Benedicta de Mello - PE

       BENEDICTA DE MELLO nasceu em Vicência/PE, em 1906. Foi para o Rio em 1919 e por lá ficou. Era professora. Cega de nascença. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1991. Autora de belos versos, deixou algumas obras como: "Lanterna Acesa"-1938 e "Sol nas Trevas"-1944. Primeira mulher, talvez, a ser cogitada para a Academia Brasileira de Letras. 

              

                QUANDO

 

Quando as tardes sentires mais bonitas...

E vires nas manhãs, luzes estranhas...

E os domínios das forças infinitas

Te atraírem acima das montanhas...

 

Quando esqueceres íntimas desditas...

Quando ficares a sonhar façanhas

Ou tiveres idéias esquisitas...

Quando perderes e pensar que ganhas...

 

Quando mentiras te fizerem crer,

E tanto em ti teu eu se vá mudando,

Que até mais um sentido logres ter...

 

Quando adorares quem te vai matando...

Quando teu já não for o teu querer,

Não há dúvida alguma, estás amando!...

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                PERGUNTAS

Eu queria saber o que era amor
E a todos quantos via perguntava:
Ao velho, ao jovem que na vida entrava,
Ao inocente, ao justo, ao pecador.

De minha mãe às vezes, indagava.
Ela estranhando, repetia: "amor!"
"Leia o vocabulário" me ordenava
O meu velho e sozinho professor.

Fui percorrer então o dicionário:
Amor... amor... amor... sentido vário
De mil explicações em labirinto...

Não cheguei a entender. E fiquei triste.
Ou o amor em verdade não existe,
Ou só existe aquele amor que eu sinto.
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         AMOR ESTRANHO

É um amor difícil de entender,
Este amor que hoje tenho e sempre tive.
Nem causa tem, nem tem razão de ser.
Não acha quem procure, ou quem se esquive.

Mora em quem vive e mora em quem não vive.
Ninguém o faz minguar nem faz crescer.
Ninguém há que o liberte, que o cative,
E não quer ser querido, quer querer.




Este amor esquisito que é só meu,
É um bem de raiz que DEUS me deu...
E nem eu sei porque me dá prazer.

É curta e eterna a sua triste história!
Só teve uma derrota, que foi glória.
Só uma vez sorriu: para morrer.
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               EU FUI ELA

Eu fui "ela". Uma quadra em tua vida,
Uma palavra simples e era tanto,
Que andando à farta no teu riso e pranto,
Não se gastou jamais, de repetida...

"Ela"... dizias. "Ela"... a mais querida,
Quando me deito e quando me levanto...
E assim cresceu por mim o teu encanto,
Sem reservas, sem tréguas, sem medida...

Alguns anos depois que nos casamos,
Amando outra mulher, escreves: "ela"...
"Ela" não quer que juntos estejamos...

Aquela "ela" era eu, noutro sentido...
Numa palavra breve como aquela,
Pudeste ser sincero e ser fingido...
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                   RASCUNHO

Eu fui papel que te serviu de prova...
Tu eras estudante e eu me prestava
A ser a humilde folha que gravava,
Cada exercício da matéria nova.

Jamais lançaste em mim canção ou trova...
Eram notas de moço que estudava.
Julgando bem servir-te, eu não pensava
Em ter na cesta de papéis, a cova.

Olhei-me um dia e achei-me mal escrita...
Caligrafia assim de quem hesita.
Não parecia do teu próprio punho.

E quando vi depois a tua escolha,
Tive ciúmes sem fim da outra folha,
Eu que fora somente o teu rascunho...