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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)
Colbert Rangel Coelho
O escritor Hélio de Carvalho Teixeira (1915 – 2009), em seu livro “Rumos Literários (Notas de leitura)”, publicado em 1989, trata do trovador epigrafado em crônica, de 1975, intitulada:
“POETA NA ETERNIDADE"
Colbert Rangel Coelho, no dia 29 de outubro, despediu-se desta vida para entrar na eternidade. Poeta e boêmio, esbanjava talento e alegria, tendo vivido intensamente cada momento de sua existência fecunda e brilhante.
Estava com cinqüenta anos de idade e no apogeu de sua força criadora. Irrequieto e versátil, dedicou-se a várias atividades; entretanto, sempre se manteve fiel à sua autêntica vocação para a poesia.
Conhecemos Colbert há cerca de vinte anos e acompanhamos atentamente sua atuação no campo literário. A quadra erudita e a popular mereciam sua preferência.
Na última década, foi um dos maiores trovadores em língua portuguesa, rivalizando com seu pai, João Rangel Coelho, outro excelente poeta e ótimo trovador, que, aproximando-se já dos oitenta anos de idade, ainda se mantém rijo e ativo, tendo suportado, com profunda tristeza mas com bravura, a perda irreparável que lhe veio do filho morto em plena maturidade.
Vejamos como o filho seguia o magnífico exemplo do pai, tendo herdado dele o sangue e também o enorme talento. De João Rangel Coelho apresentamos ao leitor esta bela quadra que encerra, ao mesmo tempo, com tão poucas palavras, teologia e filosofia:
Senhor Deus, ó Pai dos pais,
por que motivo consentes,
entre teus filhos iguais,
destinos tão diferentes?
E de Colbert Rangel Coelho, o boêmio que sabia compenetrar-se da realidade imperante no mundo conturbado e cruel de nosso dias, reproduzimos esta sugestiva quadra:
Enquanto a gente recorda
os males que a guerra traz,
fraldas branquinhas, na corda,
lembram bandeiras de paz.
Outro aspecto importante da atuação de Colbert, também a exemplo de seu pai, foi sua acentuada tendência para a sátira inteligente e repentista. O pai, quando advogou no Estado do Pará, tornou-se, na cidade onde exercia sua profissão, conhecedor das particularidades da vida do vigário, e, de certa feita, improvisou essa quadra inspirada nos ‘afilhados’ do padre, aos quais a cidade inteira se referia com malícia:
O cura de Santarém
é milagroso de fato:
os afilhados que tem
são-lhe o perfeito retrato!
Colbert, tendo também sabido improvisar, como o velho pai, quadras fluentes e corretas, compôs uma trova humorística, de grande valor, em poucos segundos, durante a visita que fez a um Colégio de moças, dirigido por ‘irmãs’, numa cidade do Interior.
Colbert fora o vencedor no concurso de quadras realizado nessa cidade. E, atendendo a um convite da Diretora daquele Colégio, para lá se dirigiu na companhia de outros escritores. Algumas alunas logo iniciaram uma conversa com o poeta e uma delas veio transmitir-lhe este pedido da Superiora: A madre queria que Colbert, por ter sido o vencedor e merecer a fama de repentista, lhe fizesse uma trova.
O poeta aproximou-se da Superiora e perguntou-lhe:
- Irmã, qual é seu nome?
- Vivalda, respondeu-lhe a veneranda Superiora.
Colbert, durante alguns segundos, concentrou-se no pedido da ‘irmã’ e saiu-se bem com esta magnífica trova, deliciosa e delicada sátira dirigida às moças que rodeavam a Superiora:
O meu coração se esbalda
Em alegrias divinas,
Ao ver a madre Vivalda,
No meio das ‘vivaldinas’.
Houve uma explosão de risadas. Até a veneranda Superiora não pôde conter um sorriso largo e espontâneo, tendo reconhecido o enorme talento e fino humor do poeta.
Colbert foi, todavia, um trovador mais dedicado aos problemas sérios que sempre afligiram as pessoas. Era filósofo e principalmente humanista; não se deixava entregue a simples divagações de pensamentos altos, porém improdutivos. Sua filosofia era inspirada na compreensão, tendo sentido no seu espírito emotivo a tristeza dos humildes e a amargura dos desamparados. Era, pois – repetimos –, um autêntico humanista, conforme o que podemos observar nestas belas trovas:
Velho, nas minhas andanças,
e calejado de insultos,
tenho pena das crianças
no mundo cheio de adultos.
Eu sinto, vagando à toa,
nos derradeiros degraus,
que a vida seria boa,
se os homens não fossem maus.
Outra verdade, captada pelo humanista que foi Colbert, também se reflete com beleza nessas quadras:
Passei a crer nos amigos
e em bondade ainda creio,
depois que vi dois mendigos
dividindo um pão ao meio.
Suplico a Deus em voz alta,
inundado de pesares,
que tudo quanto me falta
não falte nos outros lares.
E, finalmente, estas últimas trovas do poeta confirmam sua rara sensibilidade e seu poder de captar o que se passa no mais íntimo desvão do espírito humano:
Nas vitrinas de brinquedos,
o meu pranto tem lavado
as marcas de cinco dedos
de um menino abandonado.
O cego sente desgosto
de não ver o que Deus pinta,
porque nunca viu o rosto
de uma criança faminta.
Aqui está, por meio de suas trovas, o que foi o talento de Colbert Rangel Coelho. Em apenas quatro versos, o poeta refletia um mundo de idéias e emoções. Era repentista de fino humor e mordaz na sátira; no entanto, mais alta foi sua inspiração, quando sentia a dor alheia e procurava imprimi-la nos seus versos, como se ele mesmo estivesse sofrendo.”
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O texto foi elaborado por José Fabiano, uberabense de sangue azul, em 25.05.2010.