Cartas recebidas de Miguel Russowsky (parte I) - 12.04.2010

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

CARTAS RECEBIDAS DE MIGUEL RUSSOWSKY

(Parte II)

 

Em 09/02/01

Joaçaba, 09/02/01

 

Meu caro José Albano,

 

Veja como são as coisas!

 

O soneto “Ato de Caridade”, quando eu estudava medicina, ainda no ano 1942 em Porto Alegre, eu tinha uma namorada, que recitava-o. “que eu possa dividir em dois pedaços” do Djalma Andrade, só que ela não sabia o autor, mas o tinha decorado.

              Neste mesmo ano, Mário Quintana tinha lançado “A Rua dos Cataventos” com dois sonetos (eram 33) que fizeram sucesso “eu sei chorar, eu sei sofrer, só isto” e “os da minha futura assombração” e eu também passei a decorá-los junto com “O Velho Tema” Vicente de Carvalho, “Ora direis ouvir estrelas” – Bilac – “Duas almas” – Wamosy – “As pombas” (este autor estava em moda também, mas não sei porque ele era o meu parnasiano enjeitado. “Quando Alice morreu” “sete anos de Pastor Jacob servia” “Formoso Tejo meu” “Tem cada idade a sua juventude” e, conquanto o Guilherme de Almeida, e o J.G. Araujo Jorge estivessem em evidência, eu andava mais afim do Guerra Junqueiro, Gonçalves Dias, Castro Alves – porque o colégio Marista, onde estudei, execrava o primeiro e enaltecia os segundos, junto com os que punha a religiosidade (católica) em primeiro plano.

              Mais tarde, na Revista Alterosa, apareceu a obra prima de Djalma Andrade – GLORIOSA (agora sei o nome) e eu coloquei com OS CISNES de Julio Salusse como expoentes em sonetos de amor, ao lado do “que tão de perto vais ouvi-la e vê-la” e o “Ora direis do Bilac.

              Naqueles idos anos de 40 a 46, em P. Alegre dei os originais de “Céu de Estrelas” para Mário Quintana (me enchi de coragem, abordei-o num café, pois não o conhecia) para avaliar-me. Eu não sabia se tinha algum valor o que compunha. O Quintana, uma semana após, quando fui lhe cobrar a opinião... tinha perdido os originais!!??

              Cá comigo, achei que ele deveria ter uma opinião não tão favorável, ao que escrevi que os extraviou. Assim – um tanto contrariado – passei a estudar mais medicina do que poesia (mas sem, contudo, abandoná-la... de todo... É um amor impossível de se deixar).

              Naquela época, o gongorismo condoreiro era por nós, os moços o SUPRA-SUMO da Poesia e a poesia livre era execrada (pelo menos no grupo de “poetinhas” a que eu pertencia.

              Estou me estendendo? Perdão. Eu devia estar agradecendo e me admirar que ainda não possua o Djalma de Andrade entre os meus mais queridos mestres do parnasianismo. Eu tenho uma biblioteca razoável para quem mora em cidadezinha interiorana.

              “Abordei”-“aterrizei” – casei em Joaçaba, SC, quando tinha 24 anos, recém formado e não mais sai (53 anos de medicina – 52 anos de casado) portanto um velho que “amorteceu” todas as paixões, menos a da poesia (soneto por obrigações circunstanciais) (trovador esporádico e de medíocre qualidade). Joaçaba então, tinha 4.000 habitantes e era zona rica, madeireira e eu entrei no ciclo, construí o hospital e até hoje tenho esta atividade principal (e outras visando o lucro) cinemas, construções etc.

              Estou entrando, José, em confidências com você, porque sinto suas qualidades intelectuais – artísticas muito desenvolvidas e sensibilidade – inteligente no mais alto grau.

              Quero tê-lo como amigo, porque seu admirador sempre fui.

              Aceite um abraço do

                                                                                                  Miguel Russowsky

 

Vão ai, ainda não publicados, os últimos sonetos. Por favor, mande trabalhos seus. Obrigado.

 

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Minhas observações:

 

1 – O Russowsky ainda continuava confundindo José Fabiano, com José Albano.

2 – É fácil verificar que o nosso poeta não fazia rascunho para as cartas que me escrevia. Devia ser do tipo ansioso. Aliás, os médicos não são muito preocupados com a forma do que escrevem. Registram rapidamente o que estão pensando, sem se importar muito com os pormenores. Eu, que já trabalhei com médicos, observei isso. Não há a famosa “letra de médico”?

 

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Em 09/03/01

Joaçaba 09/03/01

 

Prezado José Fabiano,

 

              Analisei com carinho suas produções e a opinião: você é dos mais originais e inteligentes trovadores que agora conheço.

              Você tem espírito inquieto, é corajoso, e se atreve a rimas difíceis e parece dizer: Quanto mais difícil, maior o empenho meu em domá-las. Você é nota 10, em humor e sempre está procurando o calcanhar de Achylles nas pseudo virtudes sociais. Por isso o seu humor é ferino. Gosto imensamente de suas improvisações."

              A Heloisa Zanconato, a quem dedico uma enorme amizade, por 3 vezes tive a oportunidade de estar presente quando recebeu (2ª vez) o premio “Lilinha Fernandes”. Ela fora de série, brilhante, BRILHANTISSIMA!

              Você e ela tem mais coisas comuns, além da crença espiritual.

