Revista Intercâmbio

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

REVISTA INTERCÂMBIO

ANO XIII – Nº 1/3 – 1955

 

Mário de Andrade

10 ANOS MORTOS

 

              Comemorando o 10º ano de seu falecimento, Pro Arte dedica este número de traduções de poesias brasileiras ao inesquecível amigo e grande artista MÁRIO DE ANDRADE, que sempre animou e apoiou o intercâmbio cultural. Sua biblioteca, suas coleções, demonstram seu interesse pela cultura internacional. Com a Alemanha tinha profunda ligação espiritual em todos os ramos, convencido de que essa terra dos poetas e dos músicos poderia inspirar a nossa cultura brasileira.

 

ADELMAR TAVARES

 

A GENTE NUNCA ESTÁ SÓ

 

A gente nunca está só...

Ou se está com uma saudade

De um sonho desfeito em pó,

Ou se está com uma esperança

De nova felicidade,

No coração que não cansa...

 

Sempre uma sombra com a gente,

Constantemente...

Uma sombra... boa... ou má,

- Só, é que nunca se está.

 

***

 

ANTÔNIO SALES

 

AS DUAS CAJAZEIRAS

(Fábulas Brasileiras)

 

Eram duas cajazeiras

Que havia perto da estrada,

Ambas fortes, altaneiras,

De casca muito erriçada.

 

Meu bestunto de menino

Nunca entendeu porque fosse,

- Um capricho do destino –

Uma azeda e outra tão doce.

 

E também não compreendia

Porque a doce pouco dava,

Quando a azeda se cobria

De fruto, e o chão alastrava.

 

Somente a idade me trouxe

As explicações cabais:

- No mundo é raro o que é doce,

E o que é azedo é de mais.

 

***

 

CECÍLIA MEIRELLES

 

EPIGRAMA Nº 8

 

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.

Sabendo bem, que eras nuvem, depus a minha vida em ti.

 

Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,

Fiquei sem poder chorar, quando cai.

 

***

 

CONDE DE AFONSO CELSO

 

SAUDADE

 

Quem sofre o mal da saudade

Não acha alívio um momento,

Pois tem perto a enfermidade

E longe o medicamento.

 

***

 

GIUSEPPE GHIARONI

 

O MENOR ESFORÇO

 

Ferreiro e filho de ferreiro, um dia

Visitei meu vizinho carpinteiro.

E ao ver quanto a madeira era macia

Em relação ao ferro que eu batia,

Deixei de ser ferreiro.

 

Tornei-me carpinteiro e, vendo o oleiro

Modelando o seu barro molemente,

Cobicei seu ofício de indolente

E larguei meu formão de carpinteiro.

 

Mas fui depois à casa do barbeiro,

Que alisava uns cabelos de menina.

E achando aquela profissão mais fina,

Deixei de ser oleiro.

 

Um dia, em minha casa de barbeiro

Entrou um poeta de cabelo ao vento.

E ao ver quanto era livre e sobranceiro,

Troquei minha navalha e meu dinheiro

Por sua profissão de encantamento...

 

MEU DEUS! POR QUE DEIXEI DE SER FERREIRO?

 

***

 

JACY PACHECO

 

AMBIÇÃO DO PINGO D’ÁGUA

 

A noite esqueceu

No côncavo de uma folha

Vizinha de um riacho,

Um pingo d’água.

 

Veio o sol

Como uma rosa grande ardendo em febre

E envolveu a pequenina gota

Num punhado de cores.

 

Pingo d’água acordou,

Olhou para baixo,

Gostou do riacho...

Sonhou ser assim,

Ser riacho também...

 

E correr,

E crescer,

Ir além...

Ser um rio bem grande,

Maior do que ninguém...

 

Veio o vento

De repente

E desgarrou da folha o pingo d’água.

 

Pingo d’água morreu,

Pingo d’água perdeu-se no riacho.

 

PINGO D’ÁGUA SOU EU.

 

***

GUILHERME DE ALMEIDA

 

O SILÊNCIO

 

Nada digas,

Nem sequer

Por qualquer

Gesto sutil das tuas mãos amigas!

 

Fica toda

Junto a mim,

Quieta assim,

Desejando uma cousa linda, douda...

 

Um desejo...

E, depois,

Entre os dois,

O silêncio vermelho do teu beijo...

 

***

 

MENOTTI DEL PICCHIA

 

CASA ABANDONADA

 

Eu já morei naquela casa. Está deserta.

Olha o jardim: a porta inda está aberta.

Pode-se entrar... Ali, nesse canteiro

Eu plantei certa vez um pequeno craveiro.

Já morreu. Morre tudo... Afinal só subsiste

A saudade de tudo...

E a saudade é tão triste...

 

Tu moraste também no meu peito, querida...

Hoje que me deixaste, a minha pobre vida

É uma casa deserta igual a essa que viste.

E uma casa deserta – oh meu bem! – é tão triste...

 

***

 

RONALD DE CARVALHO

 

PERVERSIDADE

 

Se teu amigo atraiçoar-te um dia,

Envenenar-te o vinho, a água e o pão,

Sorri com melancolia...

Ainda tens puro o coração.

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   Postagem em 25.05.2010. Materia enviada por José Fabiano, o incansável arauto da Barroca, em Belo Horizonte.