Orlando Brito - São Luís / MA

 

(à esquerda, dois ícones da poesia brasileira: Orlando Brito e Antonio Juraci Siqueira, foto de outubro de 1993, tirada por não menos que Alonso Rocha, Príncipe dos Poetas do Pará)

ORLANDO BRITO (Niterói-27.11.1927 / São Luís-21.08.2010) 

     

        filho de Amaro Brito e Irma Denti Brito, nasceu em Niterói mas peregrinou por esse Brasil, até fixar-se em São Luis-MA. Antes disso morou em São Paulo, em Cruzeiro e, depois, em Pindamonhangaba, onde plantou a raiz da Trova com toda a fecundidade. Conhecer Luiz Otávio em 1954 foi a mola propulsora para que abraçasse com fervor a Trova, ele que já era admirador dos autores portugueses Correia de Oliveira, Augusto Gil e Silva Tavares.
        Em 1958 publicou "Lua de Sonho" e, em 1962, "Cantigas de Ninar Tristezas"-trovas. E, depois, muitos outros livros: de sonetos, de cordel, etc.      
        Falar de seu talento não o farei. Apenas transcreverei depoimentos de alguns dos mais célebres cultores do gênero.

-----“Orlando Brito, o maior trovador lírico do Brasil!”
                                         COLBERT RANGEL COELHO – em dezembro de 1963

-----“Orlando Brito, tu não és um dos mais brilhantes, tu és o mais brilhante entre todos que cultivam a trova!”
                                         JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO – em 10/02/1983

-----“Admiro a precisão dos seus versos, a sonoridade e riqueza de suas rimas, a originalidade de suas imagens, enfim, penetrar e entender o seu universo poético é verdadeiramente um privilégio, uma graça que eu de coração agradeço.”                        WALDIR NEVES = em 25/01/1992

     A seguir, trovas de sua autoria, para que não reste qualquer dúvida.

