03 - BATISTA NUNES

 Coleção “Trovadores Brasileiros” (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
      Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araújo Jorge
 Imagem removida.
Batista Nunes
1883-

* * *
Renato Baptista Nunes nasceu em Vassouras (Estado do Rio),
a 2 de março de 1883.
Foram seus pais o poeta e jornalista João Baptista Nunes e
Inésia de Oliveira Nunes, professora, que lhe ensinou as
primeiras letras. Em 1893 veio para a cidade do Rio de Janeiro,
onde continuou seus estudos e seguiu a carreira militar.
Formou-se em engenharia militar na Escola de Artilharia e
Engenharia de Realengo.
Foi comandante da Escola de Estado-Maior do Exército.
Para muitos dos seus conhecidos será uma surpresa a descoberta
desta outra face da personalidade de Baptista Nunes:
a de poeta, ou melhor ainda - a de trovador.
Autor de dezenas de trovas, nunca publicadas em livro, é
possuidor de alta sensibilidade e de grande inclinação para o gênero.

Vizinho de lado de Gilson de Castro, somente após sete anos soube
que este era "Luiz Otávio".
Começou então, em 1951, a dirigir-lhe algumas trovas que eram
colocadas na caixa de cartas, e que, da mesma maneira, eram respondidas...
Esta correspondência durou alguns meses antes de se falarem.
Animado pelo trovador vizinho, continuou a compor trovas com
freqüência e aperfeiçoamento. Foram publicadas pela primeira
vez na imprensa pelo "Diário de Notícias" do Rio, em 1952 e,
depois, em vários jornais do interior.
Desconfiado de que os elogios feitos às suas trovas pelo seu
vizinho eram reflexos de simpatia e amizade, resolveu enviar
a Adelmar Tavares umas trovas de sua autoria, a fim de que
fossem julgadas por quem não o conhecia.
Do querido trovador brasileiro recebeu afetuosa carta, na qual,
entre outras coisas, lhe dizia:
“ ...li seu livro com muito prazer. Deparei com trovas
verdadeiramente admiráveis..."
E mais adiante: "...Você é um verdadeiro trovador. Suas cantigas
têm música e simplicidade. Muitas são lindíssimas, e eu, trovador
velho, as assinaria com alegria."
Sim, muitas são lindíssimas, repetimos nós.
Baptista Munes possuí o dom do trovador. Suas quadras têm o
verdadeiro espírito da trova. E qual será esse espírito da trova?!
- É algo sutil, indefinível e inexplicável ....
Talvez um conjunto de virtudes encontradas nas grandes trovas e
nos legítimos troveiros. Quem sabe se é a poeticidade aliada a
um grande poder de síntese, apresentada de forma espontânea,
melodiosa e diferente?!...
Seja como for, quando se lê uma boa trova sente-se nela esse
espírito que é como um misterioso perfume percebido pelas almas
sensíveis que apreciam, compreendem e amam esse delicado gênero poético.
Tendo essa capacidade de captar o espírito da trova, tendo longa
experiência da vida e dos homens, sendo um poeta em estado latente,
não foi difícil para Baptista Nunes percorrer com êxito os vários
matizes que a trova oferece.
Lírico, delicadamente lírico muitas vezes, escreve trovas repletas
de espiritualidade e de beleza, como esta:

"Velhinha diante do altar,
nada dizia e chorava...
Mas aquela prece muda,
Nossa Senhora escutava..."

Ou esta:

"Uma esperança a morrer,
uma ventura a findar,
...e vai na trova nascer
uma saudade a cantar!"

Seu fino espírito de ironista é colocado em várias de suas quadras.
Neste livro não encontraremos muitas. Mas podem ser notadas algumas.
Esta, por exemplo, não está entre as cem:

"A mulher nunca nos mente,
e disso muito se ufana;
diz, talvez, coisa por outra...
Mas quem é que não se engana?"

O conceito, o pensamento, também podem ser observados no seu trovar.
Vejam esta, por exemplo, tão expressiva e profunda:

"Um só gesto que conforte
vale, em vida, muito mais
que chorar, depois da morte,
pela ausência de seus pais."

Muitas e muitas outras quadras, que os leitores não encontrarão
nas páginas a seguir, são também de grande valia e mereceriam
aqui figurar. Para terminar as citações transcrevo uma delicada
e lírica imagem sobre a saudade:

"Saudade, bendita sejas,
alma do bem que morreu;
saudade, só tu me ensejas
rever o bem que foi meu!..."

