Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e J. G. de Araújo Jorge (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
Manoel Bastos Tigre
(1882-1957)
* * *
As Festas da Poesia e os
I JOGOS FLORAIS DE POUSO ALEGRE
Multiplicam-se por todo o Brasil as festas literárias, as feiras de livros, os
torneios de trevas. E Friburgo, já hoje poderá acrescentar um novo titulo aos
muitos que tem: pode ser chamada de “ a cidade dos trovadores ”! Ficou
sendo a pioneira deste “bandeirismo” poético e cultural que avassala o país.
Já se realizaram os III Jogos Florais. Cada um deles com um Concurso de
trovas, e um tema diferente. “Amor, Saudade e Ciúme”, foram os três temas
iniciais, e deste modo, nós, os idealizadores e organizadores dos Jogos
Florais quisemos homenagear a velha lendária Fonte do Suspiro, fonte que
abastecia de água a primitiva vila, e que, com o tempo, passou a ser um
recanto preferido pelos namorados.
Na sua pedra se encontram gravadas as Palavras, “Amor, Saudade, Ciúme”.
A velha praça do Suspiro, com sua fonte, está , hoje remodelada. Puseram
abaixo a grande touceira de bambus que abrigava, com suas sombras, os
apaixonados. E com os loteamentos e as obras de urbanização, parece que
vai escasseando a água da fonte, que, segundo a lenda, possuía o dom de
fazer se “apaixonar pela cidade e voltar a ela” todo aquele que a provasse.
As festas dos Jogos Florais, já agora, vão ganhando a força de uma tradição.
Dela participam as autoridades, o povo em geral, a Academia Friburguense
de Letras, os jornalistas, e um sem número de escritores e convidados que
visitam Friburgo durante a sua realização. Isto sem falarmos, está claro, nos
poetas e trovadores que são a alma das festividades.
Um das pontos altos desse acontecimento é a escolha da “Musa dos Jogos
Florais ”, saudada em versos pelos trovadores presentes, e coroada e
homenageada numa grande festa.
Eis um exemplo que muitas cidades do Brasil deverão imitar, ampliando
cada vez mais esse surto de poesia. Deste modo, vamos interessando cada
vez mais o povo em nossos problemas literários e ajudando-o a afinar sua
sensibilidade.
Ainda agora, se constatou, com a publicação de uma série de volumes de
trovas da “ Coleção Trovas e Trovadores ”, editada pela Livraria Freitas
Bastos, que dos dez poetas d a coleção, pelo menos seis iniciaram suas
atividades literárias ou se preocuparam com esse gênero de poesia, depois
que participaram dos Jogos Florais de Friburgo.
São Fidélis, cidade norte-fluminense, prepara-se para realizar em Julho mais
um Festival de Poesia, o deste ano, baseado também num Concurso de
Trovas, e com a escolha de uma “Musa dos Trovadores”.
Campos, já apresentou ao povo, dois Salões de Trovas, e pretende repetir,
anualmente, o sucesso dos anteriores.
Teresópolis prepara com grande entusiasmo o lançamento do seu
I Festival Brasileiro de Literatura, para comemorar as festas de
aniversário do Município.
Comemorando aliás, o 60.° aniversário da criação do Município, Cruzeiro,
em S. Paulo, realizou um festival de poesia, com um concurso de trovas e
a publicação de uma Antologia de autores cruzeirenses.
O Centro Português de Santos, que edita uma boa revista, já realizou com
o tema “Amizade” um concurso de trovas, também para comemorar o seu
aniversário de fundação.
Salvador, tendo á frente Rodolfo Cavalcanti, presidente do Grêmio
Brasileiro de Trovadores, periodicamente organiza concursos de trovas,
através do órgão dos trovadores baianos: “O Trovador”.
Em Vitória, Espírito Santo, houve no ano passado o I Festival do Livro,
nos moldes do Festival Brasileiro do Escritor, promoção anual da U.B.E.
(União Brasileira dos Escritores), no Rio.
Juiz de Fora, Sorocaba, e muitas outras cidades, cogitam da realização de
festivais de poesia, concursos e feiras de livros.
Ótimo. Que a idéia se alastre e germine por todos os recantos do Brasil.
* * *
Pouso Alegre ( Minas ) realizou em 1961 os seus I Jogos Florais, numa
iniciativa da Arcádia de Pouso Alegre. O concurso de trovas foi patrocinado
pelo jornal carioca “A Noite”, com o tema “Esperança”.
