantada em... penico!

62.
A arrombar-te o coração,
dia a dia me concentro.
Porém todo o esforço é vão:
ele só se abre por dentro...

67.
Ela mal saiu da infância,
e eu respiro o ar da saudade.
Entre nós, quanta distância
traz a distância da idade!

68.
Tuas mãos que acho tão belas,
nos salões onde és rainha,
como diferem daquelas
de minha mãe na cozinha!...

73.
Ao contrário do automóvel
com a tração na dianteira,
mesmo quando estás imóvel,
atração tens na traseira...

76.
Da crise nas religiões,
dou aqui um triste exemplo:
hoje, são os vendilhões
que expulsam Jesus do Templo...

77.
Eu quase não acredito
que, com loucura, te quis.
Hoje, aos pés de outra, repito
tantos versos que te fiz!...

84.
Há gente que, com certeza,
sofre o diabetes moral.
O açúcar da gentileza,
meu Deus, como lhe faz mal!...

86.
Eu sei que minha poesia,
às vezes, causa estranheza.
É que me traz alegria
chorar a minha tristeza...

89.
Acho fato degradante
que o valor do homem rebaixa:
seu livro mais importante
não é a Bíblia, é o livro “Caixa”...

93.
Se te sentes desgraçado,
este conselho te dou:
nota se em ti o passado
realmente já passou.

95.
Chamam de “mulher da vida”,
mulher que mal se comporte.
E a honesta, a gente apelida
de quê? De “mulher da morte”?...

97.
Choro, porque me consome,
entre inúmeros anseios,
o de matar certa fome,
na fartura dos teus seios!

54.
Da fome, que não é pouca,
fala a humanidade inteira.
Muita gente abrindo a boca,
e pouca abrindo a carteira...

61.
Porque sou mulato, eu zanzo,
triste, por fatalidade:
do negro, me veio o banzo,
e, do branco, esta saudade!

... e o prefácio do poeta-trovador Antônio Juraci Siqueira:

                                “JOSÉ FABIANO, O INCONFUNDÍVEL

    Artista, em qualquer modalidade, é aquele que consegue imprimir em sua obra um caráter pessoal, inconfundível, ao ponto de dispensar assinatura. Essa marca única, intransferível, esse modo de ver, sentir e revelar o mundo é o estilo. Através dele é possível reconhecer, a qualquer tempo e lugar, um conto de Machado de Assis, um poema de Augusto dos Anjos, uma peça de Nelson Rodrigues ou uma trova de Adelmar Tavares.
    A realidade é uma só: diversa é a maneira de vê-la e retratá-la. A originalidade, por sua vez, não está necessariamente no que se diz, mas no como se diz.
    A primeira impressão que tive, em agosto de 1985, ao receber "Caixinha de Trovas", de José Fabiano, foi de estar diante de um trovador com estilo próprio. Mais tarde, ao ler "Ao Pôr-do-Sol" e "Ao Som da Lira", a suspeita veio a confirmar-se,
    Em José Fabiano, a crítica, a sátira e a ironia são armas contundentes para desvelar as multifaces do homem em suas relações com seus semelhantes. Tudo o que diz respeito ao homem encontra-se nas redondilhas desse Menestrel das Alterosas.
    Em Janeiro do ano em curso, recebi, na contra-capa de "Do Meu Rascunho de Sonhos", um convite em forma de pergunta:
    – "Amigo Juraci, você me daria a honra de apadrinhar-me o próximo livro?"
    Ora, prefaciar um bom livro é fácil. Difícil, mas sumamente agradável, no dizer de Jacy Pacheco , e complicado, nas palavras de Lucy Sother de Alencar Rocha, é selecionar cem trovas entre as tantas que compõem a lista original. No meu caso, nada mais fiz além de abrir o coração e deixar que elas mesmas, cada uma a seu modo, nele fossem penetrando. No fim das contas não sei dizer quem escolheu quem...
    Junto com a relação final, da qual ainda fui forçado a excluir 39, o poeta sugere:
– " Se você puder, arranje um nome para seu afilhado. O compadre aqui ficará agradecido..."
E foi assim que na manhã de 15 de novembro, pelo telefone, batizamos o novo rebento com o nome de : ROSAS DE OUTONO .
    Rosas, em atenção ao símbolo maior dos trovadores. Poderiam ser de todo o ano, de todas as estações . Mas a imagem, que me veio à mente, deste incansável semeador de sonhos, já com a neve do Inverno nos cabelos, foi de alguém que cultiva rosas em plena estação dos frutos. Rosas de todos os matizes e perfumes, como estas, por exemplo:

" Teus seios, brancos regalos,
parecem massa de pão.
Tanto que sonho em assá-los
no forno de minha mão!..."

"Ouvir a voz da consciência
tornou-se coisa tão vil,
que ela, em matéria de audiência,
parece a 'Voz do Brasil'!..."

"Teu amor é tão chinfrim
e tão pouco verdadeiro!...
Se indagas: 'Gostas de mim?',
pergunto: ' Estás sem dinheiro?' "

     Em ROSAS DE OUTONO, como nos livros anteriores, José Fabiano caminha entre temas e gêneros, com o desembaraço de quem conhece cada flor e cada espinho desse jardim que cultiva na alma e que viceja aos olhos dos que comungam os mesmos sonhos, os mesmos ideais.

 Belém, Novembro de 2000
    Antônio Juraci Siqueira”

 Deixo aqui registrado os meus agradecimentos aos poetas-trovadores, o inesquecível Orlando Brito e o meu amigo Antônio Juraci Siqueira, o maior trovador da Região Norte do Brasil.
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Postado em 04.09.2010 por José Fabiano (Colunas & Colunistas - www.falandodetrova.com.br)