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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)
PASSEANDO POR MINHA BIBLIOTECA...
José Fabiano
RECEITA PARA MAL-DE-AMOR!
O poeta Affonso Romano de Sant’Anna publicou, na edição de 14/04/02 do jornal “Estado de Minas”, daqui, de Belo Horizonte, a seguinte crônica que transcrevo integralmente, porque merece, como verificarão:
“Receita para mal-de-amor
Meu amigo tem um amigo que está apaixonado. Está amando e pedindo socorro, porque ao mesmo tempo em que se sente luminosamente dono do mundo sabe-se a mais frágil das criaturas. Está meio desorientado. Às vezes até acha que está enfermo. O seu dia-a-dia já não é o mesmo. Por isto, pede um remédio. Pediu-me, como se pede ao farmacêutico na esquina, que lhe indicasse alguns poemas, única poção capaz de minorar seu mal-de-amor.
Eu teria que fazer um diagnóstico mais acurado. Encontrar-me com o paciente, fazer-lhe umas quantas perguntas, devido à responsabilidade da profissão. Mas não foi possível marcar hora, tomar o pulso, a pressão, ver como anda seu abalado coração. Como o pediatra acordado alta noite por mães aflitas, a receita vai ter que ir por telefone, ou crônica, e aguardar que a dor passe.
Sugeri ao amigo: seria melhor que o amante sofredor se internasse para ler os poemas de amor de Camões, Drummond, Shakespeare, Vinícius, Paul Eluard e Neruda. Mas reconheci que nem sempre os planos de saúde garantem isto. E nem todos têm essa portentosa farmácia em casa. Então, perguntei:
- Que idade tem o paciente?
- Já é um homem maduro – respondeu.
Nesse caso é mais grave, pensei.
- Então leia de Drummond, o poema Campo de Flores, que começa assim: ‘Deus me deu um amor no tempo de madureza / quando os frutos não são colhidos ou sabem a verme. / Deus, ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro / e a um e a outro agradeço, pois que tenho um amor’. E por aí o paciente vai sentir que as antigas manhãs voltaram a sorrir para ele, que acha que merece mesmo esse amor, apesar da angústia que lhe traz. E há de concordar: ‘Mas, porque me tocou um amor crepuscular / há que amar diferente’.
Contudo, o meu amigo, preocupado, me adverte:
- Olha o caso dele é meio grave, porque está pensando até em se matar.
- Bem, nesse caso, digo, o remédio drummoniano tem que ser outro, é o poema Não se mate, que ironicamente começa assim: ‘Carlos, sossegue, o amor / é isso que você está vendo: / hoje beija, amanhã não beija / depois de amanhã é domingo / e segunda-feira ninguém sabe / o que será. / Inútil resistir / ou mesmo suicidar-se. / Não se mate, oh não se mate, / reserve-se todo para / as bodas que ninguém sabe quando virão / se é que virão’.
A seguir, diz-me que seu amigo depois que ser apaixonou ficou meio esquisito. Não está nem aí. Fala-se com ele de uma coisa, ele responde outra. Esclareço que isto é normal em tais casos. Camões diz: ‘...fico perguntando aos ventos amorosos, que respiram / da parte donde estais, por vós, Senhora: / às aves que ali voam, se vos viram / que fazíeis, que estáveis praticando / onde, como, com quem, que dia e hora?’
E acrescento que não se desespere mais do que o necessário, porque o amor segundo outra fórmula da farmacopéia amorosa de Camões, ‘é um fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói e não se sente / é um contentamento descontente / é dor que desatina sem doer, / é um querer mais que bem querer, / é um andar solitário por entre gente, / é um nunca contentar-se de contente, / é um cuidar que ganha em se perder, / é querer estar preso por vontade, / é servir a quem vence, o vencedor, / é ter com quem mata lealdade. / Mas como causar pode seu favor / nos corações humanos amizade / se tão contrário a si é mesmo o amor?’.
No caso de o apaixonado sentir que o destino foi-lhe atroz, porque não permitiu que conhecesse sua amada há mais tempo, quando era jovem, então não estará só. Um poeta mineiro cujo centenário vem aí – Emílio Moura -, tem apaziguantes pomadas para tal situação: ‘Por que me roubaram tanto tempo? / Por que não te conheci menina? / Por que não te conheci quando ias para o colégio? / Por que não te conheci no momento terrível da revelação da vida?’.
Isso de querer voltar à infância dos sentimentos é legítimo, quando se ama. Bandeira também considera isto em O impossível carinho: ‘Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo / Quero apenas contar-te a minha ternura / Ah se em troca de tanta felicidade que me dás / Eu te pudesse repor / Eu soubesse repor / No coração despedaçado / As mais puras alegrias de tua infância!’.
Nesse ponto, o amigo do amigo apaixonado, me pergunta:
- E você, poeta, nunca amou?
- Eu, pundonoroso, lhe digo que o amor é mesmo um mistério. ‘E o mistério começa do joelho para cima. O mistério começa do umbigo para baixo, e nunca termina’. E terminei adicionando um verso de Juan de Encina, que a gente cantava nos belos tempos do Madrigal Renascentista: ‘Más vale trocar placer por Dolores que vivir sin amores’.”
Como eu, então viúvo, estava vivendo situação semelhante, com o agravante de entre nós haver a diferença, pasmem-se!, de 50 anos, isto é, meio século, mandei ao poeta, no mesmo dia, às 18:26, o seguinte e-mail:
Caro poeta,
Como estou vivendo a situação de que você trata em sua crônica “Receita para mal-de-amor” (EM, de 14/04/02), atrevo-me a fazer companhia a Drummond, Camões, Emílio Moura, Bandeira e você, mandando-lhe o nome do remédio que usei, com ótimo resultado, na esperança de ser útil de alguma forma, a seu critério:
INSENSATO AMOR
Tenho na vida um insensato amor
Que não pensei me acontecer jamais!
É sentimento que me faz supor
Que vivo fora dos padrões normais...
Não me busqueis, amigos, por favor,
Como se fosseis meus irmãos ou pais,
Com os conselhos, de que tenho horror,
Ou os sorrisos, que acho tão banais.
Deixai que eu sofra! Este sofrer acato!
Só com a dor da frustração resgato
Todo o meu débito ante a Lei Divina.
Reencarnações hão de nos vir, rolando...
Ao menos uma, Deus nos vai dar, quando
Não serei velho, e não serás menina!
Agradeço-lhe a atenção,
Respeitosamente,
José Fabiano
E não foi que, no mesmo dia, às 20:54, recebi a resposta do meu e-mail, na qual o poeta me disse:
“Caro Fabiano, se de tudo fica um pouco como dizia Drummond, desse desencontro ficou a poesia, aliás, ótima. Abraço, ars”