Os vencedores dos Jogos de Pouso Alegre, são, na sua maioria, trovadores
já conhecidos, e que obtiveram honrosas colocações nos Jogos Florais de
Friburgo.
José Maria Machado de Araujo, o vencedor é português, radicado no Brasil,
e participou dos I Jogos Florais de Friburgo, obtendo Menções Honrosas.
No Concurso de Pouso Alegre José Maria conseguiu, não apenas duas
colocações entre os dez primeiros ( 1.º e 5.° lugares ), mas ainda, três
Menções Honrosas, com trovas classificadas em 12.°, 16.° e 19.º lugares.
E dizer-se que José Maria começou a fazer trovas quando se interessou, em
participar, pelos Jogos Florais de Friburgo ! Hoje, já tem obra publicada, o
volume n.º 5 “Cantigas que a Vida ensina”, da “Coleção Trovas e trovadores”.
Aparício Fernandes, que obteve o 2.º lugar nos Jogos Florais de Pouso
Alegre, é muito moço ainda. Estreou com seu livro de trovas “Sonho Azul”,
que tive a satisfação de prefaciar, e possui agora o “Cantigas do Amor
Sincero”, volume n.° 2, da “Coleção Trovas e Trovadores”. Produz, além do
mais, para a rádio Globo, dois programas de Trovas: um, às 10:05 horas,
apresentado por Luiz de Carvalho, e outro, às 15:05, na voz e Mário Luiz.
Walter Waeny Junior, que agora passou a se assinar apenas Walter Waeny,
é um trovador vitorioso. Conquistou o 8.° lugar nos I Jogos Florais de
Friburgo, o 3.° lugar nos I Jogos Florais da Prefeitura de Santos, e o
4.º e 20.º lugares nos Jogos Florais de Pouso Alegre.
Walter Waeny, que é santista, possui vários livros de poesia e de trovas, publicados.
Archimimo Lapagesse é um magnífico trovador que se consagrou vice-
campeão dos I Jogos Florais de Friburgo, conseguiu o 8.º lugar nos jogos
de Pouso Alegre. Archimino Lapagesse terá suas trovas publicadas na
“Coleção Trovadores Brasileiros”, no volume n.º 12.
Orlando Brito, é um dos mais inspirados trovadores brasileiros da atualidade
Paulista, residindo na capital do Estado, obteve uma Menção Honrosa nos
I Jogos Florais de Friburgo, o 6.° lugar nos II Jogos Florais de Friburgo, e o 7.º
nos Jogos de Pouso Alegre. Suas trovas constituem hoje o volume 8 da
“Coleção Trovas e Trovadores”, e se intitula “Cantigas de Ninar Tristeza”.
Colbert Rangel Coelho, carioca, é outro trovador vitorioso. Conseguiu o 3.º e
4.º lugares, respectivamente nos I e II Jogos Florais de Friburgo, e o 9.º
lugar nos Jogos de Pouso Alegre. Seu livro intitula-se: “Cantigas da
Madrugada”, e é o volume n.º 3, da “Coleção Trovas e Trovadores”.
Denancy Melo Anomal, campista, revelou-se também, concorrendo aos
torneios de trovas de Campos e Friburgo. Foi uma das Menções Honrosas
dos II Jogos Florais de Friburgo, e obteve o 10.º lugar nos Jogos de Pouso
Alegre.
Entre os dez primeiros classificados nos Jogos Florais de Pouso Alegre, há,
ainda, Maria José Barcelos Cerqueira, do Rio, e Alfredo de Castro, de Pouso
Alegre, sobre os quais não disponho de maiores elementos, mas que venceram
com belas trovas.
Entre as Menções Honrosas destaco ainda o nome de Jorge Murad, poeta
e humorista, irmão de Anis Murad, ( vencedor dos II Jogos Florais de
Friburgo, e cujas trovas foram incluídas nesta coleção, volume 3), e que se
classificou com uma trova tendo por assunto o nordeste, apesar de ele viver
no Rio.
Uma linda trova aliás.
* * *
Não fiz citações das trovas, propositadamente, porque os leitores as encontrarão
todas no presente volume.
Eu e Luiz Otavio, que somos os organizadores desta coleção, resolvemos
incluir.na mesma as seleções de trovas dos diversos jogos florais que se
realizarem no Brasil, sempre que, pelo volume e qualidade, as trovas
justificarem a feitura de um volume.