TROVAS LÍRICO / FILOSÓFICAS

01
Passou... Bonita de fato!
E o mar, ao vê-la, tão bela,
sentiu não ser um regato
para correr atrás dela!
02
No porto dos meus anseios            (7º lugar em Pouso Alegre - 1961)
esperanças são navios,
que de manhã partem cheios
e à tarde voltam vazios...
03
Não pisco os olhos ao vê-la
para não correr o risco
de, por momentos, perdê-la,
a cada instante em que pisco.
04
Deus marca os sons e o compasso,
não há mais linda canção!
Bater de sinos no espaço,
bater de enxadas no chão...
05
Contra a fome, contra a guerra,
que geram mortes e escombros,
marchai, soldados da terra,
levando a enxada nos ombros!
06
Corre a seiva em chão bravio
como o sangue em cada artéria.
São as valas do plantio,
trincheiras contra a miséria.
07
Há nos jardins, entre arranjos
de passarinhos e abelhas,
candelabros onde os anjos
acendem rosas vermelhas...
08
São iguais seus idiomas,
há semelhança em seus dons:
a rosa – sino de aromas,
o sino – rosa de sons.
09
Passam tropeiros, tristonhos...
Assim vou eu, sem guarida,
tangendo a tropa dos sonhos
pelas encostas da vida.
10
Primavera... Vai-se o estio,
chega o outono. Solitário,
assisto ao cair sombrio
das folhas do calendário...
11
Antes que o sol, com seu brilho,
das trevas rompesse o véu,
um galo comeu o milho
que a noite espalhou no céu.
12
Vê, querida, -- entre as cantigas
dos filhos em algazarras,
nós somos duas formigas
numa casa de cigarras...
13
Com crianças tagarelas
em meu rancho alegre e lindo,
até portas e janelas
vivem cantando e sorrindo!
14
A cidade acorda os ais
quando a chuva enche os caminhos,
chorando pelos beirais
a falta dos passarinhos...
15
A chuva, caindo aos molhos,
põe grades de nostalgia
nas janelas dos meus olhos,
por onde um menino espia...
16
Com falsas glórias terrenas,
Senhor, jamais me iludi.
Somos lâmpadas apenas,
pois a luz nos vem de Ti!
17
Tudo Ele escuta, Ele olha,
atentem nisto os ateus.
Não cai de um galho uma folha
sem ser vontade de Deus.
18
Felicidade, acredito
que nesta vida consistes
num simples nome bonito,
para consolo dos tristes...
19
Por muito que nos compraza
dourada e linda mansão,
lembrai que a última casa
será sempre ao rés do chão.
20
Sobrevivendo ao calvário
de uma queimada funesta,
um sabiá solitário
chora a morte da floresta...
21
Lembrou-me o relógio rouco
da velha igreja da praça,
que nós morremos um pouco
a cada instante que passa.
22
Aos toques de teu registro,
relógio, quanto me abalas!
-- O mesmo rumor sinistro
de enxadas abrindo valas...
23
Relógio, em seu tique-taque,
ligeira a vida se esvai.
-- A cada segundo, o baque
de um sonho que morre e cai...
24 - BRAVURA
O H da palavra Homem
é uma escada ao céu erguida.
-- Basta que os bravos a tomem,     
(8º lugar Ilha do Governardor 1965)
e serão donos da vida.
25
De livros encham-se as casas,
eis um conselho excelente,
pois o livro, aberto em asas,
põe asas na alma da gente.
26
Vaso de aromas dispersos,
incenso queimado em brasa,
assim é um livro de versos
aberto dentro de casa...
27
Quando nós formos defuntos,
e Deus nos der alvará,
para o céu só iremos juntos,
pois, separados, nem lá!
28
Quando quer prender a gente,
sem dar laço ou fazer nó,
usa o amor uma corrente
que possui um elo só.
29
A mulher sempre é mais pura,
mais bonita e mais completa,
quando a ponho na moldura
dos meus olhos de poeta.
30
A mulher, em seus carinhos,
da roseira usa os segredos:
mostra as unhas, como espinhos,
entre as pétalas dos dedos...
31
Quando ela vem, com seu jeito
de lírio esbelto e bizarro,
meu coração vai no peito
tomando a forma de um jarro.
32
Esses teus olhos, amada,
deve a polícia prendê-los.
São dois ladrões de emboscada,
à sombra dos teus cabelos...
33
Duas lindas borboletas
persigo, em nossos idílios:
-- as tuas pupilas pretas,
batendo as asas dos cílios...
34
Esse olhar, com que envenenas
o coração dos rapazes,
é um vinho raro que fazes
com duas uvas apenas...
35
De uns episódios antigos
guardo este exemplo comum:
-- homem de muitos amigos
não tem amigo nenhum...
36
Procura estrelas num poço
quem no passado se abisma.
Sonhar é coisa de moço,
pois velho não sonha, cisma...
37
O mapa do marinheiro
difere de outro qualquer:
cada porto, em seu roteiro,
tem um nome de mulher.
38
Leve, o barco, ondas afora,
não deixa rastros na espuma.
-- Assim o amor fosse embora
sem deixar lembrança alguma...
39
Marujo quando namora,
lembra a onda em seu vaivém.
O seu amor não ancora
no coração de ninguém...
40
Parreira de uvas douradas
que Deus plantou nas alturas,
pendem do céu, nas ramadas,
