Ainda Orlando Brito - IV e última parte...

TROVADORES BRASILEIROS DA ATUALIDADE

AINDA ORLANDO BRITO...
(Formatado por Marina Fernandes Nunes)

PARTE IV

Enviou-me Orlando Brito, “VIOLA DE MARINHEIRO”, com a gentil dedicatória:

 

“Ao irmão trovador JOSÉ FABIANO

homenagem do Orlando Brito

São Luis-MA

Nov/92”

 

Eno Teodoro Wanke escreveu o seguinte, como prefácio:

 

“NOTÍCIAS SOBRE ORLANDO BRITO

 

            Orlando Brito é um dos clássicos do trovismo no Brasil. Foi um dos poetas principais naquela que está sendo denominada de ‘a geração da década de 1960’ do trovismo, ou seja, ao lado de ‘monstros sagrados’ como Aparício Fernandes, Colbert Rangel Coelho, Luiz Otávio, Walter Waeny e outros, muitos outros, que brilhavam num movimento atuante e popular em torno da trova.

            Nasceu em Niterói, em 1927. Bem cedo começou a ‘devorar os clássicos’, como ele diz. Sentiu-se atraído por Camões e Bocage. Aos dezoito anos, construiu seus primeiros sonetos. Depois, devorou todos os nossos grandes românticos – adorou Castro Alves, mas prendeu-se particularmente a Fagundes Varela,não só devido aos seus exageros boêmios, mas principalmente ‘pela sua vocação de andarilho, faminto de estradas e distâncias, sem pouso determinado’. Também a poesia de Paulo Eiró, o desafortunado romântico paulista, o fascinou. Voltando aos portugueses, descobriu Antônio Nobre, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Augusto Gil, Eugênio de Castro e outros vigorosos poetas. Mas quem o fascinou e determinou irremediavelmente seus rumos poéticos foi Antônio Correia de Oliveira, o primeiro grande trovador literário da língua, autor de coisas lindas como:

 

‘Sino, coração da aldeia,

coração, sino da gente.

Um a sentir quando bate,

outro a bater quando sente.

 

No céu há uma janelinha,

vê-se Portugal por ela:

quando Deus se sente triste

vem sentar-se a esta janela...

 

Ó ondas do mar salgado,

de onde vos vem tanto sal?

Vem das lágrimas choradas

Nas praias de Portugal.’

 

            Declara Orlando Brito de seu mestre: ‘Bebi na sua mão a água fresca e pura da poesia dos trovadores. Aprendi com ele que mais depressa se encontra Deus olhando a terra do que contemplando as nuvens. Mais íntimo de Deus se torna o homem que se curva, no campo, para o trabalho, do que aquele que se prosterna na pedra do altar. Seu naturalismo religioso me encantou, e até hoje recorro a seus versos quando mais sedento estou de poesia.’

            Assim, quando Orlando Brito se juntou ao trovismo, ao conhecer Luiz Otávio, em 1957, ele já estava – como se diz – ‘de cabeça feita’. Era um trovador formado. Lírico, lembro-me dele tirando o primeiro prêmio, em 1964, nos Primeiros Jogos Florais do Grêmio Brasileiro de Trovadores de Santos, cujo tema era ‘Praia’, e do qual tive a honra de ser um dos julgadores:

 

As rendas, para tecê-las,

praia rendeira, uma a uma,

tens no céu bilros de estrelas,

no mar, novelos de espuma...

 

            É também um grande humorista da trova. O humorismo, como se sabe, é um dos mais difíceis desafios não só ao poeta como ao escritor em geral. Mas Orlando Brito tem clássicos desse quilates:

 

Eu, trabalhar deste jeito,

com a força que Deus me deu,

pra sustentar um sujeito

vagabundo que nem eu?