Foi o caso dos I Jogos Florais de Pouso Alegre. Como os leitores constatarão,
as 100 trovas deste volume, bem merecem a sua fixação
num livro, para que tenham vida mais longa, quem sabe lá,
- se a eternidade – na memória e na consagração populares.
J. G. DE ARAUJO JORGE
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959
*****************************************
100 TROVAS de
Manoel Bastos Tigre
(1882-1957)
* * *
n.01
Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor.
n.02 n.03
Aliança! algema divina, Quando Deus fez Portugal
a mais doce das prisões; lá plantou com sua mão
uma prisão pequenina na terra; vinha e trigal
que encerra dois corações. e o fado no coração.
n.04 n.05
Pela ponte lá da praia Ama a tua arte. Por ela
vieste cá me visitar; faze o bem: ama e perdoa.
Deus queira que a ponte caia A bondade é sempre bela,
quando quiseres voltar. a beleza é sempre boa.
n.06 n .07
Maldigo quem te ache feia, Eu versos os mais diversos
quem te ache bela também. já fiz: muita gente os lê...
Quero mal a quem te odeia Mas "poesia" há nos versos
e odeio a quem te quer bem. que eu fiz pensando em você.
n.08 n.09
Isto de amar considero Mente o peito que suspira?
que ser amado requer. O beijo é só falsidade?
E é por isso que eu não quero Bendigamos a mentira
querer a quem não me quer. se ela é melhor que a verdade.
n.10 n.11
No amor não há diferença: Você diz que é cego o amor...
nós mentimos, vós mentis... Como se engana você!
E, se um diz o que não pensa, Fecha os olhos o impostor
outro o que pensa não diz. para fingir que não vê.
n.12 n.13
Com tuas frias maneiras Meu amor enche-me a vida
eu não me incomodo, pois, e eu vivo feliz assim.
embora tu não me queiras, Basta que gostes, querida,
meu amor vale por dois. de ser querida por mim.
n.14 n.15
Se estou, meu amor, contigo, Quando em meus braços te aperto,
tão feliz me considero satisfaço o meu desejo:
que quero mas não consigo de mim te sinto tão perto,
dizer-te o bem que te quero. tão perto que não te vejo.
n.16 n.17
Para se amar é preciso, Um filósofo de peso
de todo, o juízo perder; é desta sentença o autor:
ter-se a um tempo, amor e juízo o beijo é fósforo aceso
isto é que não pode ser. na palha seca do amor.
n.18 n.19
Tu com todo o teu ardor Morena de olhos castanhos,
não estarás enganada? teu encanto é a minha pena;
Talvez confunda amor quem dera que olhos estranhos
com o prazer de ser amada. te achassem feia, morena!
n.20 n.21
Saudade, meiga Saudade Namorados. Para ouvi-los
filha do amor e da ausência, faço, ao lado esforços vãos,
és a nossa mocidade Como dois mudos, tranqüilos,
durante toda a existência. falam somente com as mãos.
n.22 n.23
Se a mulher sincera fosse, Seu dinheiro o homem, cioso,
sincera como o homem quer, não confia a qualquer,
era uma vez... acabou-se mas a honra de esposo
todo o encanto da mulher. deixa nas mãos da mulher
n.24 n.25
Quem canta seu mal espanta, Depois de uma vida airada,
diz o provérbio ilusório. ao céu quis ir sem licença.
Você, rapaz, quando canta São Pedro pede-lhe a entrada-
espanta, sim... o auditório. e o morto, arrogante: - Imprensa!
n.26 n.27
Trocar idéias contigo ? Amigos - todos os temos
É possível, mas escuta: "ao nosso inteiro dispor",
quero ver, primeiro, o artigo mas até que precisemos
que ofereces à permuta. de algum pequeno favor.
n.28 n.29
Quando nós, discretamente A mulher que nos rejeita,
ficamos conosco a sós, firme, em recusas formais,
é que ouvimos quanta gente se, enfim, nosso amor aceita
chora e ri dentro de nós. não quer que ele acabe mais.
n.30 n.31
Neste mundo organizado Acertaste. Parabéns
de encontro à lei natural, Tens razão, toda razão;
tudo que é bom é pecado por outras palavras: - tens
e o que é gostoso faz mal. a minha exata opinião.
n.32 n.33
Dinheiro não há que abrande Idéias tristes da vida
a dor que um peito magoa: eu as esqueço e abandono
uma sorte é " sorte grande" de dia - por muita lida,
outra coisa é " sorte boa ". de noite - por muito sono.
