Francisco de Assis, esse desconhecido!

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FRANCISCO DE ASSIS, ESSE DESCONHECIDO
(texto de Pedro Mello)

 

            Todo aquele que por alguma razão admira a vida de Francisco de Assis (1182-1226) certamente iria gostar muito da leitura do livro Francis of Assisi: performing the Gospel life, de Lawrence Cunningham, professor de Teologia da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. Teólogo e professor universitário, Cunningham não fez apenas uma apologia à figura de Francisco de Assis, mas procurou compor a biografia de uma figura histórica de relevo, cuja vida num passado distante ainda é cercada por uma aura de mistérios e lendas.

            Digna de nota no livro é a menção que Cunningham faz à “Oração da Paz”, conhecida como “Oração de São Francisco”. Esclarece que o texto, embora bonito e edificante, não foi escrito por Francisco de Assis. Segundo Cunningham, a “Oração da Paz” é um texto anônimo francês, cuja publicação se deu num boletim em Paris no ano de 1913. Pouco depois, em 1916, a “Oração da Paz” foi publicada na Itália em um folheto que exibia uma estampa de São Francisco do outro lado, daí passar a ser conhecida como “Oração de São Francisco”. Independente de ser um texto anônimo, seus ideais de bondade e espiritualidade permanecem no coração do povo. Francisco de Assis foi canonizado em 1228 pelo Papa Gregório IX.

            Luiz Otávio (1916-1977), poeta fundador da União Brasileira de Trovadores, era muito devoto e, por isto, instituiu a figura de Francisco de Assis como patrono da UBT. Ainda que não seja obrigatório de acordo com os estatutos da entidade (nem poderia ser, juridicamente falando), é de praxe nas reuniões da UBT e nas solenidades de premiação dos concursos e Jogos Florais a leitura da “Oração de São Francisco”.

            Neste espaço pretendemos fazer um cotejo entre fragmentos da tantas vezes lida e tão pouco praticada “Oração de São Francisco” com trovas de diversos autores. Lendo essas trovas e vendo o que sói acontecer, parece que Francisco de Assis é um ilustre desconhecido...

Senhor: fazei-me de mim um instrumento de vossa Paz”.

Quem em sã consciência não almeja a paz? Para Zaé Júnior, de São Paulo (SP), a Paz somente será possível quando não houver fronteiras entre os homens:

Sem fronteiras, num só laço,

os homens serão felizes,

pois a Terra, lá do espaço,

não se divide em países!

 

            E para Darly O. Barros, de São Paulo (SP), primeiro a paz tem de estar dentro de nós:

Muda, meu peito, e depressa,

não percas mais tempo, é urgente:

- a paz no mundo começa

dentro do peito da gente!

 

“Onde houver ódio, que eu leve o Amor”.

Para o grande A. A. de Assis, de Maringá (PR), a Poesia tem a magia de semear amor entre os povos:

Num tempo em que tanta guerra,

enche o mundo de terror,

benditos os que na Terra,

semeiam versos de amor!

 

            Eno Teodoro Wanke (1929-2001) lembrou-nos da máxima bíblica da incondicionalidade do amor:

Senhor! Que eu pratique o bem,

separe o joio do trigo

e tenha forças, também,

de amar o irmão inimigo...

 

E o inesquecível José Maria Machado de Araújo (1922-2004) em uma trova, tão bela que é mais uma oração, destacou a importância de as pessoas fazerem do amor um modo de vida:

Minhas mãos, cheias de amor,

plantam amor pelas ruas...

E mais não plantam, Senhor,

porque só me deste duas!...

 

“Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão”.

            Somos todos imperfeitos, sujeitos a errar e a magoar o semelhante. Uma palavra mal colocada pode fazer estragos irremediáveis. Heloísa Zanconato, de Juiz de Fora (MG), mostrou o quanto devemos nos esforçar para não dizer palavras rudes ao nosso semelhante:

Ofensas, busca evitá-las,

que as palavras têm raízes...

