Lilinha Fernandes, a "Rainha da Trova Brasileira"

TEXTO DE LUIZ OTÁVIO

          Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva - mais conhecida por LILINHA FERNANDES - nasceu no Cachambi (Meyer), Rio de Janeiro, em dia 24 de agosto de 1891. Foram seus pais: José Lourenço Guimarães Fernandes (português) e Francisca Julieta Guimarães Fernandes (brasileira). Ele foi poeta, cantava e compunha; ela foi pianista. Lilinha Fernandes passou a infância no Meyer, onde fez o curso primário em Escola Pública. Completou seus estudos com o professor Oscar Senachal, de Gofredo. Estudou música e piano com sua mão. Aprendeu sozinha violão e bandorrino - instrumento de invenção de seu marido - Heitor Ribeiro da Silva. Compôs várias canções, valsas, choros, etc., para piano e bandorrino. Foi afamada a canção de Leonel de Azevedo e J. Cascata, com letra de sua autoria: "Escravo do Amor", gravada pelo cantor Orlando Silva. Mais antiga ainda é: "Beijo Fatal", sua primeira canção com música popular do Norte. Muita gente ainda há de recordar-se: "Aquele beijo apaixonado, prolongado, / que tu me deste ao luar." / Foi a sua primeira letra. E a canção correu pelo Brasil e chegou até Portugal.

          Lilinha Fernandes começou a fazer trovas antes dos oito anos,sempre com muito brilho e inspiração. Quando bem moça, escreveu muitas poesias infantis que foram publicadas durante anos em "O Tico-Tico".

          Colaborou assiduamente, entre outros, nos seguintes jornais e revistas: "O Malho", "Revista Souza Cruz", "Beira-Mar", "Jornal das Moças", "Vida Capichaba", "A Gazeta', (de Vitória), etc.

          Apesar de possuir inspiração fértil, conservou os seus livros inéditos por muitos anos. Somente em 1952, com filhos e netos, é que publicou o primeiro: "Flores Agrestes", composto de sonetos. No ano a seguir apareceu o volume de trovas "Contas Perdidas" e em 1954 "Appoggiaturas" (sonetilhos).

          Seus livros tiveram excelente acolhida pela crítica, poetas e leitores. Assim, o poeta Jorge de Lima escreveu: "Parabéns, primorosa poetisa que, com seu fino estro, fez um buquê de "Flores Agrestes". O grande trovador Adelmar Tavares assim se manifestou: "... tendo em muitas delas de repetir a leitura para que meu ouvido bebesse todo o encantamento. Você é uma trovadora. Parabéns" E Agripino Grieco escreveu: " ... suas trovas, ilustre patrícia, são das melhores que se escreveram no Brasil nos últimos tempos." E assim dezenas de poetas e escritores ilustres tiveram palavras de louvor para a sua Poesia.

          Conheci Lilinha Fernandes em circunstâncias curiosas. Aí por volta de 1950, quando estava organizando o livro "Meus Irmãos, os Trovadores", comecei a ler algumas de suas trovas na Imprensa. Por não conhecê-la, nem alguém que me desse informações suas, comecei a desconfiar que fosse trovadora portuguesa. Essa suspeita aumentou quando, em 1951, o programa radiofônico do poeta Álvaro Moreira, "Conversa em Família" pela Rádio Globo, convidou-me para uma visita, a fim de palestrar sobre trovas e trovadores. O "tio Álvaro" tinha como sobrinhos Helena Ferraz (Álvaro Armando), Raul Brunini, Rubens Amaral e Sérgio de Oliveira. Constituíam uma família alegre e hospitaleira! Depois de duas visitas minhas, acompanhado de outros trovadores como Albano Lopes de Almeida, Ciro Vieira da Cunha, João Felício dos Santos, Eva Reis, Petrarca Maranhão, recebi da Rádio Globo um telefonema em que me comunicava ter recebido certo embrulho que um ouvinte havia encontrado na rua e como era constituído de páginas com trovas manuscritas, queria entregar-me o volume. No meio de uma porção de quadras portuguesas de Antônio Correia de Oliveira, Silva Tavares, Augusto Gil, João Grave, estavam muitas de Lilinha Fernandes. Daí ter concluído falsamente que deveria ser mesmo trovadora portuguesa. Resolvi escrever para "A Gazeta" e "Vida Capixaba" de Vitória, onde continuava a ler com freqüência bonitas trovas de Lilinha. E, na mesma ocasião, a "Conversa em Família" começou a irradiar trabalhos dessa autora. Fiz um pedido ao "tio Álvaro" que divulgasse pelo Rádio o meu interesse em saber o endereço daquela poetisa. E assim, pela Imprensa de Vitória e pela Rádio Globo, do Rio, vim a saber que Lilinha Fernandes não era portuguesa mas, sim, brasileira e quase minha vizinha...

