Trovadores Inesquecíveis - V
João Pereira da Silva
(texto de Thereza Costa Val, da UBT Belo Horizonte, para www.falandodetrova.com.br)
Trovador português, natural de Amarante, cidade do Distrito do Porto, que morava na África e em 1975 atravessou os mares, vindo direto para o Brasil, com a família. Fixou-se em Belo Horizonte, onde se adaptou muito bem, tornando-se Cidadão Honorário da cidade. João Pereira muito labutou pela trova, pela cultura e pela língua portuguesa, jamais se esquecendo de suas origens.
Conservou forte sotaque, e me chamava quase sempre de Trizinha e, às vezes, de Treza, suprimindo uma sílaba na pronúncia. Quando incluía meu nome em uma trova, contando as sílabas conforme pronunciava, a trova ficava de “pé-quebrado”...
João Pereira era homem elegante, sempre de terno e gravata, bem posicionado na vida. Ocupou cargos de relevo cultural e profissional na Capital Mineira, destacando-se como Vice-Presidente, para o Estado de Minas Gerais, da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras. Exerceu ainda os seguintes cargos: Presidente do Centro da Comunidade Luso-Brasileira, Presidente do Elos Clube de Belo Horizonte; Governador e Diretor Internacional do Elos Clube Internacional; Secretário da Academia Mineira de Trovas; Membro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Foi Condecorado pelo Governo Português e pelo Governo Brasileiro, tendo recebido a Medalha da Inconfidência, por serviços prestados à cultura. No Centro da Comunidade Luso-Brasileira permaneceu por vários mandatos no cargo de Diretor de Cultura.
Como Delegado da União Brasileira de Trovadores em Vespasiano, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, promoveu três Concursos Nacionais de Trovas, atraindo a participação e a presença de trovadores brasileiros. Freqüentava regularmente a UBT de Belo Horizonte. Participou das seguintes coletâneas da seção de BH: “Horizonte em Trovas” , em 1991, por mim organizada; “Além do Horizonte”, 1996; “ Entre Montanhas e Trovas”, 1997; “Garimpo de Sonhos”, 2002. Tinha participação garantida nas antologias de escritores elistas “Elos Palavra”.
No cargo de secretário da Academia Mineira de Trovas editava, periodicamente, boletins e revistas com notícias da entidade e de seus associados. Como jornalista, era colaborador de jornais de Belo Horizonte e de Portugal, publicando artigos e opiniões.
Em Vespasiano, nos últimos tempos de vida, João Pereira fundou a Academia de Letras local. Não chegou a participar da inauguração, que ocorreu depois de seu falecimento.
Em 11 de abril de 2010, o Centro da Comunidade Luso-Brasileira instalou a Sala de Leitura João Pereira da Silva, em sua sede na Pampulha, chamada Casa de Portugal, em merecida homenagem a quem por vários anos foi seu colaborador cultural.
João Pereira era atuante, sempre disposto a participar de eventos sociais e culturais. Gostava de promover encontros de trovadores, após as reuniões, em algum bar ou restaurante. Por muito tempo, a UBT/BH funcionou na sala da Academia Mineira de Trovas, no centro da cidade. No térreo do prédio funcionava um famoso restaurante onde os trovadores costumavam prolongar as reuniões com um “bate-papo” informal. Hoje, com os tempos mudados, assim que termina a reunião e o lanche de encerramento, cada um procura o caminho de casa. Alguns mais apressados nem esperam pelo lanche, indo embora antes de terminar a reunião. Bons tempos aqueles, em que tudo era tranqüilidade e despreocupação!
Recordo que diversas vezes nos reuníamos em companhia de amigos, trovadores e trovadoras, com o objetivo de falar de trovas e compor as divertidas trovas a quatro mãos. Era um costume saudável e alegre. Uma das trovadoras participantes desse grupo, muito simpática e alegre, de quem me tornei amiga, inesperadamente em um fim de dezembro, foi embora deste mundo. Seu nome era Isabel.
