Comentando a Trova

(Esta matéria será encontrada no site www.falandodetrova.com.br, na seção "Colunas")

COMENTANDO A TROVA  (Por Renato Alves)

1.

Já reparou que as pessoas dinâmicas, que estão sempre em atividade, são as que mais recebem críticas? Sempre há os "engenheiros de obras feitas" a condenar os erros do irmão que produz. Pois bem! Veja como este aspecto da conduta humana foi bem captado na trova ao lado!

 

Quem não faz, risco não corre.

Erro...engano...quem não falha?

Só pode errar quem socorre,

age, executa, trabalha!

(Maria Thereza Cavalheiro)

 

2.

"Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe!" – Esta sucessão de momentos bons e momentos maus, quase sempre efêmeros, que ocorrem durante toda a vida, foi flagrada de forma magistral nessa metáfora trovada de Waldir Neves, nosso saudoso irmão.

Ao longo da caminhada

em que a vida nos conduz,

vão-se alternando, na estrada,

luz e treva... treva e luz...

 

(Waldir Neves)

 

3.

A trova, ordinariamente leve e sutil, às vezes envereda pelo terreno das trágicas paixões que assolam a alma humana. Veja como, em quatro versos apenas, é possível criar-se um clima de tragédia que mexe com a nossa sensibilidade.

 

Achado morto em seu leito,

o anão do circo da esquina

apertava contra o peito

a foto da bailarina...

(Waldir Neves)

 

4.

Observe o clima de  intimidade  e aconchego que esta trova  cria!

Eu me rendo, abaixo o tom,

te abraço e logo me apego...

Tranco a porta, ligo o som,

fecho a cortina e me entrego!

 (Ailto Rodrigues)

 

5.

Será que todo mundo é mesmo tão rigoroso em sua auto-avaliação? Eu acho que não!... Os homens, em geral, são até generosos demais no julgamento de seus atos. Como disse Fernando Pessoa: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.../ São todos uns príncipes... "

 

Caso,um dia, o homem consiga

a si mesmo conhecer,

eu duvido que ele diga

que teve "muito prazer".

(Miguel Russoswsky)

 

 

6.

Sendo a língua o meio de expressão da arte literária e, por consequência, da trova, um de seus gêneros, a correção gramatical é uma preocupação constante de alguns trovadores, servindo-lhes, às vezes, até  de  tema:

Ao ler, na fábrica, o aviso

dizendo:  "VAGAS NÃO Á",

comenta alguém, num  sorriso:

– Nem para o emprego do "H"?

                                 (Waldir  Neves)
 

Dois ladrões, num intervalo,

foram juntos almoçar.

Um deles pediu... "roubalo"!

e o outro... "furtos do mar"!

                      (Edmar Japiassú Maia)

Sempre contando lorota,

diz que fala até chinês,

e, ao dizer-se poligrota,

assassina o português.

                     (Maria Nascimento)
 

"Cuidado com os degrais!"

– dizia o aviso ao freguês.

E ninguém tropeçou mais...

(A não ser no português!)

(Renato Alves)

 

7.

trova é cultura: Por mais simples que seja, a trova, às vezes, contém imagens que exigem um conhecimento específico para serem apreciadas plenamente. Por ex: O diamante é o estágio mineral mais puro do carbono, um elemento químico que forma milhares de compostos. É muito  brilhante, mas, um dia,  já  foi um negro carvão...

 

 

Se o erro ficou distante

seja pleno o teu perdão

Não se cobra ao diamante

seu passado de carvão!

(Pedro Ornellas)

8.

Na poesia simbolista (escola literária do final do séc.XIX, tendo, no Brasil, como seu maior representante, o poeta Cruz e Sousa) uma das características é a  "sugestão": o poeta não exprime diretamente o que sente, mas sugere, insinua, apela para os sentidos. Prefere criar um clima sugestivo, de formas vagas, em vez de dizer diretamente.

  Às vezes,  percebo por  trás da beleza de algumas trovas, este mesmo efeito do Simbolismo, uma certa atmosfera de insinuação...

Este teu corpo de miss

me deixa o coração tenso...

Imagina se eu te visse

daquele jeito que eu penso!

(Clarindo Batista/RN)

 

De meu pai, em mim gravada,

guardo a imagem, rotineira,

de uma camisa suada

sobre as costas da cadeira...

(Edmar Japiassú Maia

 

9.