          Vivendo para o Lar, seus filhos e netos, Lilinha Fernandes compunha muitas trovas, mas as divulgava relativamente, pouco. Depois de conhecê-la pessoalmente, tomei melhor contato com sua obra ainda inédita, tornando-me um sincero admirador de seus dons extraordinários de trovadora. Procurei incentivá-la, escrevendo sobre a autora e divulgando as suas trovas pelo Brasil e Portugal. Certa ocasião, escrevi de maneira um tanto humorística, mas com uma base profundamente verdadeira: "Lilinha Fernandes é o Adelmar Tavares de saias.. . " frase em que a poetisa achou muita graça, mas que guardou ternamente em seu coração. Em outra oportunidade, declarei: "É a expressão máxima, feminina, da trova brasileira." Devida a estas e outras manifestações carinhosas às suas trovas, disse-me modestamente certo dia: "Nunca pensei que elas valessem alguma coisa..."

          Digam os leitores se valem ... Leiam as cem trovas destas páginas e dêem a resposta. Que eu por mim há muito já respondi...

          Mas não são apenas as cem encontradas neste livrinho que valem alguma coisa... Vejam esta de fundo cristão:

"Eu comparo o arrependido
que o perdão vê numa cruz,
ao viandante perdido
que avista, ao longe uma luz."

E esta, conceituosa, com uma imagem tão sugestiva:

"Da tua vida a viagem
se é triste o pintor imita,
que da mais tosca paisagem
faz a tela mais bonita!"

O lirismo de Lilinha Fernandes é contagioso e encantador. Muitas de suas quadras são amorosas, delicadas. Esta, por exemplo:

"Era outro o teu caminho...
Quiseste, por gosto, errar.
Por que entraste em meu cantinho,
se não podias ficar?"

Seu amor à trova originou esta concepção carinhosa:

"A trova sorri e chora.
Possui encanto divino.
Criou-a Nossa Senhora
pra embalar o Deus-menino."

Esta outra tem um cunho brejeiro, mordaz:

"Ventura, é coisa sabida,
seja muita ou seja escassa,
se não for interrompida
perde a metade da graça."

Vejam, finalmente, o quanto vale a espontaneidade, a harmonia, o lirismo, a feminilidade destas duas trovas:

"Um pelo outro, passamos,
com os olhos fitos no chão...
Mas, com que ardor nos olhamos
com os olhos do coração!"

"Zangaste. Fiquei zangada.
E eu que fui a ofendida,
que chorei, sem dizer nada
é que estou arrependida."

          Tenho a certeza de que aqueles que já conheciam as trovas de Lilinha Fernandes aplaudirão a escolha que fizemos de seu nome para abrir a Coleção "TROVADORES BRASILEIROS"; e os que ainda não a conheciam, ficarão satisfeitos com a oportunidade que tiveram de entrar em contato com estas trovas inspiradas e bem feitas, melodiosas e singelas, que hão de colocar a autora entre os mais destacados trovadores da língua portuguesa.

ass: LUIZ OTAVIO.

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NOTA DO SITE:

Lilinha nasceu em 24 de agosto de 1891 e faleceu em 08 de junho de 1981, às vésperas de completar 90 anos. É a nossa eterna "Rainha da Trova".