Ao iniciarmos a publicação da Coleção "Trovadores Brasileiros",
obedecendo ao esquema de trazer ao público três livros de cada
vez: de um trovador falecido, de um grande trovador vivo e o de
um estreante, acreditamos que fizemos justa e boa escolha,
lembrando os nomes de Belmiro Braga, Lilinha Fernandes e
de Baptista Nunes.

Quem recebeu de Adelmar Tavares tão expressivas e elogiosas
palavras não precisaria de outras justificativas para explicar
a sua presença como estreante, em livros de trovas, nesta
Coleção. Temos quase a certeza de que os apreciadores do
gênero, ao terminarem a leitura deste livrinho, terão a mesma
impressão que tivemos. E hão de sentir toda a beleza dessas
trovas espontâneas e harmoniosas, bem feitas e sentidas,
guardadas num coração emotivo há tantos anos e que, em momento
feliz, desabrocharam magnífica e exuberantemente, para a alegria
de nossas almas e o encantamento dos leitores.
------------------------------------------------------------------------------

Imagem removida.  Imagem removida.
Cem Trovas de
Baptista Nunes

                                         n.01                                                      n.02                                        
 As  dores  e  os  desencantos               Minha mágoa, quando é grande,
   têm  dois  destinos  diversos:              faz da trova confidente                  
- ou se dissolvem nos prantos,              -Uma angústia que se expande    
- ou  se  desfazem nos versos.              não sufoca a alma da gente.        

                                         n.03                                                      n.04                                        
As saudades nunca morrem,               Das horas sempre ditosas,
tê-las sempre, é nosso fado;             muitas o tédio nos furta... 
-são farrapos de nossa alma              A glória maior das rosas    
        que ficaram no passado             é terem vida tão curta.       

                                         n.05                                                      n.06                                        
Olha o céu, contempla o mar,               Não sei que mágoa mais funda
          mira a campina florida,             destas tristezas decorre:          
   fita a estrela, goza o luar...             - se da saudade que vive,        
       Por que só vês tua vida?             -se da esperança que morre. 
 
                                         n.07                                                      n.08                                        
         Ao sonhar contigo, eu sinto               Reparaste quanto é fácil              
          amor mais puro e profundo!               desculparmos os defeitos,              
No sonho, as almas se encontram               se a criatura, além de grácil,         
             fora da carne e do mundo...               tem seus dezoito já feitos?               

                                         n.09                                                      n.10                                        
        Olhando a vida vivida,               Quão larga seria a messe    
         esta pergunta passou :              de surpresas, de tormentos, 
   -fui eu que fiz minha vida,             se o simples olhar pudesse 
  ou fez-me a vida o que sou ?             devassar os pensamentos...    

                                         n.11                                                      n.12                                        
     O luar  é  tão  triste  e doce,             No início  da vida, o mundo     
   tem  tal  encanto  e  magia,             parece um reino encantado! 
que acredito que assim fosse             Não há erro mais profundo, 
          o olhar da Virgem Maria.           nem logro mais bem pregado. 

                                         n.13                                                      n.14                                        
     É milagre dos mais puros,            A  nossa alma  se reparte     
    como  só  os  faz  Jesus,             pelos filhos que nos vêm; 
-por em teus olhos escuros              temos sempre nossa parte 
  tanta  treva  e  tanta  luz !              nos destinos que eles têm. 

                                         n.15                                                      n.16                                        
       É  preciso  por  um  cobro               É o amor um milionário,      
   ao lamento que enfraquece;             gaste os beijos que gastar, 
quem se queixa sofre o dobro             tanto mais, o  perdulário,   
     do  tormento  que  padece.           terá  sempre  para  dar !   

                                         n.17                                                      n.18                                        
      Nossa casa é igual um ninho               Mais do que o próprio desdém,
            escondido  num  pomar ;             nada  mais  deixa  tão  sós,      
     dentro dela há um bercinho...             como  saber  que  ninguém       
        Que  mais  posso  desejar ?             sente  saudade  de  nós...          