n.34 n.35
“O cão que ladra não morde”. Ociosidade! Abençoada
Permitam que nesta quadra virtude, nobre e perfeita!
eu do provérbio discorde: Já viram coisa mal feita
sim, não morde... enquanto ladra. por alguém que não fez nada?
n.36 n.37
A vida tão má não creias; Poupar muito mal te fica.
ser otimista é preciso: Deixa, pois, de fantasia!
olha sempre com um sorriso Não vês tu que economia
as desventuras... alheias. é luxo de gente rica?
n.38 n.39
Amizades são incertas. Dos fortes seguindo a trilha,
Ao fazê-las, desconfia: despreza a quem te magoa;
esta mão que agora apertas porém, se ofensor se humilha,
bem pode espancar-te um dia. então, vinga-te: - perdoa.
n.40 n.41
Não te queixes! Sofrem quantos O mal de muitos, meu caro,
vivem, na vida, a lutar; não me serve de consolo...
se não secassem os prantos, - Ser feliz é um dom bem raro
o mundo era todo um mar. que é privilégio do tolo.
n.42 n.43
É bem verdade. A riqueza Um longo olhar que se lança
é dom que a todos ilude. numa carta ou numa flor;
A vida só tem beleza Saudade - irmã da Esperança,
para quem goza saúde. Saudade - filha do Amor.
n.44 n.45
O poderoso ? Merece Amor é cobiça, é ânsia,
pena, lamento, piedade! é fome, sede, ambição
Ah! se ele ao menos pudesse Ventura? Sim... à distância,
mandar na própria vontade! fora do alcance da mão.
n.46 n.47
Foi-me o amor, na mocidade, Vós namorados, vós sois
um passatempo, comum: tão egoístas que pensais
tantas amei que, em verdade, - No mundo, além de nós dois,
nunca tive amor nenhum. qualquer pessoa é demais!
n.48 n.49
Ao te ver fico mudo Por ti de longe me inflamo,
mas mesmo assim, sou feliz. mas se me encontro contigo,
Pois meu olhar te diz tudo quero dizer-te que te amo
que a minha voz não te diz. mas quem disse que te digo?
n.50 n.51
Se te olho de quando em quando, desmanchando o tal consórcio,
Por Deus, não é por mau fim; ela entrou por novos trilhos:
é que estou verificando no regime do divórcio
se tu olhas para mim. tem tido muito mais filhos.
n.52 n.53
O calor em demasia Um sonho é ter-te ao meu lado,
cresta a mata os vegetais a te ver, ouvir, palpar...
e morre o amor de asfixia, Que bom sonhar acordado
quando o ciúme é demais. sem perigo de acordar!
n.54 n.55
A brisa do sentimento O meu coração é o cofre
aviva do amor o lume que as minhas dores contém
se sopra do egoísmo o vento e as dores que você sofre
irrompe o incêndio do ciúme. eu nele guardo-as também.
n.56 n.57
Na minha face estás lendo Dos olhos desce as cortinas!
que a minha mágoa é sem fim; Baixa as pálpebras! É dia:
mas sinto alívio, sabendo sobre vales e colinas
que não sofres... nem por mim! já há luz em demasia.
n.58 n.59
Vacinei-me contra o amor "Eu te amo" é expressão cediça
mas não tive resultado... que nos romances se lê.
Nas farmácias - é um horror!- Prefiro a frase castiça:
tudo é falsificado. "Gosto muito de você".
n.60 n.61
Quem ama - dizem - não pensa. Ó noivos, lembrem-se desta
Pensa, sim, pensa em amar, verdade antiga e singela:
do resto é que dispensa! de tudo, o melhor da festa
Não perde o tempo a pensar. é a gente esperar por ela.
n.62 n.63
Por entre folhas de parra Ponhamos no calendário
e espigas de trigo novo mais um santo português
nasce, chorando, à guitarra milagroso Santo Hilário,
todas as dores do povo. que os fados mais belos fez.
n.64 n.65
Um Fado, um bom Fado amigo, Elo de ouro! És a esperança
ao Brasil trouxa Cabral de horas risonhas e calmas!
e Cabral trouxe consigo Felizes dos que, na aliança,
o fado, de Portugal. acham a aliança das almas.
n.66 n.67
Esperança é verde sonho Os sonhos tem saúde, entendo,
de fortuna, glória, amor; nasceram com boa estrela.
