O TROVADOR E A TROVA
Thalma Tavares
O objetivo neste pequeno ensaio, que dedico aos novos irmãos Trovadores, não é tanto dizer trovas, quanto falar da Trova e daquele que a faz.
Se fôssemos buscar nos tratados a definição da palavra TROVADOR, certamente eles nos levariam de volta à Idade Média onde a figura daquele cavalheiro medieval pouco tem a ver com este cidadão de hoje, tão comum quanto qualquer de nós, mas que possui o dom poético de fazer Trovas. Daquele medieval cavalheiro, o Trovador de hoje herdou mais o nome do que o status e a condição. Ao nome acrescentou o seu talento pessoal, a sua capacidade criadora. Mas o seu relacionamento com a Trova, diferentemente daquele, não se resume apenas ao ato de compô-las e dizê-las publicamente. Os Trovadores de agora pensam, sentem e amam ao compasso da Trova. E quem nos confirma isto é LUIZ OTÁVIO quando nos diz:
“Tirem-me tudo o que tenho,
neguem-me todo o valor!...
Numa glória só me empenho:
- a de humilde Trovador!”
Mas CAROLINA RAMOS também confirma nossa opinião com esta linda Trova:
“Trovador, quando padece
ao enfrentar duras provas,
guarda a angústia numa prece
e reza... fazendo Trovas.”
No limite dos quatro versos de uma Trova, os Trovadores empreendem viagens maravilhosas ao nosso desconhecido mundo interior e a todos os imagináveis mundos da fantasia humana. Faz da Trova uma profissão de fé, um eloqüente atestado de suas crenças, de suas convicções, assim como faz SARA MARIANY KANTER nesta Trova:
“Por ser poeta acredito
em dias menos sombrios;
Meu sonho, quase infinito,
cabe em meus bolsos vazios.”
Enquanto lá fora os poderosos se digladiam semeando a descrença, a violência, o ódio e o ceticismo no coração das criaturas, os Trovadores seguem destilando amor, acreditando no semelhante, sonhando e colocando o coração bem acima das torpezas humanas. E neste contexto insere-se perfeitamente esta Trova de nosso irmão da UBT-Belém do Pará, ANTÔNIO JURACY SIQUEIRA:
“Canta Trovador! Teu canto
alvissareiro e fecundo
é uma canção de acalanto
ninando as mágoas do mundo!”
De fato, “ninar as mágoas do mundo” é atributo sublime e só poderia ser dado aos poetas. E assim dizendo, o autor os elege consoladores das queixas universais. Mas, para reforçar a idéia de Antônio Juracy, temos esta outra Trova de LUIZ OTÁVIO:
“Bendigo a Deus ter me dado
a sorte de Trovador.
Pois o mal quando é cantado,
diminui o seu rigor...”
Para o bom Trovador, em termos de criatividade, a Trova é sempre uma expectativa do inusitado e ele, Trovador, o intérprete das esperanças da humanidade, o paladino do amor, da paz, da justiça e da fraternidade. É também, quando necessário, o crítico, o cronista do cotidiano, o humorista alegre e refinado, o observador arguto. E trovas existem aos milhares que nos mostram toda essa gama de virtudes. São incontáveis e passaríamos aqui um tempo enorme dizendo apenas diminuta parcela de um todo difícil de registrar. Nos limitaremos, pois, a dar apenas uma ligeira mostra do gênio dessa estirpe iluminada chamada TROVADORES.
Iniciaremos a mostra com uma observação triste de ABGAIL RIZZINI, nesta sua Trova do tema Esperança:
“Olhar triste é o da criança
que olha a vitrina, e em segredo,
chora a morte da esperança
ante o preço de um brinquedo!”
Uma Trova de infância na saudade de NEY DAMASCENO:
“Num velocípede antigo
que tem quase a minha idade,
passeia a infância comigo
pelas ruas da saudade”
Um alerta de CÉLIO GRUNEVALD nesta Trova do tema Justiça:
“Quando a Justiça nos choca
e a verdade é inconsistente,
há sempre um sino que toca
na consciência da gente...”