Na presidência ou na diretoria cultural do Elos Clube de Belo Horizonte e também do Centro da Comunidade Luso-Brasileira, João Pereira se associou à UBT para promover ou patrocinar concursos nacionais de trovas, com bons resultados para o nosso movimento. Posteriormente, como Diretor de Cultura do CCLB, o trovador português realizou concursos locais com o objetivo de homenagear datas, feitos e personagens relacionados a Portugal, sempre com bom número de concorrentes. As premiações eram incluídas na programação das festividades comemorativas dos eventos. Assim, enquanto lhe foi possível, a exemplo de outros trovadores influentes na diretoria das duas entidades, João Pereira sempre abriu espaço para a trova. Penso que não só por ser trovador, mas também pelo valor que dava ao precioso poema de 4 versos, ele deve ser relembrado com carinho por todos nós que cultuamos a trova.
João Pereira da Silva gostava de comemorar seu aniversário em sua bela residência, fazendo questão da presença dos trovadores, que eram recebidos com a reconhecida fidalguia do aniversariante e a delicadeza de sua esposa.
Contou-me seu filho Antônio a romântica história do casamento dos pais, João e Alzira. A noiva morava em Portugal - em Vila Nova de Gaya, onde nasceu – e o noivo em Moçambique. Conforme os costumes da época, não era recomendável a moça solteira ir sozinha encontrar-se com o noivo distante. Então, o casamento aconteceu por procuração e, assim, dona Alzira foi ter com o marido naquele país da África. O casal teve cinco filhos, todos moçambicanos, nascidos na cidade de Beira.
Com a revolução moçambicana, João Pereira veio para o Brasil, tornando-se administrador de uma fábrica de cimento em Vespasiano, a mesma função que ele exercia em Moçambique.
Nascido em 07 de agosto de 1921, João Pereira faleceu em Belo Horizonte em 23 de outubro de 2007, aos 86 anos.
Do trovador português que se tornou cidadão de Belo Horizonte, guardo bonitas trovas, das quais cito algumas:
Tive culpa, não o nego. De tantos beijos que dei,
Naquele primeiro abraço, só um que não esqueci:
eu transformei em nó cego um beijo que não roubei
o que era apenas um laço e que também não pedi.
Numa trova, canto a fama Foi numa santa vigília,
da História de Portugal, com frio e quase sem luz,
que guarda um Vasco da Gama que veio ao mundo a família
e um Pedro Álvares Cabral. do meigo e doce Jesus.
Do Brasil a Portugal A Fé que sempre me guia
vai um saltinho somente. e que vem de Deus Jesus,
Eles moram, afinal, faz que eu veja sempre dia
bem dentro d`alma da gente. até nas noites sem luz.
Minha língua, a portuguesa, No Dia dos Namorados,
se acaso não existisse, eu vou pedir ao Senhor:
jamais Camões, com certeza, não perdão dos meus pecados,
diria tudo o que disse. mas, mais pecados se amor.
Se chorar me foi preciso Tão linda a estrela cadente
quando menino, ao nascer, quando risca o firmamento!
eu quero um doce sorriso, Mas lembra a vida da gente
quando, velhinho, ao morrer. que se apaga num momento.
Atrás da felicidade, Do Promontório de Sagres
corri o Mundo sem fim, os grandes nautas saíram,
até que achei a verdade: fazendo tantos milagres
trazia-a dentro de mim! quantos mundos descobriram.
Ao ouvir o murmurar Quando estiver a morrer,
das ondas do mar sem fim, quero ouvir falar de Deus.
penso que estão a chorar... Quem pautou o meu viver
sinto que chamam por mim. merece um último adeus.
João Pereira da Silva, por todo amor, dedicação e valorização que deu à trova, sem dúvida, merece integrar a Galeria de Trovadores Inesquecíveis.
-------------------------------------------------------------------------------------------
NOTA DO SITE = esta é mais uma sequência da brilhante contribuição que Thereza Costa Val, da UBT Belo Horizonte, está oferecendo à Memória da Trova brasileira.