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1
Do pomar da poesia,
os frutos que você trouxe,
coube à trova a primazia
por ser menor e mais doce.
2
Desejei fogo atear
ao mundo por onde trilho,
vendo uma cega indagar
como era o rosto do filho.
3
Tua ironia maldosa,
do amor não me, apaga o lume:
Procura esmagar a rosa,
vê se não fica o perfume.
4
Feliz nunca fui! Sem crença,
procuro a felicidade,
Como o cego de nascença
que quer ver a claridade.
5
"Que levas tu na mochila?"
Diz ao corcunda um peralta.
E o corcunda: - "A alma tranqüila
e a educação que te falta."
6
Quando tu passas na estrada,
dentro de casa adivinho:
é teu passo uma toada
musicando teu caminho.
7
São meus ouvidos dois ninhos
onde guardo, ao meu sabor,
um bando de passarinhos!
- Tuas mentiras de amor.
8
Na velha igreja te ouço
sino alegre ... Estás dizendo
que há muito coração moço
em peito velho batendo.
9
Eu não bebia... te juro!
Beijei-te, então, podes crer:
foi teu beijo, vinho impuro,
que me ensinou a beber.
10
Se ouvisse o homem da terra,
de Deus o conselho amigo,
em vez de campos de guerra
faria campos de trigo.
11
Velho em trajes de rapaz
dá a impressão, diz o povo,
de um livro antigo demais
encadernado de novo.
12
Que o mundo acabe, no fundo,
não me causa dissabor,
pois vivo fora do mundo,
no meu mundo de amor.
13
Amanhece... Vibra a terra!
O sol que em ouro reluz,
sai da garganta da serra
como uma trova de luz.
14
Vejo teu rosto, formosa,
e o corpo - graça profana -
como se visse lima rosa
num jarro de porcelana.
15
Chorei na infância insofrida
para na roda ir cantar.
Hoje, na roda da vida,
eu canto pra não chorar.
16
No trabalho em que me escudo,
lutando para viver,
tenho tempo para tudo,
menos para te esquecer.
17
O mar que geme e palpita
no seu tormento profundo,
é uma lágrima infinita
que Deus chorou sobre o mundo.
18
Minha netinha embalando,
da alegria sigo os passos.
Julgo-me o Inverno cantando
com a Primavera nos braços.
19
A modéstia não se ostenta,
se esconde e é pressentida:
a presunção se apresenta
e passa despercebida.
20
Dei-te amor sem falsidade.
- Uma floresta de amor!
E tu, só por crueldade,
te fizeste lenhador.
21
Sofres no céu, Mãe querida,
sentindo, ao ver minha sorte,
que me pudeste dar vida
e não me podes dar morte!
22
Minhas netas, sempre rindo,
são meu alegre evangelho.
Musgo verde revestindo
de esperança, um muro velho.
23
A Inveja dorme na rede
da Injustiça, sua amiga;
do Mal se alimenta, e a sede
mata na fonte da Intriga.
24
Sempre a tristeza se espanta
e se amenizam cansaços,
tendo trovas na garganta
e uma viola nos braços.
25
Quem não tem ouro disperso,
nem prata velha na mão,
paga com o níquel do verso
as contas do coração.
26
Partiste ... Ficou-me n'alma
tua voz suave e pura...
- Ave a cantar sobre a calma
da mais triste sepultura.
27
A aurora corou de pejo
naquele claro arrebol,
sentindo na face o beijo
da boca rubra do Sol.
28
Num vôo de pomba mansa,
quisera ir ao céu saber
qual o crime da criança
que é condenada a nascer.
29
Ao amor fiel, que não minta,
a palavra injuriosa
é como um borrão de tinta
manchando tela famosa.
30
É assim a boca do mundo
que vigia nossas portas:
esconde nossos triunfos,
propala nossas derrotas.
31
Se te vais, que dor imensa!
Mas se vens, meu grande amor,
ante a tua indiferença
cresce mais a minha dor.
32
Que eu tive felicidade,
minha saudade vos diz,
pois só pode ter saudade
quem já foi multo feliz!
33
O tempo passa voando ...
Mentira, posso jurar.
Se estou meu bem esperando,
como ele custa a passar!
34
Amei e não fui amada...
Minha alma encheu-se de dor.
E fui tão desventurada
que não morri desse amor.
35
Como é um facho de luz,
fosse de madeira a trova,
eu mesma faria a cruz
que irá marcar minha cova.
36
A um cego alguém perguntou
vendo-o só: - Que é de teu guia?
E ele sorrindo mostrou
a cruz que ao peito trazia.
37
Abelha que o favo, prova
é o trovador - velho ou novo
fabricando o mel da trova
que adoça a boca do povo.