transmuda o céu mais tristonho Pena é viverem sofrendo
num pálio multicolor. pelo medo de perdê-la.
n.68 n.69
Saudade - um suspiro, uma ânsia, Ao quem ama sem ser amado,
uma vontade de ver quanto a esperança faz bem!
a quem nos vê à distância Dá carícias de noivado
com os olhos do bem-querer. aos sorrisos de desdém.
n.70 n.71
AMOR - Esgares de louco, AMBIÇÃO - De olhar agudo,
tolices ditas a esmo. marcha, firme, aos seus ideais;
Repara, analisa um pouco: quer pouco, que mais, quer tudo;
como "ele" se ama a si mesmo! se tem tudo ainda que mais.
n.72 n.73
PODER - governar as gentes, JUSTIÇA - A pena ou a clemência
ter honras, servos, soldados distribuir, qual Deus, dos Céus,
e as pragas do impotentes sem nunca a própria consciência
e a raiva dos revoltados. sentar no banco dos réus.
n.74 n.75
LIBERDADE - O cidadão PATRIOTA - Disposto à guerra
livre, tem todo o direito ferve-lhe o sangue nas veias.
de fazer o que o patrão Acha que amar sua terra
acha que deve ser feito. é odiar as terras alheias.
n.76 n.77
Saudade é um mal que consiste Bravura é fruto da paz;
em sofrer por vontade na guerra Não há valente!
mas na vida o quanto é triste Há o que foge para a frente
não ter de quem ter saudade! e o que avança para trás.
n.78 n.79
Nunca a razão lhe esmoreça Erudição tem supina
no momento da desgraça; o bacharel que ali vês;
em vez de um trio à cabeça, conhece a língua latina
dê vários "tiros"... na praça. profundamente... em francês.
n.80 n.81
Da morte a sentença imprensa Como infeliz é esta gente
trazemos desde o nascer: que pensa que ser feliz
assim que a vida começa é não dizer o que sente
começa a gente a morrer. e não sentir o que diz!
n.82 n.83
"Ano novo, vida nova" Este velho batoteiro
Frase falsa e descabida quando a morte o trouxe cá,
pois cada ano se renova ao ver a pá... do coveiro
sem que se renove a vida. foi dizendo: - bacarat !
n.84 n.85
Da vida o relógio rode Quem só a verdade aspira
até que a corda se acabe... com certeza inda não viu
Em moço, nada se sabe; que a verdade é uma mentira
em velho, nada se pode... que inda não se desmentiu.
n.86 n.87
Neste mundo, companheiros, Alma e corpo juntos vivem
nos irmana a mesma sorte; e o porco vive na lama.
somos todos prisioneiros "Porco" é anagrama de "corpo"
e condenados à morte. e "lama" é de "alma" anagrama.
n.88 n.89
Seguro porto, esperança, Cora a moral, fica rubra,
dos que andam pelo alto mar! ante a imodéstia; pois, certo,
É nas procelas - bonança, é feio que se descubra
farol... estrela polar... o que deve ser coberto.
n.90 n.91
É triste sofrer calado, Jurar é falar a esmo,
do resto do mundo ausente; é prometer sem pensar.
fica a gente consolado Juras não faças; nem mesmo
cantando as mágoas que sente. a jura de não jurar.
n.92 n.93
Se a mulher que está contigo A Saudade é calculada
vive do "outro" a dizer mal, por algarismos também:
tem cuidado, meu amigo, distância multiplicada
ela inda ama o teu rival. pelo fator "querer bem".
n.94 n.95
Mentir? Mentir é virtude Olhos tristes ou risonhos
quando a esperança se prende; vejo entre a gente do povo
a gente se desilude, dos restos dos velhos sonhos
mas ninguém há que se emende. fabricando um sonho novo...
n.96 n.97
A dor até me parece Quanta palavra bonita!
um prêmio, em vez de castigo, Quanto perdido latim!
inda mais se quem padece E quanta cera erudita
é um tipo nosso inimigo. para defunto tão ruim!
n.98 n.99
Como será compreendida Senhoras de olhos magoados
a incongruência da sorte? vi, carregadas de flores,
Pois há quem nasça sem vida chorando amores passados,
e ninguém morre sem morte. sonhando em novos amores...
n.100
Eu, neste assunto de esmola
sem ambições me suponho:
estendo a minha sacola
peço um bocado de sonho...
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959