Coincidência na Trova: Conforme nos alertou Luiz Otávio em "Meus irmãos os Trovadores":

 

"Nas trovas, como em todos os gêneros, podemos encontrar identidade de inspiração, semelhança de idéias, igualdades nas estruturas. Geralmente sem maldade ... Assim, aconselho aos poetas que lerem alguma trova muito idêntica a uma sua, que não atirem a primeira pedra ... Muitas vezes, a que você está lendo e julga ter sido plagiada da sua,  foi feita e publicada muitos anos antes."

 

            Para ilustrar os comentários do mestre, cito ao lado 4 trovas iguais na temática (dupla visão do bêbedo) e estruturas semelhantes. Da minha parte, posso garantir que nunca tinha lido qualquer uma das outras três.

 

Que genrinho inteligente!

Bebeu uma vez na vida,

viu duas sogras na frente,

nunca mais topou bebida!

Élton Carvalho

 

De fogo, o goleiro Armando,

enfurecendo a galera,

viu duas bolas entrando,

e pulou na que não era!

 Pedro Ornellas

 

Chegou tarde, vista torta,
do boteco o Zé Morais,
viu duas sogras na porta
e não bebeu nunca mais!

Pedro Ornellas

 

Tomou "todas" – Que exagero!

Ficou com dupla visão...

Foi pra casa e... Oh! desespero!

Duas sogras no portão!

Renato Alves

 

Coincidências na Trova-II:

No Boletim anterior, apresentamos um comentário de Luiz Otávio sobre este assunto,  ilustrado com 4 trovas semelhantes e com o mesmo tema ("visão dupla do bêbedo"). Mais um exemplo foi enviado agora pelo trovador José Ouverney, leitor atento do nosso Informativo:

 

O pileque faz das suas!
Pra mim, porre nunca mais!
–Minha sogra virou duas...
castigo assim é demais!
          Josué de Vargas Ferreira

 

Coincidências na Trova-III:

Observem, agora, a semelhança de temas nos

versos muito conhecidos de Orestes Barbosa em "Chão de Estrelas" na trova ao lado:

"A porta do barraco era sem trinco, / e a lua furando nosso zinco / salpicava de estrelas nosso chão..." ?

.

 

Dos pingos que a lua espalha

ficava o chão pontilhado...

É que meu rancho de palha

tinha furos no telhado

Pedro Ornellas:

 

 

10.

A Trova e a  tecnologia:

Evidentemente, como em todos os gêneros, o vocabulário usado pelo trovador vai, aos poucos, refletindo a realidade da vida em cada época:

 

 

Teu beijo, pela internet,

vem sempre com tal calor,

que qualquer dia derrete

meu pobre computador...

A.A.deAssis

 

 

 

11.

Eis o roteiro perfeito para se chegar ao coração da trovadora:

 

Se a distância, por maldade,

tua presença me furta,

pelo atalho da saudade

torno a distância mais curta!

Maria Nascimento

 

 

12.

Já viu uma trova construída só com substantivos?

Pois veja esta de Domingos Cardoso, de Ílhavo (Portugal),vencedora no IV Conc.Lit.Cidade de Maringá – Tema: ROÇA

 

 

Roça: mata, fogo, chão,

Força, braço, homem, dor;

Plantas, flores, frutos, pão,

Terra, vida, infância, amor!!!…

Domingos F.Cardoso

 

 

 

 

13.

Eis um belo exemplo de rima rica nos 1º e 3º versos  onde  se usaram  palavras de formas  iguais,  mas  de  sentido  e classes  diferentes (subst. e verbo)                       

 

Se abusas das tuas saias,
dos decotes, dos perfumes,
não posso impedir que saias,
mas eu morro de ciúmes!
                   Elisabeth Souza Cruz

 

14. trova com suíte:

       Durante algum tempo fizemos na UBT-Rio um concurso chamado "Uma trova pra responder" que consistia em construir uma trova-resposta para uma  pergunta formulada em outra  trova. Já o site  “falando de trova” lançou, certa vez, um desafio semelhante: construir uma suite (continuação) para uma trova apresentada, do que resultou o seguinte:

 

Trova original

Que pena: o sol – ato falho –

ao lhe ofertar seu calor,

matou a gota de orvalho

que brincava sobre a flor!... 

José Ouverney

 

Suite

Porém, antes de matá-la

com seu fulgor deslumbrante,

houve por bem transformá-la,

com sua luz, em diamante!         

Renato Alves

 

15.