Uma exaltação à Liberdade nesta vibrante Trova de WALDIR NEVES:
“A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!”
Uma dissertação sobre o amor e a morte nesta Trova de CLEÓMENES CAMPOS:
“O amor e a morte, a rigor,
são faces da mesma sorte:
no fim da palavra amor
começa a palavra morte!”
Eis aqui uma Trova onde a ambigüidade de sentidos, inteligentemente arquitetada por CLÓVIS MAIA, enriquece o gênero humorístico:
“Quando a Dinha está acamada
eu agradeço à vizinha
que passa a noite acordada
e faz tudo pela Dinha...”
Uma Trova em que o saudoso JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAUJO evoca, lírica e tristemente, a lembrança materna e se confessa publicamente:
“Minha mãe chorou mais pranto
que a mãe de Nosso Senhor.
A Virgem chorou um Santo;
Minha mãe – um pecador!”
Uma constatação do mais puro lirismo nesta Trova de despedida de JOUBERT DE ARAUJO SILVA:
“De todas as despedidas,
esta é a mais triste, suponho:
- duas almas comovidas
chorando a morte de um sonho!”
Outra Trova de despedida na inteligente e fatalista conclusão do saudoso CARLOS GUIMARÃES:
“De despedidas, apenas,
compõe-se, afinal, a vida:
- mil despedidas pequenas
e uma Grande despedida!”
O Trovador DIAS MONTEIRO, extasiado ante a beleza noturna do firmamento, nos faz uma ousada afirmação poética nesta Trova repleta de lirismo:
“Duvidar ninguém se atreve,
de que as estrelas que eu fito
são Trovas que Deus escreve
no livro azul do Infinito!...”
E, por fim, do tema Tempestade, uma Trova em que CIPRIANO FERREIRA GOMES nos mostra o seu poder de criatividade na beleza desta comparação inusitada a qual se dá o nome de “ACHADO”:
“Tempestade!... E o mar erguido
é um cavalo em movimento
que tendo o dorso ferido,
desfere coices no vento!...”
Habituado a trovar sobre qualquer tema, o bom Trovador desconhece assuntos que a Trova não consiga abordar de modo sutil e convincente, para não dizer inteligente e original. É o caso de palavras e temas considerados esdrúxulos e antipoéticos. CAROLINA RAMOS nos dá o exemplo, utilizando numa Trova a palavra CEBOLA que muitos consideram poeticamente inaceitável. Provando o contrário, ela fez de improviso, durante uma reunião da UBT-São Paulo, a seguinte Trova lírica:
“Na feirinha da amizade,
de produtos desiguais,
a CEBOLA da saudade
já me fez chorar demais.”
E eis aqui, também, como o Trovador IZO GOLDMAN, vencendo um desafio, encontrou saída para rimar numa Trova a palavra CINZA com a sua única rima natural:
“Papai do Céu tá RANZINZA!
- diz meu netinho assustado:
Pintou todinho de CINZA
o lindo céu azulado!”
E vejam o que fez o príncipe LUIZ OTÁVIO com as palavras RADAR e BISTURI nestas duas Trovas:
“O coração de mãe tem
um RADAR de tal pujança,
que vê melhor, vê além
do que a própria vista alcança.”
“O trem, cansado e sedento,
subindo a nublada serra,
é um BISTURI barulhento
rasgando o seio da terra...”
Mais do que um simples exercício intelectual ou um passatempo, como querem alguns, a Trova é um sentimento, é um estado de amor e muitas vezes uma bênção, porque acaba sempre por preencher lacunas existenciais na vida daqueles que a cultivam no seu cotidiano.
E vale a pena a gente citar outras Trovas inteligentes que eu chamaria de produto do senso de oportunidade e que fazem parte também das chamadas Trovas Circunstanciais:
Vejamos, por exemplo, como o Trovador ARLINDO TADEU HAGEN soube aproveitar com oportunismo e bom senso, a perfeita identidade de seus ideais com os ideais de um amigo, construindo uma Trova singela, significativa e convincente:
“Existe tanta união,
entre os meus sonhos e os teus,
que só não és meu irmão
por um descuido de Deus.”
