Fernando Pessoa

     FERNANDO PESSOA, um dos poetas mais reverenciados de todos os tempos, nasceu em Lisboa, Portugal,em 13 de junho de 1888. Sua vasta biografia encontra-se em todos os quadrantes. Faleceu no dia 30 de novembro de 1935 também em Lisboa, aos quarenta e sete anos, jovem ainda, como era quase uma "tradição" na época..

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente!

Nuvem alta, nuvem alta,
por que é que tão alta vais?
Se tens o amor que me falta,
desce um pouco, desce mais!

O moinho de café
mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minha alma é,
moeu quem me deixa só.

Todas as coisas que dizes
afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
isso é a felicidade.

És Maria da Piedade,
pois te chamaram assim.
Sê lá Maria à vontade,
mas tem piedade de mim!

Tu és Maria da Graça,
mas a que graça é que vem
ser essa graça a desgraça
de quem a graça não tem?

Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Vai alta a nuvem que passa,
vai alto o meu pensamento,
que é escravo da tua graça,
como a nuvem o é do vento.

Ou chuva, ou sol, ou preguiça...
Tudo influi, tudo transforma...
A alma não tem justiça,
a sensação não tem forma.

Se sou alegre ou sou triste?
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?

Como um vento na floresta,
minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta,
não sei quem sou para mim.

Por muito que pense e pense
no que nunca me disseste,
teu silêncio não convence.
Faltaste quando vieste.

Dei-lhe um beijo ao pé da boca
por a boca se esquivar.
A ideia talvez foi louca,
o mal foi não acertar.

Duas horas te esperei.
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim, não sei...
Algum dia há de ser dia...

Quando chegaste à janela
todos que estavam na rua
disseram: olha, é aquela,
tal é a graça que é tua!

Quero lá saber por onde
andaste todo este dia!
Nunca faz bem quem se esconde...
Mas, onde foste, Maria?

Caiu no chão o novelo
e foi-se desenrolando.
Passas a mão no cabelo,
não sei em que estás pensando.

Ai, os pratos de arroz doce
com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!

Tens um anel imitado
mas vais contente de o ter.
Que importa o falsificado
se é verdadeiro o prazer?

Tenho uma pena que escreve
aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve,
se é verdade, não tem tinta.