“Tu és pó e ao pó retornarás”:   Nesta belíssima trova de Alonso Rocha, uma reflexão filosófica sobre o Homem, sua importância e seu destino. Um exercício de humildade para ser sempre lembrado!

 

   

Quem se julga eterno herdeiro

de um mundo farto e bizarro,

esquece que Deus – o Oleiro –

cobra o retorno do barro.

(Alonso Rocha)

 

16.

Às vezes, a beleza da trova está baseada  num achado que nos leva a reflexões filosóficas, às vezes,  a um sentimento lírico etc  etc. Esta trova, porém, nos remete, primeiro,  a uma imagem física de grande beleza plástica, para depois nos fazer sentir  a profundidade afetiva que encerra este gostoso abraço.   

 

Meus netos têm me passado

com seu abraço a ilusão

que sou um coqueiro enfeitado

de orquídeas em floração.

 

(Wandira Fagundes Queiroz)

 

17.        

            Na pequenina trova, às vezes basta um também pequenino detalhe para valorizar o estilo e a linguagem. Vejam como o “foi não...”, construção típica do linguajar regional, no final do 2º verso, serviu para conferir autenticidade nordestina ao que é dito, embora o autor seja mineiro de Pouso Alegre.

 

Não desprezei meu Nordeste,

desprezo, eu juro, foi não...

Foi a dureza do agreste

Que me afastou do sertão!

(Alfredo de Castro)

 

        

 

18.

Às vezes fico pensando se o rigor formal exigido nos concursos e jogos florais não pode nos privar de certas joias da criatividade poética na composição da trova. Reparem na beleza desta trova de rima simples que, no entanto, jamais seria premiada em concursos nos dias atuais.

 

 

 

 

Desconfio que a saudade

não gosta de ti, meu bem.

– Quando tu vens, ela vai...

Quando tu vais, ela vem...

Luiz Otávio

 

19.        

Esta trova apresenta três aspectos que merecem comentário: 1. É de rima simples; 2. Apresenta um “enjambement” entre os 1º e 2º versos, recurso condenado por muitos; 3. Tem uma linda metáfora para “esquecimento”! (As ondas vão apagar o nome, assim como o trovador foi “apagado”...)

 

Gravei teu nome na areia

da praia, como castigo:

–Façam-lhe as ondas o mesmo

que tu fizeste comigo!

Corrêa Júnior

 

20.

O rio vem correndo tranquilamente... De repente, acelera, agita-se, e nos oferece o imponente espetáculo visual da queda d’água. Logo adiante, retoma a calma e continua seu curso...            

   Vejam como a sensibilidade do poeta nos conta  isso através de uma linda trova!

 

Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.

Findo o show da catarata,

sereno refaz-se o rio...

 A.A.deAssis

 

21.

No poema “A  um  poeta”,  Olavo Bilac  retrata o trabalho exaustivo que é escrever. Ressalta, porém, que, pronta a obra, este trabalho não deve ser percebido pelo leitor (“...que na forma se disfarce o emprego do esforço...”).  A mesma ideia parece estar presente na trova de Adelmar: “tão fácil, depois de feita, / tão difícil de fazer...”.

           Certamente é também a este esforço que se refere a expressão “dura prova” na trova de Jotagê.

 

 

 

Ao ler uma bela trova

depois que pronta ficou,

quem calcula a dura prova

por que o poeta passou?

                     J. G. de Araújo Jorge

 

 

22. 

Diz-se que “o Perdão traz mais bem-estar espiritual a quem perdoa do que a quem é perdoado”... 

 O perdão  ilumina e fortalece o coração do perdoador, capacitando-o a continuar perdoando e, portanto, aprimorando-se espiritualmente, numa espécie de círculo virtuoso.  Veja como o trovador conseguiu traduzir com simplicidade esta ideia, com base nos pares: perdão/luz,  ilumina/eleva,  eleva/perdoa.

 

 

 

O perdão é luz na treva

do coração da pessoa.

Quem se ilumina se eleva

e quem se eleva, perdoa!

                           Alfredo de Castro

 

 

 

23..

Na trova humorística é mais que conhecida a preferência pela temática da “sogra”, que sofre avassaladora e sistemática gozação.  No entanto, nesta primorosa trova de Sérgio Ferreira da Silva,  a sogra levou a melhor...

 

 

A minha sogra me deu

um troféu e uma medalha...

e, no diploma, escreveu:

“VENCEDOR – TEMA: CANALHA”

Sérgio Ferreira da Silva

(Fonte: pedromello.blogspot.com)