cachos de estrelas maduras...
41
Madrugada, tem piedade
deste meu frio abandono,
e acalenta esta saudade
que não quer pegar no sono...
42
Madrugada... Em serenatas,
nas ruas, a revivê-las,
o velho cão vira-latas
e um trovador vira-estrelas...
43
A correr, continuamente,
tempo e rio são iguais.
Não volta o rio à nascente,
nem os tempos voltam mais...
44
Até num erro há nobreza
se com teu pranto o reparas.   (1º lugar "filosóficas", Est. da Guanabara, 1965)
- Mesmo a lama tem beleza
no fundo das águas claras.
45
Deixo ao mundo esta mensagem
quando a morte me der asa:
O melhor de uma viagem
é voltar à nossa casa.
46
Num caderno de viagem
pôs um marujo este assento:
-- a saudade é tatuagem
gravada no sentimento.
47
As rendas, para tecê-las,                          (1º lugar Santos 1964)
praia rendeira, uma a uma,
tens no céu bilros de estrelas,
no mar, novelos de espuma...
48
Quanta vez, entre incertezas,
vou, no sonho que me abrasa,
procurar, longe, as riquezas
que já tenho em minha casa...
49
No ardor das mesmas porfias
nós rolamos, mar profundo,
tu – contra as rochas bravias,
eu – contra as pedras do mundo.
50
Das rochas contra a parede
atira-se o mar, aos ais,
prisioneiro numa rede
de sargaços e corais...
51
Olhaste a lua, sorrindo,
e eu, sorrindo, a olhei da rua.
-- Foi lindo o encontro, foi lindo,
dos nossos olhos na lua!
52
Para dar vida ao riacho,
a fonte, espelho da mata,
quebra-se e cai, serra abaixo,
desfeita em cacos de prata...
53
Na manhã clara e bonita
sopra o vento, e em suas rondas
põe laços brancos de fita
na cabeleira das ondas...
54
É lindo, ao sol derradeiro,
o adeus, na tarde arejada,
entre o chapéu de um coqueiro
e o lenço de uma jangada.
55
Na paisagem nordestina,
ao léu do vento que a espanca,
jangada é flor peregrina
de uma só pétala branca.
56
Um lenço acena no cais.
Longe, a vela... São dois lenços
ou duas velas iguais
sobre dois mares imensos...
57
Sonhar... O vôo às alturas!
Da glória chegar ao cimo!
-- Ah! Benditas as lonjuras
que nós jamais atingimos...
58
Ó sonho, a mente me abrasas
ante os longes do oceano,
quando a gaivota abre as asas,
quando a jangada abre o pano...
59
A mulher, urdindo a teia
que nos prende aos seus desejos,
traz a boca sempre cheia
de mentiras e de desejos...
60
Não guardes, nem por acaso,
um segredinho qualquer,
no estojo pequeno e raso
de um ouvido de mulher...
61
Se um triste amor te domina,
não chores, cala os teus ais.
Incêndios de amor, menina,
com água eles crescem mais...
62
Com quatro pontas de luz,
és, Cruzeiro, erguido no ar,
a cruz simbólica, a cruz
dos que morreram no mar...
63
A morte é rude procela
que arroja o nauta vencido,
num barco estreito e sem vela,
a um porto desconhecido...
64
Com pena, por vê-lo morto,
a borboleta, piedosa,
simulou no galho torto,
duas pétalas de rosa.
65
Ah, coração, tem piedade...      (6º lugar Friburgo 1961)
Batendo tão forte assim,
vais acordar a saudade
que dorme dentro de mim...
66
Nesta casa, onde a pobreza
armou o seu ninho tosco,
São Francisco põe a mesa
e Jesus come conosco!
67
Para ter paz e harmonia
no lar, é mais importante,
não o pão de cada dia,
mas o amor de cada instante!
68
O falso amigo, ao mostrar-se,
nas ciladas que prepara,
sempre muda o seu disfarce,
mas conserva a mesma cara.
69
Serás rico entre teus pares,               (1º lugar Fortaleza 1990)
se da terra onde garimpas,
um dia à casa voltares
de mãos vazias, mas limpas.
70
Goteira, com que meiguice
no meu beiral vens cantar...
- Qual foi a mãe que te disse
essas canções de ninar?
71
É da luz que o sol envia
que nasce o brilho da lua.
Assim é minha alegria:
depende sempre da tua!
72
Por muito que ela nos fira,            (Menção Especial Nova Friburgo - 1997)
tristeza encanta e consola,
se é tristeza de um caipira,
chorada ao som da viola.
73
Foi num bar de certa esquina,     (Menção Especial em Pouso Alegre - 2000)
que, sem beber, quando pus
meus olhos nos teus, menina,
fiquei bêbado de luz.
74
Teu vulto lindo e risonho
surge em meus dias desertos,
como se fosses um sonho
que eu sonho de olhos abertos!
75
Mal do amor ninguém me fale...
Seu cativo eu fui, é certo.
Libertei-me... De que vale
liberdade num deserto?
76
Passa o ceguinho... A bengala
com que ele apalpa o caminho
parece até que tem fala,
mostrando o rumo ao ceguinho.
77
Coveiro, choremos juntos
nossos destinhos tristonhos.
Pior que enterrar defuntos
é ser coveiro de sonhos...
78
Como é linda, sobre as casas,        (1º lugar em Petrópolis - 1994)
a melodia que evola
de um alegre par de asas
que foge de uma gaiola...
79

