Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar - Mangualde


ELISABETE DO AMARAL ALBUQUERQUE FREIRE AGUIAR,   
c
onforme autodenominação, é "portuguesa cem por cento, nascida em 22 de setembro de 1951, em Ribamondego, Concelho de Gouveia, casada, mãe de 5 filhotes e avozinha de 3 netos".  Licenciada em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Professora de Português, Literatura Portuguesa, e em tempos também de Francês. Dois livros de poesia publicados e um livro de traduções em conjunto com o amigo Fernando Augusto Teixeira Gonçalves. 

Gente anônima e distante,
que comigo cruza a rua,
é também meu semelhante
na cruz que a vida insinua.

Não deixes que um pensamento
fortuito, vil e malsão,
ensombre com seu lamento
a Luz do teu coração.

Batem três horas na torre,
é já tempo de dormir...
mas a noite corre, corre,
e eu fico a vê-la fugir...

Ó linda Mãe-Natureza,
tão pródiga e salutar,
perdoa a cega vileza
do homem, ao te queimar!

Pela semente do Amor
Que lançaste no meu peito,
Faz que eu, vá aonde for,
Saiba viver satisfeito.

A vida é feita de nadas,
Enganando muita gente
Que julgando águas paradas
Vai ao sabor da corrente.

Andar por ínvios caminhos
Buscando a Felicidade
É como colher espinhos
Na Rosa da Eternidade.

É na noite tenebrosa,
Quando os astros vestem dor,
Que a estrelinha teimosa
Persiste em parecer flor.

Pinheiros, carvalhos, vinhas,
Das cores mais variadas,
São coros de ladainhas
Pras almas angustiadas.

O Amor é como um hino
Que eu muito bem sei cantar.
Nos gorjeios do Destino
O poderás escutar.

É como um comboio, a vida,
que vai rolando na calha;
quando apanha uma descida
não há travão que lhe valha.

É fácil ser um herói
com espada e armadura;
mas é quando a alma dói
que se revela a bravura.

Atritos, perdas, cuidados
que a vida te patenteia
são despojos naufragados
que agora jazem na areia.

Quanto chega, quanto parte,
do cais que esta vida é,
aceita, pois que faz parte
do bailado da maré.

Não te espantes da mudança,
tudo voa e vai no vento;
ou prendes bem a lembrança
ou voa com o pensamento.

Por ser estreito o Caminho,
cada qual vai como pode;
mas não empurre o vizinho...
Se cair, ele lhe acode!

Tua Graça nos dás de graça
pra podermos repartir
com graça, pela desgraça
dos que esquecem o sorrir.

Boa trova não troveja,
não faz barulho ou ruído:
doce música de igreja
a consolar o ouvido.

Há zeros a mais na conta!
Milionário, tem cuidado.`
Na tua conta, desconta
o amor que não tens dado.

Passo a vida passo a passo,
com receio de espantar
com o ruído que faço
a Vida, em mim, a cantar.

Uma auréola de alegria
coroará minha cabeça,
quando, de noite ou de dia,
meu ser, no Ser, permaneça.

Por muito que a gente faça
pra ganhar Poder e Glória,
estes não enchem a taça
da verdadeira Vitória.

Mais alto que o Céu profundo,
mais vasto que o imenso mar,
é o Amor que envolve o Mundo
e o faz pra Luz caminhar.

Muita riqueza fugaz
o homem corre a buscar;
é mais rico se é capaz
de a ver partir sem chorar.

Fui em tempos mudo grito,
mas mudei a entoação,
quando escutei o aflito
a cantar, no coração.

Não só a Luz está em ti,
como és a própria Luz;
foi isto que eu aprendi
com o grande Mestre--Jesus!

A Natureza é um altar
que TU mesmo construíste
para o Homem TE adorar
em toda a forma que existe.

Este sol é um remédio
pras almas adormecidas,
desperta, afasta o tédio,
e traz mais Vida às vidas.

No imenso azul eu mergulho
meu olhar; busco alimento
para vencer o barulho
do rugir do pensamento.

Não adies o Amor
para outro dia ou momento;
o vento embala a flor
sem pedir consentimento.

Quando a mente se alimenta
de daninha nutrição,
corta o joio da tormenta
e semeia um novo pão.

Deus fez a Ode pra o dia,
fez o Salmo pra o luar;
pra noite fez a Elegia...
Fez o Homem pra trovar!

Por muito que a gente queira
viver sem pensar em Deus,
ver os "sem eira nem beira"
comove até os ateus.

Se há nas coisas pequenas
um recatado poder,
com um sorriso apenas
também tu podes vencer.