38
Pra que acender a candeia
da minha choça? Pra quê?
Basta a luz que me incendeia
que há nos olhos de você.
39
A cordilheira hoje à tarde,
de um verde claro e bonito,
era um colar de esmeraldas
no pescoço do infinito.
40
Sua cruz que eu sei pesada,
minha mãe leva sozinha.
Mesmo assim, velha e cansada,
me ajuda a levar a minha.
41
Minhas trovas sem beleza,
se as dizes, são divinais!
Só por isso, com certeza,
elas serão imortais.
42
Que bom quando todos deixam
na casa o silencio agir,
e os dedos do sono fecham
meus olhos, para eu dormir.
43
Por te amar de alma inditosa,
não quero paga nenhuma:
o vento desfolha a rosa,
mesmo assim ela o perfuma.
44
Morreu o abade. O terror
do pecado, o clero invade:
era uma trova de amor
o escapulário do abade.
45
Minha casa pobre, é rica!
Mesmo no escuro tem brilhos;
porque o amor a santifica,
porque a iluminam meus filhos.
46
Num beijo fez imortal
o nosso amor sem ressábios:
um romance original
escrito por quatro lábios.
47
A trova é a alma da gente
desventurada ou feliz.
Em quatro versos somente,
quanta coisa a gente diz!
48
Vida e morte vão andando
no mesmo campo a lutar.
A primeira semeando,
para a segunda ceifar.
49
Pra que eu te esqueça, não tenhas
confiança em teu desdém:
quanto mais de mim desdenhas,
quanto mais te quero bem.
50
De idéias velhas ou novas,
eu faço trovas também.
Quem gosta de fazer trovas,
nunca faz mal a ninguém.
51
Não me odeias nem me queres...
Meu Deus! Que tortura imensa!
Mais do que o ódio, as mulheres
detestam a indiferença.
52
Da morta felicidade
guarda a saudade dorida,
pois quem tem uma saudade
tem muita coisa na vida.
53
Não peço um prazer sequer
à vida que à dor se iguala.
Já faz muito se me der
coragem pra suportá-la.
54
Eu canto quando a saudade
me fere com seu desdém.
O canto é a modalidade
mais bela que o pranto tem.
55
A definição exata
do remorso, está patente:
fino punhal que não mata
mas tira a vida da gente.
56
Para rimar com teu nome,
que é do céu a obra-prima,
mãe, não existe um vocábulo!
Nem mesmo Deus achou rima.
57
Saudade é assim como fado
lembrando quem vive ausente:
é um suspiro do passado
na garganta do presente.
58
Meu amor foi acabando ...
Mas a saudade chegou:
chuva boa refrescando
o chão que o sol causticou.
59
És de beleza um portento,
no perfil, nas formas puras.
Mas beleza sem talento
é um palácio às escuras.
60
No meu viver triste e escuro,
na minha sede de amar,
és aquele que eu procuro
e não me quer encontrar.
61
Meus filhos! ... Minha alegria!
Dentro da minha pobreza,
nunca pensei ter um dia
tão opulenta riqueza!
62.
Pensei fazer um feitiço
para esquecer-te, mas vi
que de tanto pensar nisso
é que penso mais em ti.
63
Nunca maldigas teu fado.
Confia em Deus, firmemente.
O arvoredo mais copado
já foi humilde semente.
64
Mãe: nem um tálamo nobre
esquecerei, sem mentir,
aquele bercinho pobre
que embalavas pra eu dormir.
65
Todo amante, em sua lida,
o espinho chama de flor,
porque a verdade da vida
é a mentira do amor.
66
Mãe: por mais que um filho aprenda,
sempre esquece que sois vós
a única fonte de renda
que paga imposto por nós.
67
Quem é do dever escravo
e não faz coisas a esmo,
pode dizer que é um bravo
e o próprio rei de si mesmo.
68
Embora em própria defesa,
é réu quem vidas destrói.
Mas na guerra, que tristeza!
quem mata se chama herói.
69
Na tua fronte bendita
dei um beijo, mãe querida!
Foi a trova mais bonita
que já fiz em minha vida.
70
Do nosso amor acabado
não pode esquecer a gente,
porque a saudade é o passado
que nunca sai do presente.
71
Quem vive em casa ou nas ruas,
chagas alheias curando,
nem se apercebe que as suas
foram sozinhas fechando.
72
Felicidade... Sonhá-la
é um mal de fundas raízes.
O desejo de encontrá-la
é que nos faz infelizes.
73
Manhã. O Sol é um botão
de fina prata dourada,
abotoando o roupão
todo azul da madrugada.
74
Esperança, és bandoleira,
mas és também sol doirado,
de luz a única esteira
na cela de um condenado.
75
Há muita gente cativa