 

            E consegue improvisar como poucos. Em meu livrote ‘O assunto é trovadores’ (1980) coloquei diversas trovas de circunstância com as quais Orlando Brito deliciava a população de Pindamonhangaba-SP, onde residiu d 1975 a 1988. Em trovas repentinas, ele punha abaixo preconceitos e expunha ao ridículo muitas personalidades e atitudes antipáticas ou mesquinhas. As trovas corriam a cidade em meio aos risos divertidos dos pindamonhangabenses. Era o próprio Emilio de Menezes da província. Exemplo de uma das mais amenas, dirigida a um marido enganado:

 

O Cornélio, onde reside,

marido bom como quê,

não precisa de cabide

nem de antena na TV.

 

            E outra, quando alguém cumprimentou o ‘papa-defuntos’ local:

 

Uma atitude maluca

e até mesmo temerária,

desejar “bom dia” ao Juca,

o dono da funerária!

 

            Mas também filosofa em trovas. Como a seguinte, que me enviou há pouco, declarando ser uma de suas últimas produções e que resume toda uma sabedoria de vida:

 

Problemas? Eu cá não acho

problema algum que me oprima.

Se é grande – passo por baixo,

pequeno – pulo por cima.

 

            Por injunções profissionais, Orlando Brito acabou se afastando dos amigos trovadores do eixo Rio-São Paulo, onde o trovismo acontecia esplendorosamente na década de 1960, para se isolar em São Luís do Maranhão. Nos últimos anos, tem percorrido o Nordeste a serviço de uma firma de óleos vegetais, em viagens constantes, seguindo, de certo modo, sua inclinação de andarilho – ou de marinheiro? – como seu ídolo Fagundes Varela. Vejam como ele declara, logo adiante, neste livro, que

 

‘dos sapatos fiz dois barcos

que me levam pelo mundo...’

 

            E pelo mundo ele vai. A primeira casa onde residiu na capital maranhense era enorme, com amplo jardim e quintal. Colocou ao lado do portão uma placa: ‘Refúgio do Poeta’, e me escreveu certa vez que suas gaiolas não continham pássaros prisioneiros, mas apenas plantas que não se preocupam com as grades, pois se derramam sem cerimônia através delas.

            Cantou sua cidade adotiva em duas quadras dignas de Correia de Oliveira:

 

Após beber pelas feiras,

São Luís, andando ao léu,

emendei tuas ladeiras,

fui subindo, entrei no céu.

 

Quando entrei, já fui gritando:

- Vejam! Vim daquela ilha!

E os Anjos, do céu te olhando,

disseram: - Que maravilha!

 

            Orlando Brito é isso aí. Todo pureza e instituto poético.

 

 

                                               Eno Teodoro Wanke”

            Transcrevo algumas das trovas do livro, todas excelentes:

 

“Em minha terra natal

marinheiro eu já nasci.

Minha pia batismal

foi o mar de Icaraí...

 

Tua cintura afinada

nasceu, viola, do amor

que te traz sempre apertada

nos braços do cantador.

 

A fonte guarda o recato

da mulher, nas águas puras,

e o homem lembra o regato,

sempre em busca de aventuras...

 

Foi no ‘Esperança’, um veleiro,

que partiu na mocidade.

Hoje volta o marinheiro

num outro barco, a ‘Saudade’.”

 

            Antônio Juraci Siqueira, poeta e trovador de Belém, PA, me disse por e-mail que, certa vez, o saudoso Orlando Brito, “ao chegar em Belém às vésperas do Círio de Nazaré, sob um calor infernal, entregou-me uma trova manuscrita, assinada  e dedicada a mim, que hoje guardo com saudades, que dizia:

 

A cidade bufa e sua!

Sedento, a pedir socorro,

eu vi um poste na rua

correndo atrás de um cachorro!”

 

            ATÉ AÍ, MESTRE ORLANDO BRITO! ATÉ BREVE!

====================================================================================================================================

Postado em 20.09.2010 por José Fabiano (Colunas & Colunistas - www.falandodetrova.com.br)