Entre a cidade e a serra
o homem sempre constrói
a arte em que se encerra
o sonho de ser herói.

Muita gente neste mundo
quando pode, faz o Bem;
pena que lá bem no fundo
só possa se lhe convém.

Subiu ao topo da vida
nas asas de um furacão;
descuidou-se na descida...
estatelou-se no chão.

Ergue-se o sol a nascente,
a poente cai a lua,
assim na vida, a gente
aos opostos se habitua.

Porque a vida tem escolhos,
não hesites na jornada;
a rosa tem seus abrolhos
mas deixa a mão perfumada.

Estende essa mão amiga,
segura, sustem, agarra...
Não faças como a formiga
sempre faz com a cigarra.

Olha-me rindo uma flor
vicejando no caminho;
por certo um pingo do Amor
que voou do Alto Ninho.

Rumoreja o pinheiral
uma conversa secreta
entre os pios de um pardal
e a doce brisa discreta.

Um coração sempre aberto,
um sorriso sempre à mão,
fazem jorrar no deserto
águas de Paz e Perdão.

Na mata, o silêncio cheio
de sol, eterno clarim...
Mas nada mata este anseio
de te ver junto de mim.

Não quero correr Contigo,
mas a Teu lado correr,
pra correr com o perigo
que corre pra me vencer.

Altas antenas alerta!
A Beleza está a falar!
Sintoniza a onda certa
para a poderes captar.

Com canto combate o pranto
e a treva em que a Terra jaz;
em cada canto e recanto
cante-se a Visão da Paz!

A vida é uma mesa posta
com diversas iguarias;
se de amargores não gosta,
ponha doçura em seus dias.

Vinha, manso, de mansinho,
o sol a terra acordar...
Saiu-lhe Amor ao caminho,
ficou parado a brilhar.

Um concerto a uma só voz
reverbera em céu e terra,
contra a mágoa e dor atroz
que um peito humilhado encerra.

Cultiva em ti e aprimora,
para que ao tempo resista,
um canteiro que se enflora
com tuas lágrimas de artista.

Já desperta a Natureza
em seu matinal clamor,
conclamando, com certeza,
a exaltar o seu Senhor.

Das mil palavras que li,
cada letra foi um beijo
que, alado, voou para ti,
no sonho de ser arpejo.

Na impermanência da vida,
guarda em ti esta certeza:
quem semeia, ampara e lida
colhe estrelas, luz, leveza.

Não existo porque penso,
nem penso por existir;
a dimensão da existência
é servir, servir, servir.

As palavras bendizentes
que lanças aqui, além,
dão, quais pródigas sementes,
farta colheita de Bem.

Desenhar passos incertos,
ao sabor da multidão,
é navegar em desertos
em busca de água ou de pão.

Numa praia assim, deserta,
numa noite de luar,
vi do Céu a porta aberta
e Deus, lá dentro, a rezar!...

Do topo daquela torre,
o nosso olhar se alongou...
Se der saudade, ali morre
porque o tempo, ali, parou...

A velhice é cama dura
onde não quero deitar...
Mocidade não perdura...
Morrer jovem? Nem pensar!...

Se a tua noite se alonga
sem ama pra te cantar,
escuta a Voz que prolonga,
em ti, versos de ninar.

Claro sol do meu inverno,
luz benigna e salutar,
que, como tu, seja eterno
este amor do Amor amar!

Numa estridência de cores
e garridas melodias,
vem a estação das flores
enamorar nossos dias.

Por muito que a gente mude
e busque amor a seu jeito, 
um só salva e nunca ilude:
o de mãe--Amor-perfeito!

Vozes de aves nas ramadas,
em harmonia de irmãs,
são como missas cantadas
no silêncio das manhãs.
Eu bem descanso a cabeça
sobre o amigo travesseiro,
mas minha mente, travessa,
desdenha tal conselheiro.

Aconchega ao coração
esta ideia, firmemente:
não vivas sob a ilusão
de que o corpo é permanente.

No meu livro de memórias, 
guardo, com todo o recato, 
as mil saudosas histórias
que conta o nosso retrato.

Palavra que não se diz,
mero cofre de segredos,
é, quase sempre, raiz
de anseios, prantos e medos.

Eis a riqueza mais rara
que eu bebo de vez em quando:
ar fresco da manhã clara
no outono que vai chegando.
 
O outono que vai chegando
traz em si só uma certeza:
conforme o passo é mais brando,
mais com forma é a Beleza.
 
Quero a vida verdadeira,
não aquela que perdi
quando, carrossel de feira,
girava em torno de ti.
 
