Emílio de Menezes - postado em 30.12.2009

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

EMÍLIO DE MENEZES

     Rodrigo Octavio (1866 - 1944), em um dos volumes da obra MINHAS MEMÓRIAS DOS OUTROS, ao se referir a Machado de Assis, no capítulo MACHADO E A ACADEMIA, assim escreveu:

     Machado entendia, e não cessava de o dizer, que a Academia devia ser, também, uma casa de boa companhia; e o critério das boas maneiras, da absoluta respeitabilidade pessoal, não podia, para ele, ser abstraído dos requisitos essenciais para que ali se pudesse entrar.

     Por esse tempo, alguns de nossos colegas andavam procurando criar no ânimo de Machado uma ambiência favorável à aceitação da candidatura de certo poeta, de notório talento, mas de temperamento desabusado e assinalado sucesso em rodas de boêmios.

     Nesse dia o nome do poeta veio à tona; a controvérsia fora acalorada. Machado não interveio nela; conservou-se calado; mas, quando o levávamos para o bonde, na Avenida, ao chegar ao canto da Rua da Assembléia, ele nos convidou a que seguíssemos por essa rua, e, a dois passos, nos fez entrar em uma cervejaria, quase deserta nesse momento.

     Não sabendo de tudo o que aquilo significava, nós o acompanhamos sem dizer palavra, e vimo-lo deter-se no meio da sala, entre mesinhas e cadeiras de ferro, e, também sem dizer palavra, estender o braço, mostrando ao alto de uma parede, um quadro, a cores vivas, em que, meio retrato, meio caricatura, era representado um busto, quase do tamanho natural, grandes bigodes retorcidos, cabelo revolto na testa, carão vermelho e bochechudo, o poeta, cuja entrada no seio da imortalidade se pleiteava, sugestivamente empunhando, qual novo Gambrinus, um formidável vaso de cerveja...

     A cena causou em todos, profunda impressão e, tal era o respeito havido por Machado, que, em vida dele, não se falou mais na candidatura de Emílio de Menezes...  

     Raimundo de Menezes, no Dicionário Literário Brasileiro, entre outras, nos dá as seguintes informações:

     Emílio de Menezes nasceu em Curitiba, PR, a 04/07/1866, e faleceu, no Rio de Janeiro, RJ em 06/06/1918.

     Tendo tentado, duas vezes, entrar para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito na vaga de Salvador de Mendonça, a 15 de agosto de 1914, cadeira nº 20, patrono Joaquim Manoel de Macedo. Protelando por muito tempo a posse na Academia, jamais o fez. O discurso acadêmico não obteve aprovação da mesa do Silogeu e o poeta não quis modificá-lo. O presidente Medeiros e Albuquerque vetou-o, por conter alusões ferinas a Oliveira Lima e a Afrânio Peixoto, ambos imortais.

     Emílio de Menezes foi substituído, em 1920, na ABL, por Humberto de Campos.

     Curioso verificarmos o que escreveu Humberto de Campos, em DIÁRIO SECRETO, a respeito de Emílio de Menezes: 

     08 de janeiro de 1915: De caminho para casa, passei na “Gazeta de Notícias”, para falar com o Nogueira da Silva. Não estava. Conversei com o Paulo de Gardênia (Benedito Costa), um adorável imbecil que faz o “Binóculo”, a seção elegante do jornal. Esse Benedito é um mulato pernóstico, tornado popular pela sua encantadora cretinice. A propósito da sua pessoa e do seu nome, conta-se, entre outras, a seguinte anedota. O Emílio de Menezes havia tido a apresentação desse figurino, mas com as roupas do seu pseudônimo:

     - O Paulo de Gardênia, da Gazeta...

     Emílio, que o conhecia pelo nome de batismo, indagou:

     - Não é o Benedito da Costa?

     - Benedito Costa – emenda o Petrônio-mirim.