                                         n.19                                                      n.20                                        
Volta o sol... a chuva é mansa...               Mãe não precisa de rima.
        sol  e  chuva,  faz  lembrar            Nome de tal esplendor, 
                     o  sorriso  da  criança            diz tudo, para que exprima, 
               quando  acaba  de  chorar.           sozinho, um poema de amor! 

                                         n.21                                                      n.22                                        
              Música ! Enlevo  sublime,               Coração,  bate  baixinho,           
                       sua  magia  dimana              pois, a ouvir-te, ó desventura, 
                    do que existe de divino               conto os passos do caminho        
           no mistério da alma humana!                que  conduz  à  sepultura...            

                                         n.23                                                      n.24                                        
Há no  mundo  muita gente               Tesouro  que,  dividido,        
que só maldades proclama;              vai crescendo, vai subindo, 
é que os sapos, certamente,                - é amor de Mãe, repartido   
         só são felizes na lama.               pelos filhos que vem vindo ! 

                                         n.25                                                      n.26                                        
Tens um sinal junto à boca,               Solidão que não tem par,   
fonte  de  todo  o meu  mal :              ausência  cruel,  atroz,       
       ao  beijá-lo,  fui  punido              é viverem dois num lar       
    por "avançar o sinal"...              como se estivessem sós.   

                                         n.27                                                      n.28                                        
Não queiras muito da vida;               Canta,  canta as tuas mágoas,
      vê bem que a felicidade              que a trova nos traz conforto; 
    muitas vezes é  percebida               quando morre um sonho, a trova 
  só depois de ser saudade...             guarda a alma do sonho morto. 

                                         n.29                                                      n.30                                        
    Senhor! Que sorte mesquinha              Mãe... Olhando o teu retrato,   
       e  digna   de   compaixão:              meus olhos fitos nos teus,     
         - termos o espírito livre             penso que estás a meu lado 
e os pés chumbados ao chão!              por uma graça de Deus !      

                                         n.31                                                      n.32                                        
Meus anseios... tristes frades,               Velhos,  distantes,  embora,
      numa  angústia  indefinida,              não nos  sentimos  tão  sós, 
   vivem presos entre as grades             quando os amigos de outrora 
  das  clausuras  desta  vida...             inda se lembra de nós.        

                                         n.33                                                      n.34                                        
     Mistérios  de  enternecer               Se  uma  fada  perguntasse
         a  lei  da  vida  contém :             qual a ventura que almejo,  
      -quanta vez nosso prazer             eu diria : - que  consiste     
 não custou a dor de alguém?             em não ter nenhum desejo.  

                                         n.35                                                      n.36                                        
Construímos nosso ninho,               Teu sorriso é uma alvorada
    mas  é  justo  assinalar :              que acende na tua face        
  - fiz,  apenas,  uma  casa              o rubor que a madrugada    
            e  dela  fizeste  um  lar.             põe no céu, quando o sol nasce! 

                                         n.37                                                      n.38                                        
     Magoada flor da quaresma ,               Velhice  não  é  tristeza             
           tens  da  saudades  a  cor ;               quando somos venerados             
-meu passado é todo um bosque                - o que dói é a certeza                 
      de  quaresmeiras  em  flor...             de só sermos tolerados.           

                                         n.39                                                      n.40                                        
Águas de um rio não lavam               Há belas trovas... mas creio,
   nem um pecado, somente;             nenhuma pode igualar          
   lágrimas  puras,  sentidas,              às lindas trovas que leio         
lavam toda a alma da gente.              no fundo do teu olhar !           

                                         n.41                                                      n.42                                        
Quando a ilusão me conduz               Águas do lago... tão calmas...
   ao  desengano  tristonho,             Olhando-as, fico a cismar :   
      faço  da  trova  uma  cruz              -por quê, Senhor, há nas almas 
    na  sepultura  do  sonho.             essa inquietude do mar ?     

                                         n.43                                                      n.44                                        
   A  árvore  eterna  da  Fé,               Quando a injustiça te doer,     
  no mundo a plantou Jesus;              ou quando alguém te magoar, 
foi regada com seu sangue,              esquece, pois esquecer          
teve a forma de uma cruz...              é bem mais do que perdoar.  

                                         n.45                                                      n.46                                        
  Da esperança malograda,             Quanto és bela, que grandeza,
     da ventura que findou,             cidade vista do alto !               
 guarda a trova, desolada            Quanta dor, quanta baixeza, 
     a lembrança que ficou             ao nível do teu asfalto...        

