Leila Miccolis - Rio de Janeiro

 LEILA MÍCCOLIS  nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 01 de janeiro de 1947. Filha de Hugo Miccolis e Corália Miccolis. Advogada, professora de música, exímia declamadora.  Em criança, já atuava em programas de rádio e televisão. Publicou, entre outros: “Gaveta da Solidão” – poemas, 1965, e “Trovas que a Vida Rimou” – 1967. Sua galeria de troféus em todos os segmentos é interminável.
  De um talento inquestionável.
 

Desfeito em erros pequenos,
nosso amor, em seus anais,           (Menção Especial em Nova Friburgo - 1973)
teve alegrias de menos
e reticências demais...

Sentindo o pulsar e o abalo       (premiada III Jogos Florais da Guanabara - 1972)
do filho em mim, solitário,
meu coração a esperá-lo,
bate em compasso binário...

Quantos "nãos" desperdiçados
se soubesses, por tolice,
Que foram "sins" disfarçados,
que, envergonhada, não disse...

Meu violão, eu te adoro,
pois só tu, num mesmo pranto
sabes cantar quando eu choro,
sabes chorar quando eu canto.

Esta luz esmaecida,
que ao fim da tarde se sente,
é como a tarde da vida,
no fim da vida da gente...

Em meio à infelicidade,
quando nela já se esteve,
a gente sente saudade
das lembranças que não teve...

Com o acabar da fronteira,
após o vir da igualdade,
farão, de cada trincheira,
um celeiro... uma cidade.

Traz no peito mutilado
uma medalha que encerra
outro herói condecorado
pelas indústrias da guerra.

Quando o sol se põe tardio,
em velhos e vãos desvelos,
deixa-te um raio sombrio
no branco dos teus cabelos...

Por toda lágrima igual
cada vez que a dor renasce,
eu tenho rastros de sal,
nos sulcos da minha face.

Tempestade.  Ruge o vento
que, zunindo como açoite,
parece um novo instrumento
na sinfonia da noite.

Num sentir que não se entrosa
com meu viver largo e denso,
eu me torno mais medrosa
a cada medo que venço.

Hoje a saudade desagua
na infância do meu caminho,
quando qualquer poça d'água
era um mar pro meu barquinho...

Minha velha escrivaninha
que a tanta cena assistiu,
viu quantos sonhos eu tinha...
sabe quem os destruiu...

Esta chuva que não finda
e que me deixa enfadado,
seria música linda,
se estivesses ao meu lado...

Ao vê-lo louco e incapaz,
penso que nada na Terra
é pior que ver, na paz,
um neurótico de guerra.

Velho a amar... Será que existe
tal bobagem?   Que me provem!
Se ele é velho, não resiste;
se ele ama, é sempre jovem...

Dorme o filho ao meu embalo
e a chuva, que forte passa,
a fim de não acordá-lo,
bate sem som na vidraça.

Tem gente que, por maldade,
ou mesmo por inocência,
confunde com liberdade
um pouco de independência.

A natureza, em façanhas,
comparada aos nossos males,
ora se eleva em montanhas,
ora aprofunda-se em vales...

Não sei se o olhar daquele
velho marujo a lembrar
é o mar a chorar por ele,
ou ele a chorar o mar.

Velhos marujos... me ocupo
em senti-los remoçar,
quando reúnem-se em grupo
para falarem do mar.

Aos filhos dos filhos tecem
tantos desvelos e afetos,
que muitos avós parecem
irmãos mais velhos dos netos.

Trago na dor que não finda
olhos secos no esperar,
a poupá-los para a vinda
do que inda falta chorar.

Quem não tem na vida sustos,
sobressaltos se, a sofrê-los,
até Deus, nos vendo injustos,
tem também seus pesadelos?

Certos ditos necessitam
de uma mudança qualquer:
em casa de homens que gritam
quem sempre morde é a mulher...

Reza o velho marinheiro
ao sair para pescar,
como um monge em seu mosteiro,
longas missas sobre o mar.

Há certa espécie de vida,
que, num florir violento,
faz lembrar-me flor perdida,
medrando pelo cimento...

Em partituras sagradas
Deus fez os Homens e os sinos
tangerem, por badaladas,
o bronze dos seus destinos.

Ouvindo, mãe, as oitavas,
no ciclo a se repetir,
canto à filha o que cantavas
para fazer-me dormir.

As omissões emprestadas
a juros aos quais eu cedo,
são dívidas resgatadas
às promissórias do medo.

Meu mar da infância hoje inunda,
eu crescida, ele infiel,
bloqueia, naufraga e afunda
meus navios de papel.

A vida a nada se iguala.
Tanto o é - provo tranquila -
que até Deus, por muito amá-la,
quis nascer para senti-la.

De porte elegante e fino,
és feita, com perfeição,
por cordas de violino,
por curvas de violão...

O chorar dos que na guerra
tudo perderam me afronta
por ser na história da Terra
a parte que não se conta.

Ao vê-lo mover no trilho
seu trenzinho de brinquedo,
sinto medo que meu filho
ao crescer sinta o meu medo.

Deus tendo o mundo criado
quis nele sentir o efeito
da paz de um homem cansado,
depois do trabalho feito.

Olhos secos, nada à frente,
nada a viver, e a contar:
dá pena quando esta gente
se gaba de não chorar.

Igualdade... Bocas cheias,
há gente que pede a Deus
pão, para fomes alheias,
e caviar, para os seus...

Direito: não há ninguém
que o deva desconhecer;
mas que importam leis a quem
esmola para comer?

Quanto abandono e desmando
nas terras do meu sertão:
um rancho de vez em quando,
mil léguas de solidão!...

Por entre frágeis abraços
tanta gente morta e fátua
que, se abrir demais os braços,
acaba virando estátua...

Rodovias, viadutos,
construções assim tão frias
só podem mesmo ser frutos
de gerações bem sombrias.

Há muita gente que, ambígua,
ao dar a alguém uma esmola,
pensa que a culpa apazigua,
finge que o ato a consola...

A guerra, em cego processo,
dá, segundo os seus arquivos,
aos mortos poder expresso
de decidir pelos vivos.

3 x 4: por costume,
após a foto, de fato,
há gente que em vida assume
a pose do seu retrato...

Passa à freguesa sermões:
- "Bolsa aberta! Estes terrenos
estão cheios de ladrões."
E volta troco de menos...

Apesar de ser mesquinha
a idéia que me ocorreu,
o marido da vizinha
é sempre melhor que o meu...