neste mundo, como eu,
que vive porque está viva,
no entanto, nunca viveu.
76
Quem - seja nobre ou plebeu -
no Bem sua vida encerra,
sem estar dentro do céu,
está acima da terra.
77
De vergonha não se peja
quem em sua última viagem,
o ódio, o Remorso e a Inveja
não leva em sua bagagem.
78
Cantas! Minha alma te aprova
e eu choro - que coisa louca!
querendo ser uma trova
para andar em tua boca.
79
Lua e Saudade - rendeiras
da dor que com a ausência vem,
se vós não sois brasileiras,
pátria não tendes também.
80
Pra quem é mãe não existe
bem de mais funda raiz,
que o de viver sempre triste,
mas ver seu filho feliz.
81
"A traição é a própria vida."
É a violeta que assim fala,
porque se esconde e é traída
pelo perfume que exala.
82
Chamas-me louca e eu não chamo
infamante a tua boca.
Quem ama como eu te amo
é muito mais do que louca.
83
Para ingratos trabalhando,
de santo prazer me inundo,
pois, perdendo vou ganhando
a maior glória do mundo.
84
O vento que atro zunia,
queria a noite açoitar;
e a noite, calma, dormia
no regaço do luar.
85
O amor que brinca com a sorte,
que é sempre chama incendida,
é o que vai além da morte!
- Não há dois em toda a vida!
86
Procurar-te, eu? que loucura!
Olha, eu te vou confessar:
de mim mesma ando à procura
e não consigo me achar.
87
De Cornélia, as jóias caras,
vêm ao pensamento meu
quando vejo outras mais raras;
as netas que Deus me deu.
88
Esses teus olhos rasgados,
muito azuis, muito leais,
são miosótis deitados
em vasos originais.
89
Podem subir os felizes!
Agarro-me ao solo, em festa.
- Se não fossem as raízes,
que seria da floresta?
90  (trova nº 1527 do livro "Meus Irmãos, os Trovadores, de Luiz Otávio)
Do orgulho, conforme vês,
tenho opinião formada:
é a senhora estupidez
com presunção de educada.
91
Pela saudade ferida,
minha musa se renova!
E eu abro o livro da vida
e escrevo nele uma trova.
92
Se o bem não podes fazer,
o mal não faças também,
que o bem já faz sem saber,
quem não faz mal a ninguém.
93
É a trova, em seu natural,
mordaz, alegre ou dolente,
lindo trecho musical
de quatro notas somente.
94
Do violão o segredo
de imitar os passarinhos,
é já ter sido arvoredo
e abrigo de muitos ninhos.
95
Dizem que o amor é feitiço,
é mágoa, alegria e dor.
- Mas se amor não fosse isso,
que graça teria o amor?
96
Sem ti, que treva cerrada
pelos caminhos que trilho!
Sou como a Lua apagada
que, sem o Sol, não tem brilho.
97
Morre o poeta. Em oração
se escutam vozes bizarras.
- É a missa que as cigarras
celebram por seu irmão.
98
Se a trova faz suicidas,
não sou eu quem a reprova.
- Vale uma trova mil vidas!
Não vale a vida uma trova!
99
Noel exclamou pesaroso
vendo a cidade: - Jesus!
Quanto cartaz luminoso
e quanto teto sem luz!
100
Quisera, de idéia nova
de teu amor presa aos laços,
fazendo a última trova,
morrer feliz em teus braços.
101
Trovas são gotas de pranto,
contas do terço das vidas,
que, transformadas em canto,
rolam no mundo, perdidas.

============================================================================================== DEPOIMENTO RECEBIDO DE ARIETE REGINA, NETA DE LILINHA FERNANDES, EM 13.04.2008, DOIS DIAS APÓS A PUBLICAÇÃO DA PRESENTE MATÉRIA.          "Ah! Ouverney, não avalias a minha satisfação ao ler a matéria publicada no Falando de Trova. Conheci Luiz Otávio e esposa , que frequentavam a casa de vovó. Minha filha sempre diz que deveríamos publicar as trovas e sonetos inéditos de vovó. Acontece que o tempo é curto para fazer tudo aquilo de que eu gosto. A vida de minha avó daria um romance muito rico , não só de romantismo, mas também de exemplos de personalidade forte e de pioneirismo para a época em que viveu. Para vc ter uma idéia, se vovó tivesse frequentado a roda dos políticos e intelectuais da época, certamente, seria uma outra Anna de Tefé. Mas, a história é longa e meus netinhos , nesse momento, querem lanchar. Minha gratidão pela publicação é inestimável. Muito obrigada. Fique com Deus.