     E o Emilio, com alusão à  cor do elegante:

     - Ora, o senhor já viu Benedito que não seja... da Costa!?

     O Emílio costuma chamar a esse legitimo representante da futilidade carioca, em vez de Paulo de Gardênia –  Paulo Jasmim do Cabo.

     É ainda uma alusão à costa d’África...

     ***

     02 de março de 1917: Américo Facó, redator da revista FON-FON, conta-me uma das últimas pilhérias de Emílio de Menezes. Trata-se do recente escândalo em que a imprensa envolveu o Presidente de Minas, D........M........, acusado de haver seduzido uma senhora. E Emílio observa, fingindo indignação:

     - Mas, mineiro cria boi, mineiro cria porco, mineiro cria galinha, por que mineiro não cria vergonha?

     ***

     20 de abril de 1917: Um perverso trocadilho de Emílio de Menezes. Fala-se de vagas na Academia, às quais podem concorrer Amadeu Amaral e Oscar Lopes.

     - Eu trabalharei pelo Amadeu... –  diz-me o humorista, sério.

     - Mas, o Oscar, - observo-lhe eu,- também é Amadeu: chama-se Oscar Amadeu Ferreira Lopes.

     E Emílio:

     - Não; eu não estou me referindo ao nome civil, mas ao nome literário; e em literatura ele não é  Amadeu: é Amador...

     ***

     24 de abril de 1917: Emílio de Menezes, a quem encontro na Avenida, e que me dá a dura impressão de um grande boi platino que marchasse sobre dois pés, arrimado a um cajado, deixa-me perceber a condição amarga da sua vida, doente, velho, e pobre, terminando por pedir-me, com discrição, que lhe obtenha a remessa gratuita de O IMPARCIAL. Prometo-lhe, e ele observa, triste:

     - Também, é por pouco tempo...

     E acrescenta, referindo–se ao cemitério do Caju, que é a metrópole fúnebre do seu bairro:

     - Eu não tardarei muito em trocar o UÍSQUE da Avenida pela CAJUADA subterrânea... 

     ***

     30 de abril de 1917: Encostado a uma porta, na Avenida, gemendo, papada flácida, bamboleante, encontro, apoiado ao seu bengalão, Emílio de Menezes.

     - É a BICHA, meu velho!

     - Que BICHA?

     - A diabetes.

     Aconselho-o a não infringir as prescrições médicas, a evitar o álcool, recomendando-lhe que beba leite, muito leite.

     E ele:

     - É que estou fazendo. Agora, nem suco de uva: estou reduzido ao suco de vaca!

     ***

     07 de maio de 1917: Emílio de Menezes vai passando, abatido, quando Bilac o detém, e pergunta-lhe:

     - Como vais, Emílio?

     E Emílio, que emagrece a olhos vistos:

     - Morrendo a varejo...

     *** 

     Do livro TROVADORES DO ALÉM, psicografado por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, prefaciado, em Uberaba, a 18/07/1964, pelo Dr. Elias Barbosa retiro 05 trovas de Emílio de Menezes, espírito: 

     10 – Estranha contradição

     Que a Terra vira e revira:

     Muita mentira é paixão,

     Muita paixão é mentira.

     90 – O bom conselho comigo

     Tem este velho embaraço:

     Sempre aponto ao meu amigo

     Tudo aquilo não faço.

     246 – Verdade clara e sabida

     Que muita encrenca nos poupa:

     Nem a roupa mostra a vida,

     Nem a vida mostra a roupa.

     288 – Ninguém cometa a loucura

     Que até hoje inda me abafa.

     Coisa triste é a sepultura

     Com lembrança de garrafa.

     308 – Esclarecer nunca pude

     Esta nota incontroversa:

     Muito silêncio – virtude,

     Muita virtude – conversa.

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     JOSÉ FABIANO é amigo, é colaborador, é do Bem.  Além de exímio trovador, o maior editor contemporâneo de livros de trovas no Brasil.