- Tu és Senhor do que calas,

mas escravo do que dizes!

 

            Apesar do sábio conselho de Heloísa, todos nós erramos muitas vezes. Aí entra o incomensurável valor do perdão, gesto nobre que constrói pontes sobre os precipícios que se abrem entre as pessoas. E Eduardo Toledo, de Pouso Alegre (MG), exemplarmente destacou o valor sublime do perdão:

A vingança não me agride,

pois tenho de prontidão

as armas para o revide:

- o entendimento e o perdão!

 

            A grandeza de não revidar também foi exaltada por Antônio Carlos Teixeira Pinto, de Brasília (DF):

Não dou revide ao seu gesto,

por esta simples razão:

- Pesa bem mais o protesto

que a leveza do perdão!

           

E por falar em perdão, eis uma virtude destacada em muitas trovas. Apesar da profusão de trovas dessa temática, esta joia de Pedro Ornellas, de São Paulo (SP), é sempre lembrada:

Se o erro ficou distante,

seja pleno o teu perdão;

não se cobra ao diamante

seu passado de carvão!

 

“Onde houver Discórdia, que eu leve a União”.

            Quantas vezes as pessoas brigam por ninharias! Quantas vezes é lida a “Oração de São Francisco” e, poucos momentos depois, faz-se exatamente o contrário! Quantas vezes se semeia a discórdia e pessoas brigam por ninharias... Por isso, o conselho de José Ouverney, de Pindamonhangaba (SP), é mais do que oportuno:

Se brigamos, certamente

todos temos a perder;

quando a discórdia é a semente,

o que se pode colher?

 

            A vida é tão curta! É por isso que todos deveriam pôr as diferenças de lado e se unir pelo bem comum. A União é destacada nessa belíssima trova de Ercy Maria Marques de Faria, de Bauru (SP):

Toda união é perfeita,

se, congregando emoções,

além das mãos que ela estreita,

une também corações...

 

            José Maria Machado de Araújo alcançou a perfeição nesta trova, em que nos ensinou:

Trovadores, meus irmãos,

vamos andar de mãos dadas...

Onde há correntes de mãos,

não há mãos acorrentadas!

 

“Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.”

            Somos bombardeados a todo instante com ideias de que Deus não existe. Nunca uma geração esteve tão afastada de Deus quanto a nossa. As pessoas duvidam... e como perdem por isso! É Conchita Moutinho de Almeida (falecida em 2003) quem nós dá uma valiosa lição:

Tormento do dia a dia

no coração dos ateus,

dúvida, nuvem sombria

que esconde a face de Deus!

 

Os trovadores não esmorecem. Note esta profissão de fé de Waldir Neves (1924-2007):

Deus que é paz e amor profundo,

em sua excelsa grandeza,

se é mistério para o mundo,

para mim é uma certeza!

 

            Difícil falar em Deus sem resvalar no lugar-comum. O que se pode falar de Deus que já não tenha sido dito antes? Mas os trovadores sempre conseguem se expressar com beleza às vezes transcendental, como é o caso desta maravilhosa trova de Arlindo Tadeu Hagen, de Belo Horizonte (MG):

Como negar evidências

sobre um Ser especial

se, na essência das essências,

Deus é sempre essencial!?...

 

            A Fé é a força que impele e sustenta as pessoas, como bem disse Wanda de Paula Mourthé, de Belo Horizonte (MG):

Sem temor, meu barco avança,

seja qual for a maré,

pois no mastro da esperança

iço a bandeira da Fé.

 

“Onde houver Erro, que eu leve a Verdade”.

            Erramos, mas quem não erra? E é Selma Patti Spinelli, de São Paulo (SP), quem acha o ponto de equilíbrio sobre como devemos encarar nossos erros, em uma belíssima lição de vida:

Não atires ao desterro

o teu irmão que pecou...

- É bom combater o erro,

mas não aquele que errou!