                                         n.47                                                      n.48                                        
           Gratidão, no ser humano,               Quem casa não se governa,       
                 em  geral  é  raridade,              tenho, até, vergonha às vezes, 
     pois, sendo o orgulho um tirano,              pois quem manda em minha casa 
      não  tolera  essa  humildade.              é um pirralho de três meses!    

                                         n.49                                                      n.50                                        
         Essa  figura  risonha                Quando parte um velho amigo
que  pouco tem de nascida,               rumo às paragens sem fim,      
é uma vida que inda sonha,                sinto que um pouco da vida       
  é  sonho  que  se  fez  vida !                morreu, também, dentro em mim 

                                         n.51                                                      n.52                                        
       Pode  ser  pura  ilusão,               O mundo é um só, quem duvida?
mas nunca a gente se cansa              Mas  para  as  almas,  no  fundo, 
       de  plantar  no  coração              há tantos mundos  na  vida,         
  a  semente  da  esperança.              quantas  vidas  há no mundo.        

                                         n.53                                                      n.54                                        
   O  orvalho  frio  das  noites               Teu  amor  é  tão  sincero,          
 vem  do  pranto  de  saudade              que adivinhas o que almejo        
das triste mães que deixaram              pois nunca te disse "eu quero" 
 seus filhinhos  na orfandade.             para ter o que desejo.              

                                         n.55                                                      n.56                                        
    Desde que a sorte, Querida,               Creio em alma feminina,              
                   este  lar  nos  concedeu,              -quem assim pensa, não peca-            
              vivo  mais  a  tua  vida              quando vejo uma menina             
  que a vida que Deus me deu.             a ninar uma boneca.                  

                                         n.57                                                      n.58                                        
                        Homens egoístas, ouvi             Quando a aurora se incendeia,              
                   este conceito fecundo:             toda a passarada, em festa,            
                    - quem vive só para si,              ergue um hino à Natureza                 
                  vive sozinho no mundo.              na Catedral da floresta !                  

                                         n.59                                                      n.60                                        
   Os detentos nos comovem...               Deus, que uniu as nossas almas,
             Há  suplício  parecido :               mais bondoso foi depois,                
-ter-se uma alma sempre jovem               quando,  para  unir-nos  mais,          
  presa a um corpo envelhecido.               pôs um filho entre nós dois.            

                                         n.61                                                      n.62                                        
Só as mães, ao filho enfermo,               Para evitar, precavida,              
        embalam  numa  canção,              qualquer  infidelidade                
          tendo o sorriso nos lábios             quando ela vai de partida,            
      e  um  punhal  no  coração.            deixa comigo a saudade.           

                                         n.63                                                      n.64                                        
   A luz que o sol irradia               Nem sempre meu mal existe.
     é feita de sete cores.              Querida,  não  te  desoles,      
 -A alma de luz de Maria              às  vezes  finjo  de  triste         
 formou-se de Sete Dores               só  para   me  consoles.             

                                         n.65                                                      n.66                                        
Se em teu rosto resplandece               Vida... Perene  esperança
          a  aurora  do  teu  sorriso               de quê, não se sabe bem...    
          é  como  se  eu  estivesse              Feliz de quem não se cansa   
             pertinho do Paraíso !              de esperar o que não vem.

                                         n.67                                                      n.68                                        
     Se mais na vida se avança,               Vejo  na  noiva  ditosa,
        maior  angústia  é  sentida                aos pés do altar, a sorrir 
por ser tão longa a esperança                uma esperança radiosa 
     e  ser  tão  curta esta vida.                interrogando o porvir... 

                                         n.69                                                      n.70                                        
 Não  só  o  aroma,  também               Saudade  e  rio  corrente        
o gosto lembra o que é bom:             ligam dois pontos distantes: 
- estou  saudoso,  meu  bem,             - o rio leva à  nascente,         
     do "gosto  do  teu  baton"...             a saudade, ao que era dantes... 

                                         n.71                                                      n.72                                        
  Agora,  não  sei  por  quê,               Desta  feliz  ignorância     
meu relógio faz maldades...             decorre  grande  ventura: 
          Numa  hora  sem  você,             -não sabermos que distância 
marca sessenta saudades !               vai do berço à sepultura.     