CONCHITA MOUTINHO DE ALMEIDA, saudosa Trovadora da UBT-São Paulo, referindo-se à sua alma de sonhadora e por extensão à alma de seus irmãos Trovadores, soube explorar com inteligência a dualidade quixotesca da natureza humana, enfocando as antíteses: sonho e realidade, corpo e espírito; nesta Trova que nos enviou numa carta:
“De sonhar jamais se cansa
- este é o seu supremo dote –
meu corpo de Sancho Pança
tem alma de D.Quixote!”
E de novo citamos WALDIR NEVES, para uma outra mostra de senso de oportunidade. Ele obteve menção honrosa no Concurso Paralelo aos XXXV Florais de Nova Friburgo, em homenagem à saudosíssima NYDIA IAGGI MARTINS, com esta Trova:
“De esposa e mãe, nos misteres,
de alma e corpo ela se deu
e foi “todas as mulheres”
na mulher que prometeu.”
WALDIR soube aproveitar com oportunidade o “achado” primoroso desta conhecidíssima Trova de NYDIA:
“No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei!”
Vejam como DURVAL MENDONÇA, soube fugir do lugar comum nesta trova do tema “Farol”:
“Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.”
O Trovador PEDRO ORNELLAS, satirizando uma situação crítica, venceu um concurso relâmpago da UBT-São Paulo, tema “Fumaça”, com esta ótima Trova humorística:
“A ituação tá tão feia,
minha grana tão escassa,
que o vizinho “churrasqueia”
e eu passo o pão na fumaça.”
O Trovador fluminense VILMAR LASSENCE, foi vencedor de um concurso com uma das mais belas trovas do tema “Luz”. Ei-la:
“Da mais funda escuridão,
pergunta um cego: - O que é Luz?
E alguém, por definição,
lhe põe nas mãos uma cruz.”
A origem da Trova perde-se na Idade Média. Serviu aos troveiros e trovadores provençais para comporem e cantarem, na língua d’oc e língua d’oil, as suas cantigas d’amigo, cantigas d’escarneo ou de maldizer. A Trova nem sempre teve a mesma forma. Ao longo do tempo, desde a França até a Península Ibérica, ela sofreu várias modificações até transformar-se na deliciosa “Quadrinha Popular Portuguesa” que, por sua vez, deu origem à Trova como hoje a conhecemos e como é praticada nos concursos da UBT e, atualmente, através da Internet. Tudo graças ao idealismo do fundador da UBT, LUIZ OTÁVIO, o Príncipe dos Trovadores Brasileiros.
Para que a Trova continuasse como arte aprimorada, como veículo dos mais elevados sentimentos do homem, foi necessário o apoio e o patrocínio de entidades associativas, beneficentes e governamentais que, ao lado da UBT, têm contribuído para a sua divulgação em todo o país e no exterior, através de concursos e jogos florais que hoje somam mais de quarenta eventos anuais, considerando-se os realizados através da Internet. Não obstante esse apoio, a UBT e a Trova são ainda órfãs do interesse das entidades culturais do país e sobrevivem como fontes de cultura, graças à boa vontade, ao amor que alguns Trovadores, abnegados idealistas, têm pelo movimento trovadoresco.
Assim, meus irmãos, o TROVADOR E A TROVA, apesar de todos os percalços que têm encontrado no curso dos acontecimentos, neste país que ainda não firmou idealmente suas raízes culturais e não aprendeu a valorizar a cultura, a Trova vem cumprindo o seu papel; vem alimentando os nossos sonhos, alavancando as nossas esperanças, reavivando a nossa fé e a nossa crença num mundo melhor. E enquanto houver no coração das pessoas sensíveis um espaço para a poesia, aí a Trova terá encontrado sua morada e jamais perderá o seu encanto. E, com esta certeza, eu posso lhes confiar um segredo:
Se o destino desaprova
minha ilusão desmedida,
eu ponho ilusões na Trova
e sigo iludindo a vida...
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(Minipalestra escrita em 1994 especialmente para solenidades de encerramento de concursos. Proferida em Juiz de Fora, Amparo, Ribeirão Preto (em duas ocasiões) e São Paulo.