As Poesias Completas de Adelmar Tavares

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

As Poesias Completas de Adelmar Tavares 

Do livro “Literatura e História”, editado em 1958, de M. Paulo Filho (1890 – 1969), ensaísta, jornalista, prof. catedrático, político, procurador do Tribunal de Contas, membro da Academia Carioca de Letras: 
 

     A estréia do poeta Adelmar Tavares foi em Recife e pode-se dizer que ela é de 1907. Nesse ano, divulgou ele Descantes. Mais ou menos por essa época aparecia Sangue, versos de Da Costa e Silva, outro estreante na mesma cidade. Na história da moderna literatura brasileira a coincidência tem para mim um valor todo especial. Creio que marcou, até certo ponto, um verdadeiro acontecimento na vida intelectual do país.

      Recife desse tempo parecia retomar a bela e forte intensidade de trabalho espiritual do derradeiro decênio do Império, quando se sobrepõe, na renovação dos processos culturais – filosofia e literatura com Tobias Barreto e Silvio Romeno à frente, a todas as demais metrópoles do Brasil. A sua velha Faculdade de Direito, de tão gloriosas tradições, ainda mostrava que era a forjadora de idéias e criadora de uma mocidade cheia de talentos e vocação para as letras. Literatura e ciência misturavam-se. Entre os mestres, doutrinando do alto da cátedra, havia Laurindo Leão, cujas lições de filosofia davam outro rumo aos jovens alunos nas especulações do pensamento. Em torno de Laurindo Leão, agrupavam-se os rapazes – filósofos, críticos, ensaístas, romancistas, poetas – que tinham um destino a realizar. Mas cada qual seguiria o seu rumo ou as suas tendências estéticas. E as de Adelmar e de Da Costa não seriam idênticas. Descantes traziam a marca do lírico profundamente romântico, subjetivo, sem nenhuma influência do parnasianismo em decadência pelo esgotamento da inspiração ou pela monotonia da forma, embora, por outro lado, sem nenhuma atração pelos métodos do romantismo, já quase sem expressão. Descantes eram uma coleção de versos simples, espontâneos, todo sentimento e coração, como diria o grande Júlio Dantas, por isso mesmo falando à alma popular. E poesia, em verdade, não é outra coisa senão o meio de os eleitos das Musas proporcionarem aos seus leitores encanto e emoção. Já o “Sangue” era coleção de outro gênero, igualmente original, cujos versos davam ao simbolismo uma nova fase de recuperação e elevação que, depois de Alphonsus de Guimaraens, como que se imaginava extinta. Duas estréias, pois, a assinalarem dois acontecimentos. Adelmar Tavares e Da Costa e Silva, por caminhos diferentes, com inspiração e técnicas próprias, seriam duas expressões em nada semelhantes, cada qual se fazendo admirar. Da Costa morreu cedo, ausente de si mesmo, e a sua obra ficou incompleta. A de Adelmar, ele a fez completamente, em livros anteriores, Luz de meus olhos (Miriam); Noite cheia de estrelas; O caminho enluarado e Calam-se os ninhos. Revisou, corrigiu, emendou. Professor, advogado, magistrado, acadêmico e desembargador, antigo presidente da Academia Brasileira de Letras e do Tribunal de Justiça, jamais se separou da poesia e produziu frequentemente de 1912 a 1939, segundo o testemunho dessa recente edição. A Adelmar Tavares, como se vê, não se aplica o conceito exato de Gilberto Amado, no seu livro A dança sobre o abismo, quando alude à nossa literatura. “A maior e mais poderosa vocação literária esbarra diante de um imperativo categórico – a falta de tempo”. Ao contrário. Adelmar Tavares, que outrora advogou, tem-no para ensinar, julgar e administrar, aperfeiçoando versos novos. As Poesias Completas são o retrato de sua fidelidade a si mesmo, isto é ao poeta “que viveu toda a sua vida apenas pelo coração”.

      Não me alongarei aqui em citações e transcrições de seus versos, geralmente conhecidos. Entretanto, não me furto à cópia desta estrofe: 

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      “Tudo se perde. A esperança...

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        A fé... A ilusão querida

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          De uma jura que enganou.  

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            Tudo... Menos a lembrança 

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              De quem a gente, na vida, 

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                Primeiro amou...” 

              Taine disse que Shakespeare foi inexcedível: “sabia mergulhar no pego insondável dos corações humanos”. Adelmar Tavares, de natureza contemplativa, acha que 

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                • “A imagem de nossas almas

                  • está nas águas profundas, 

                    • tanto mais tristes, mais calmas, 

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                        quanto mais calmas, mais fundas...” 

                      O poeta interroga o futuro e parece filosofar resignado:  

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                        • "Todo rio na corrente  

                          • busca um rio, um lago, um mar... 

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                              - Mas o destino da gente, 

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                                quem sabe onde vai parar?... 

                              Em Seu Campos, resume o poeta a triste história de um pobre velho, cujo tipo 

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                                  "Comprido, magro, solteirão” 

                                só tinha préstimo porque às moças casadoiras fornecia motivo de mofa e risota. Confinado no quarto de uma “Pensão”, nunca ninguém lhe pôde perceber o drama que lhe ia na alma. Morreu.  

                                  •  

                                    “Partindo agora, ao cemitério 

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                                      Deixou somente o seu mistério... 

                                      •  

                                        Tudo levou no coração.” 

                                      Adelmar Tavares evoca-o, melancolicamente, mas de tal maneira e com tal sentimento, como se de alguém pintasse um retrato ao vivo. Não  é a crítica das Poesias Completas que deixo aqui. É um registro. Trata-se de uma coleção de versos com direito a figurar entre os mais belos do lirismo brasileiro

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