                                         n.73                                                      n.74                                        
   Bem pouca gente procura               Feliz daquele que alcança
         aceitar  esta  verdade :              o lenitivo que quer,            
-antes ser bom sem ventura,              - num riso de criança         
   que ser feliz sem bondade.              - num carinho de mulher.  

                                         n.75                                                      n.76                                        
    O  beijo  é  moeda  de  amor               Tem qualquer coisa de heróico
que tem um câmbio engraçado:              quem, pela vida a lutar,            
         - dado  só,  baixa  o  valor,               sabe, com ânimo estóico,           
    vale  mais,  se  for  trocado!              sofrer, sorrir... e calar.            

                                         n.77                                                      n.78                                        
                  Que se diga afortunado               Guardo esta amarga impressão:
       aquele que não tiver,              depois de tanto viver, 
   como nuvem, no passado,               só hoje sinto a extensão 
      uma sombra de mulher.              do que deixei de fazer... 

                                         n.79                                                      n.80                                        
           Mãe feliz! É tão novinho,              Nós vogamos, coração,     
                              e teu seio já reclama!               numa perene ansiedade,                 
             Dois corações tens agora:               entre a esperança e a ilusão, 
  um que pulsa, outro que mama...               entre a ventura e a saudade.

                                         n.81                                                      n.82                                        
        Tuas cartas... que saudade!               Como dói a gente ver    
Quando as tenho em minha mão,                sem conseguir consolar,
    olho as linhas... e em verdade,              - uma criança a sofrer, 
                quem as lê é o coração.              Um velhinha a chorar... 

                                         n.83                                                      n.84                                        
       Foi um dia, o Benefício,               Já vivemos outras vidas,     
        se casou co'a Precisão;             e, se digo isto é porque      
          por diabólico artifício,             às vezes tenho sentidas     
quem nasceu? A Ingratidão!             saudades... não sei de quê. 

                                         n.85                                                      n.86                                        
           Há saudades que nos falam            Quando me fitas, morena,      
               de maneiras desiguais:            com teus olhos maganos,   
       - umas dizem: "pode ser"...           tenho pena, imensa pena, 
     -muitas outras: "Nunca mais"...           de não ter vinte e dois anos... 

                                         n.87                                                      n.88                                        
   Eu te explico o acontecido:            Dar aquilo que nos sobra,  
- se roubei teu beijo, amada,             não tem grande validade; 
        foi por ter-me parecido             repartir o que mal chega, 
  que querias ser roubada...          isto, sim, é caridade.     

                                         n.89                                                      n.90                                        
       Na tua face entrevejo              Creio que o poeta é tristonho
  transformação milagrosa             porque sua alma se encerra, 
- da semente do meu beijo,              perenemente, num sonho        
nasce o rubor de uma rosa!               que não se vive na terra.          

                                         n.91                                                      n.92                                        
      A trova parece espelho               Costureirinha adorável,             
                     miraculoso, porque             sem que tua alma degrades,             
     reflete as coisas do mundo,             tens virtude mais louvável            
                       e mais o que não se vê.            que a da freira, atrás das grades.             

                                         n.93                                                      n.94                                        
  Guardo um remorso comigo,               Muita gente é infeliz,                   
     que  mortifica  minha  alma:              mas será por culpa alheia?           
   -quando estive a sós contigo,               Cada qual, como se diz,                  
fui duma calma... uma calma...              colhe aquilo que semeia...            

                                         n.95                                                      n.96                                        
    Dizes que gosta de mim,               Dá adeus quem parte e se vai...
       se gostas, nunca senti;               - que expressiva afinidade -         
teu gosto é outro, isto sim,              com estas letras se escreve        
 gostas que eu goste de ti.             o que nos fica: saudade !           

                                         n.97                                                      n.98                                        
   A trova é canto dorido,               Faz-me temer a partida           
a trova é prece de amor;              esta ironia da sorte:                
reflete o mundo sentido              -teus olhos, que me dão vida, 
   pela alma do trovador              chorarem por minha morte.   

                                           n.99                                                      n.100                                        
 O prazer que a gente goza               Vida... mistério celeste                    
  guarda, em si, melancolia,              que acorrenta uma alma escrava... 
    pois a hora que é ditosa,                Nada pedi, mas me deste                
   há de ser saudade um dia.               muito mais do que esperava!

                              (extraído do site www.jgaraujo.com.br)            
 
in
 Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959