Tento em vão, desde menino,     (M. Honrosa em São jerônimo da Serra - 1994)
mudar da vida a estrutura,
mas no Livro do Destino
Deus não permite rasura...
80
As tuas saias são velas,
no varal vão flutuando;
quem me dera eu ir com elas
onde vão de vez em quando!

81
Diz o padre: "Até que a morte
vos separe." Que maldade!
Quando o amor é grande e forte,
vai além da eternidade...

TROVAS HUMORÍSTICAS

01
Bebei, bebei sem receio:
homem que bebe e tem brio,
não gosta de copo cheio,
nem pode vê-lo vazio!
02
Grita o coveiro, com mágoa,
na sepultura do André:
- Na cova deste pau-d'água
nem a cruz fica de pé !
03
Eu, trabalhar desse jeito,
com a força que Deus me deu,
pra sustentar um sujeito
vagabundo que nem eu?
04
Problemas? Eu cá não acho
problema algum que me oprima.
Se é grande – passo por baixo,
pequeno – pulo por cima.
05
No velório, alguém pergunta:
-- Todo mundo já bebeu?
É quando uma voz defunta
diz do caixão: -- Falta eu!
06
Lá onde jaz, entre círios,
de um vate a carcaça humana,
amigos plantaram lírios,
mas nasceu um pé de cana.
07
Juca, o rei dos vagabundos,
não teme crise ou desgraça,
pois sempre põe os seus fundos
no melhor banco da praça.
08
O doutor não teve escolha
quando o ébrio entrou ali,
e operou com saca-rolha
no lugar do bisturi...
09
Boêmio altivo e casmurro,
teve um fim nobre e sem mágoa:
-- levou tapa, levou murro,
morreu, mas não pediu água.
10
A família do Trindade,
que de vinho enchia a tripa,
fez-lhe a última vontade:
enterrou-o numa pipa.
11
Disse alguém, com perspicácia,
e cinco “louras” na mesa:
-- O botequim é a farmácia
dos que sofrem de tristeza.
12
Certa vez com Dr. Lopes
caso raro aconteceu:
-- receitou alguns xaropes
e o doente não morreu...
13
Diz o coveiro ao doutor,
mostrando a pá dos enterros:
-- Eis a borracha, senhor,
com que eu apago os teus erros.
14
Uma atitude maluca
e até mesmo temerária:
-- desejar “bom dia” ao Juca,
o dono da funerária...
15
Um médico e dois coveiros
uniram-se, em sociedade.
Em um ano os três parceiros
deram cabo da cidade...
16
A botina na janela
não deu sorte ao Manoel.
O chulé que havia nela
espantou Papai Noel...
17
Vivo de amor tão perdido,
é tão grande o meu transtorno,
que diante de teu marido
sou eu que me sinto um corno.
18
Para que a espécie conjugue
o verbo, e viva ligada,
todo homem tem um plugue
e a mulher uma tomada.
19
Seguindo a lei do progresso,
depois do fio dental
dois maiôs farão sucesso:
o sem fio e o digital...
20
Quando o amor lhe ronda o gado,
a mulher, vaqueira esperta,
traz o curral bem cercado,
mas deixa a porteira aberta...
21
Nem é mister que decifres
quem da fazenda é o patrono.
-- Na porteira um par de chifres
já identifica o seu dono.
22
No norte, onde o sol abrasa,
e o calor queima sem dó,
só defunto sai de casa
de gravata e paletó.
23
Se o tempo os frutos apura,
tal sorte à mulher conceda,
pois é depois de madura
que ela vai ficando azeda.
24
Amor à primeira vista?
Nosso bolso anda tão raso,
que até mesmo uma conquista
deve ser a longo prazo.
25
Calcinhas de vários tons
e rendados porta-seios,
se vazios já são bons,
são melhores com recheios...
26
Concorda o frouxo Didi
que a mulher com outros ande,
pois anzol de lambari
não segura peixe grande.
27
Dentadura, novo preço
e chifre, -- diz o Paluma,
sempre doem no começo,
-- depois a gente acostuma...
28
Aviso a quem for solteiro:
casamento é uma cilada!
- Mulher amada, primeiro.
Depois... é mulher armada.
29
Poupou, viveu que nem rato,
e hoje tem a burra cheia.
-- Foi andando sem sapato
que ele fez seu pé de meia.
30
Em meus calos ninguém pisa.
Se topo um cabra indigesto,
por bem me tira a camisa,
e por mal me tira o resto...
31
Meu destino, casa velha,
com o teu é parecido.
Há sempre um furo na telha,
há sempre um cano entupido...
32
Li teu livro. Um desconsolo!
Em papel fino, agradável,
se ele fosse feito em rolo,
seria um livro passável...
33
Teu livro, que eu li com tédio,
não o pus na minha estante
mas na caixa de remédio,
com o rótulo: purgante!
34
Meu livro de cabeceira
é o teu, de efeito excelente.
Logo à página primeira
que sono ele dá na gente...

35
A cidade bufa e sua!
Sedento, a pedir socorro,
eu vi um poste na rua
correndo atrás de um cachorro!...