              Eu, quanto a ela (já lhe disse várias vezes) sempre me refiro uma das 3 MULHERES mais inteligentes que conheço (As outras duas, neste nível, perdem para a Heloisa, na feminilidade e na capacidade de agradar).

              A Heloisa me monopoliza sempre que a encontrei. É uma simpatia inexplicável. Na vida encontramos pessoas assim. Parecem o nosso segundo “eu”.

              Meu Rascunho de Sonhos – Ao Som da Lira – Mulher – e Respigando, são livros na cabeceira de minha cama, junto com os livros do Humberto Del’Maestro, tantas são as sugestões que me fornecem.

              Como praticamente de poesias, sempre estou procurando temas novos para “dissecar” e você José Fabiano, neste particular, é uma MINA DE OURO.

              Receba meu carinho, minha admiração. Minha amizade você já conquistou.

 

Um abraço,

 

                                                                                                  Miguel Russowsky

 

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Minhas observações:

 

1 – Que não se critique a maneira descuidada com que o Russowsky escreveu esta carta, simples bilhete ligeiro dirigido a um amigo.

2 – “Meu Rascunho de Sonhos”, “Ao Som da Lira”, “Mulher” e “Respigando...” são livros de trovas de minha autoria.

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José Fabiano

             

              Há tempos, mais de vinte anos atrás, eu comprei, para inauguração de um Teatro em Joaçaba “O Julgamento de Tiradentes” vai ai. O 4º Quadro da peça simboliza o entrecho que (Barbacena X Tiradentes) da época submissão à Portugal X Independência do Brasil.

              Como havia pressa, compus em duo decassílabos – NÃO ALEXANDRINOS grande parte da declamação.

              Toda a composição foi testada e o efeito épico-declamatório obteve crítica favorável.

 

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Em 08/06/01

 

Oi José Fabiano.

 

              Se eu já tinha enorme apreço por Heloisa (querida amiga) como Trovadora, agora começo a ter “enormíssimo apreço” por ela como poetisa e sonetista:

              Você, Fabiano, em Aurora e o Poente está nota 10... Sua habilidade em “Confeccionar” sonetos e trovas, não se atemorizando pelas rimas ricas e riquíssimas, revelam uma inteligência superior.

              A ambos dou PARABÉNS!! e se eu já os tinha no mais alto conceito, agora devo pô-los no ALTÍSSIMO conceito. (Não sei outra maneira de dizer, como me emocionaram com a qualidade das criações).

              Heloisa me telefonou, e eu na ocasião ainda estava “analisando” só as obras dela. Agora, atentamente li a parte que lhe toca... e digo MUITO OBRIGADO! (a ambos). Vocês são TROVADORES POETAS de 1ª linha e pouca gente no BRASIL, está neste nível.

              Ultimamente tem “chovido” pedidos, dos quatro cantos do país, para analisar trabalhos literários, e tenho ficado embaraçado nas respostas, tais e tantas são as criações, nas quais não encontro valores ou méritos e vou rotineiramente dizendo:

                            “... você está no caminho certo...

                            ... o mais importante você já tem, é o

                                 gosto pela poesia etc...”

na esperança de não desanimar aqueles que pretendem subir ... e ... cadê talento?

              Já agradeci o enorme favor que você me fez enviando o xerox de sonetos do mestre Djalma Andrade, e ao soneto Gloriosa e ao outro melhor ainda... “que eu possa repartir em dois pedaços.”

              Um abraço e creia por favor, na sinceridade deste seu amigo, de hoje e sempre.

 

                                                                                                  Miguel Russowsky

 

Heloisa reclamou que você esqueceu de pôr o endereço dela.

 

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Minha observação:

 

Os comentários generosos do Russowsky se referem ao livro “A Aurora e o Poente”, composto pela Heloisa Zanconato e por mim.

 

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José Fabiano!

 

              Esqueci, na carta recente que te enviei, de falar do O LIVRO QUE ME DESTE, ELE ESTAVA MERECENDO, CARTA A PARTE.

              QUE SONETO MAGNÍFICO! ENGENHOSO. QUE FORÇA!! E como se presta para a DECLAMAÇÃO ORGULHE-SE JOSÉ! VOCÊ CONSEGUIU O MÁXIMO EFEITO e este bilhete em separado.

              Rendo e presto tributo à QUALIDADE.

              Parabéns do amigo certo,

 

                                                                                                  Miguel Russowsky

 

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Minha observação:

 

“O Livro Que Me Deste” se chama “Desnuda”, publicado em 1997, de autoria de Olga Maria Dias Ferreira, poetisa amiga de Pelotas, RS.

 

O LIVRO QUE ME DESTE

Abro o livro de versos que me deste,
pondo-me a ler, aflito, os teus poemas,
e vejo que não cuidas de outros temas,
mas falas dos amores que tiveste.
 

Machuca-me a franqueza quase agreste
com que nas confissões tanto te extremas!...
E, como se fugisse de problemas,
fecho o livro de versos que me deste!
 

Não suporto saber que, em teu passado,
viveram tais paixões assim contigo,
e quiseste tais homens ter ao lado!
 

E, preso de furor talvez celeste,
qual profeta senil do tempo antigo,
rasgo o livro de versos que me deste!...

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JOSÉ FABIANO é um cruzeirense/uberabense/meirinhense convicto, que vive espalhando rimas por esse Brasil de meu Deus.