O dia é feito de paz
quando a gente sabe bem
que tudo o que a Vida traz
é sempre o que nos convém…
 
No longe se perde o olhar,
na crista dos altos montes;
nele eu sigo a navegar
em busca das Altas Fontes.

Sendo azul, vista do espaço,
a Terra muda de cor
se a força do nosso abraço
lhe instila o verde do amor.
 
Ante a harmonia perfeita,
uma só certeza eu sinto:
o cinto que me sujeita
é vão fantasma que eu pinto.
 
Queima o fogo mar e serra;
 arde em chamas meu país…
Se não respeita a Mãe-Terra
pode um filho ser feliz?
 
Corro, em asas de euforia,
rumo a um sonho que sorri.
-- Não tenhas pressa, Maria,
que o Mundo espera por ti!
 
Que vozes doces, divinas,
dos ramos sobem ao ar…
São as fadas argentinas
da minha infância, a rezar!

Lá vem a lua se erguendo
sobre o cume da montanha;
foi-se o sol… Como eu entendo
a palidez que ela ganha!...
 
Sol de inverno, que me aqueces
alma e corpo doloridos,
obrigada, que enriqueces
de alegria os meus sentidos!
 
Hei de morrer de leveza,
como as aves nos beirais,
deixando ao mundo a tristeza,
sempre pesada demais.
 
Choveu a Graça Divina
sobre a dor que a vida tem:
fez-se Amor, fez-se Menina,
fez-se Mulher, fez-se Mãe!
 
São como águas doentes
as mágoas que alimentamos:
criam limos indolentes
e, apodrecidos,…paramos…
Sol, silêncio, canto de aves,
são a melhor terapia;
por que prender-se nas traves
de uma tristeza doentia?
 
Não queiras voltar atrás
por mais que a vida te doa;
seguindo em frente, verás
que não caminhaste à toa.
 
Por que quiseste, ó saudade,
fazer morada em meu peito?
Pedes pranto…E, em verdade,
eu já lhe perdi o jeito…
 
Iras, mágoas e rancores,
que empestam o coração,
são lixo de maus odores…
Lave com Fé e Perdão!
 
Quanto faças ou medites
não seja pela metade!
O querer? Não tem limites…
O fazer? Vem da vontade!...

Nas doces tardes de outono,
de fogo crepuscular,
posso entender este sono
de um país a ronronar.

Caminhe, amigo, caminhe!
Dê descanso ao seu sofá!
No corpo e na mente aninhe
a Graça que o sol lhe dá!
 
A Natureza, agredida,
nos dá lições de perdão:
após queimada, ferida, 
renasce… por compaixão.
 
Nas folhas emurchecidas,
o sol, artista cortês,
pinta as mil cores garridas
de um outono português.
 
Corre - corre, de Natal,
buscando um novo presente…
Por que correr, afinal?
Dê seu Amor, simplesmente!

Uma vozinha, maldosa,
na mente verte agonia,
mas há outra, clamorosa,
que sempre canta. “Confia!”
 
Em festa, as aves cantantes
de música enchem os ares;
 sejam gorjeios constantes
as lembranças que guardares!
 
Meus pensamentos dispersos
São aves de arribação;
Tomando rumos diversos
Ora eles vêm, ora vão….
 
Cuidando em tudo o que pensas,
Cuidando em tudo o que dizes,
Colherás mil recompensas
Dos mais formosos matizes.
 
Sobre o fumo mais escuro,
fruto da vil ambição,
 quero pintar um futuro
sol ridente, meu irmão!

Da rosa imita a alegria
e a doçura que ela exala
cultivando em cada dia
o mel para a tua fala.
 
Sê calmo, por mais que a dor
dilacere tua fé;
 ninguém sabe que tu, flor,
tens um espinho no pé…
 
 Ao olhar a branca neve
coroando a serra de luz,
ganho paz, alento, e leve
voo sobre a própria cruz.
 
Saudade, não vás embora,
que o inverno não tarda aí,
e eu temo que chegue a hora
de ter saudades de ti.
 
Não és uma derrotada
da vida que te persegue…
Tira da bainha a espada,
encara, luta e prossegue!

Malha a malha, ponto a ponto,
se vai tricotando a vida;
quando me engano no conto,
retomo a ponta perdida.
 
Ser com todos indulgente,
sem a ninguém causar mal:
visão que consola a gente,
e desígnio universal!
 
As bandeiras desfraldadas,
num céu de serenidade,
são nossas mãos irmanadas
clamando fraternidade.
 
Há uma palavra--Esperança
-- que canta, com doce voz,
enquanto espera a criança
que sonha dentro de nós.