 

            A verdade... virtude tão escassa nos dias de hoje! Por mais que as pessoas mintam, a verdade prevalece! É o que nos mostra Zaé Júnior:

A verdade é como a estrela,

cintilante e cristalina;

pode a neblina escondê-la,

mas brilha além da neblina!

 

 

“Onde houver desespero que eu leve a Esperança”.

            Muitos se desesperam diante das vicissitudes da vida. Jamais, entretanto, devemos perder a esperança. Uma lição valiosa de Lourdes Regina Gutbrod, do Rio de Janeiro (RJ):

Sem me curvar à derrota,

nenhum desalento esboço,

e à esperança mais remota

respondo bem alto: - Eu posso!

 

            Jamais devemos enxergar a vida com pessimismo, mesmo que a esperança seja a única coisa que nos reste. É o que bem nos ensinou Antônio de Oliveira, de Rio Claro (SP):

A esperança é aquele brio

com que a magia da vida

mantém aceso o pavio

sobre a cera derretida!

 

“Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria”.

            Na vida há muitos momentos tristes, mas não podemos nos entregar à Tristeza. Como disse o sambista, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Essa é a lição de sabedoria transmitida por Marilúcia Rezende, de São Paulo (SP):

Minhas mágoas mando embora,

bem antes que a dor se agrave...

Jogo a tristeza lá fora,

tranco a porta... e escondo a chave!

 

            Por isso, minha gente, Alegria! Ela enche a vida de otimismo, como nesta trova “alto astral”, de A. A. de Assis:

Sorria, Amigo, sorria...

Pois neste tempo de tédio,

qualquer sinal de alegria

é sempre um santo remédio!

 

“Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!”

            Mesmo quando há trevas, o poeta não se deixa abater. E Maria Lua, de Nova Friburgo (RJ), diz que é possível pôr luzes nas trevas:

Se a vida apaga as estrelas

e espalha trevas na estrada,

meu sonho pode acendê-las,

criando luzes... do nada!...

 

            A vida de uma pessoa é enriquecida quando ela é luz para os outros. E, mesmo que não possamos ser luz, que não sejamos o oposto! Isto é o que nos ensina João Freire Filho, do Rio de Janeiro (RJ):

Na vida, que te conduz

às mais diversas pelejas,

se não puderes ser luz,

que, ao menos, sombra não sejas!

 

            Certamente queremos ser luz na vida de nosso semelhante. Pelo menos isso é o que diz A. A. de Assis:

A Vida, além de um prazer,

é a chance que a gente tem

de, mais que apenas viver,

ser luz na vida de alguém!

 

 

Enfim...

Todos nós deveríamos consolar, compreender, amar, dar de nós, perdoar, oferecer uma amizade verdadeira... Aloísio Alves da Costa (1935-2010) capta a essência da verdadeira amizade:

Quando a vida se complica

nas horas de solidão,

amigo é aquele que fica

depois que os outros se vão...

 

            Waldir Neves mostrou a ternura da partilha:

Partilhar quando há fartura...

- eu já fiz... você já fez...

Mas só com muita ternura

alguém partilha a escassez.

 

            Décadas antes, a mesma impressão já tivera Colbert Rangel Coelho (1925-1975):

Passei a crer nos amigos

e em bondade ainda creio,

depois que vi dois mendigos

dividindo um pão ao meio...

 

Nem sempre conseguimos demonstrar virtudes cristãs. Todas as trovas acima são lições de vida muitas vezes não aprendidas, mas a cada instante temos a oportunidade de refazer a nossa trajetória. Aprender a tolerância... a humildade... a bondade... o perdão... Enquanto há vida, há oportunidades de tentarmos enriquecer nossa trajetória. A tarefa é árdua, mas o importante é não desistir...! E terminamos com o importante ensinamento da trova de Joubert de Araújo Silva (1915-1993):

Destino não é somente

a sina que Deus traçou.

- Ninguém se esqueça que a gente

colhe aquilo que plantou!

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Texto do Prof. Pedro Mello, membro da UBT São Paulo, "Magnífico Trovador" por Nova Friburgo desde maio de 2010.