Durval Mendonça +

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          DURVAL MENDONÇA nasceu em 28 de novembro de 1906, filho de Aníbal Campos de Mendonça e Altina Mendonça. Foi contador e funcionário público de alto escalão do Ministério da Fazenda. Era primo da também trovadora Nydia Iaggi Martins. Vítima de uma "cegueira degeneativa", perdeu totalmente a visão aos 45 anos. Colbert Rangel Coelho foi quem o levou a uma reunião de trovadores, no Rio de Janeiro. O ingresso da Trova em sua vida renovou-lhe o gás para a Vida.
     Magnífico Trovador em Nova Friburgo. Segundo Izo Goldman, Durval foi "um dos maiores trovadores do Brasil".   Publicou "Trovas que dou à Vida", (foi prefaciado por Manuel Bandeira e J.G.), "Apenas Trovas" e "Cantando Trovas".    Faleceu no ano de 2001.

01
Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.
02
Ao beijar a tua mão,
que o destino não me deu,        (BEIJO:1°lugar Friburgo - 1964)
tenho a estranha sensação
de estar roubando o que é meu...
03
Nenhum barco... o mar parado.
Noite... silêncio... abandono...
E o velho farol, cansado,
parece piscar de sono...
04
Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
um homem do meu tamanho
tinha o tamanho de Deus.
05
Felicidade - mosaico
de pedrinhas coloridas,
que, em meu destino prosaico,
não consigo ver unidas.
06
Poças que o mar faz na areia...
Ao vê-las, paro e medito
nessa humildade tão cheia
das estrelas do Infinito.
07
Eu luto desde menino,
com bravura redobrada,
neste jogo em que o Destino
joga de carta marcada.
08
Quando a noite vem descendo
e o mundo parece em calma,
existe um mundo fervendo
na inquietação de minha alma.
09
Eu conto por sete dedos,
sete sonos que me tiras,
porque tens sete segredos
por trás de sete mentiras.
10
Lágrima a lágrima faço
de amarguras meu rosário...
Vou levando, passo a passo,
minha cruz ao meu calvário.
11
Aleijadinho, com traços
que o teu cinzel pôs na História,
a Via Sacra dos Passos
levou teus passos à glória.
12
Entra o sol pela vidraça
e em teu leito empalidece,
deslumbrado pela graça
que teu corpo lhe oferece.
13
Quantas lágrimas choradas
numa angústia que comove...
É o retorno das jangadas...
Saíram dez, voltam nove...
14
Vejo os espaços profundos
contraditando os ateus.
Há, no mistério dos mundos,
toda a evidência de um deus...
15
Este olhar perdido e triste,
na curva, longe, da estrada,
é tudo que ainda existe
de uma promessa quebrada...
16
A praia é cama estendida,
onde o mar e a lua cheia...
- Cala-te, boca atrevida,
não fales da vida alheia!
17
A garoa é ouro fino
das arcas celestiais
que desce em fluido divino
na terra dos cafezais ...
18
Caminhos da minha infância
que a saudade inda percorre...
Tudo morreu na distância
e esta saudade não morre...
19
Vai o rio em cantochão...
Suas águas se lamentam.
Parecem pedir perdão
às pedras que as atormentam.
20
Se um mendigo te procura
e tens escasso o dinheiro,
dá-lhe um gesto de ternura,
que talvez seja o primeiro...
21
Essa lágrima, luzindo
em teus olhinhos, meu bem,
é o sofrimento mais lindo
que vi no rosto de alguém
22
Minhas trovas são lampejos
em minha alma entristecida;
risonhos ou tristes beijos
que dou na face da vida.
23
O que me causa estranheza
num mundo assim tão estranho
é ver tamanha pobreza
e riquezas sem tamanho.
24
Se vai às compras, Maria
compra tudo que é preciso;
se o vendeiro não lhe fia,
paga à vista com um sorriso...
25
Ao fim de instantes felizes,
quando me dizes adeus,
parece, amor, quando o dizes,
que o céu vai ficar sem Deus.
26
A vida é roda de fogo,
gira em franco desatino...
Cartas sem naipe de um jogo
em que o parceiro é o Destino.
27
Da juventude risonha
perdido nos torvelinhos,
vi marias-sem-vergonha
florindo o pó dos caminhos.
28
Cai a noite e neste quarto
que há muito você não vê,
meu coração anda farto
desta escassez de você.
29
Cachaça sempre dá jeito,
quando a saudade me abafa:
ponho a cachaça no peito
e a saudade na garrafa
30
Pela noite, a, lua avança
atrás do sol, sem parar;
depois, frustrada, se lança
nos braços frios do mar.
31
Tempo, terrível moinho!
Mói a vida sem piedade
e deixa o pó no caminho
que conduz à eternidade...
32
Aleijadinho, os Profetas
- teu milagre de escultura -
têm almas, todas repletas
de tua imensa ternura.
33
Eu não pude ver ainda
a razão desse teu pranto;
uma lágrima tão linda
não a tem quem sofre tanto.
34
Como a lua é lisonjeira,
quando eu canto em serenata!
Ela aplaude a noite inteira,
batendo palmas de prata.
35
No caminho da virtude
há tantas pedras plantadas,
que, confesso, jamais pude
percorrê- lo, sem topadas.
36
Perdão, Senhor, se não pude
perdoar quem me ofendeu.
A vida tornou-me rude;
perfeito és Tu e não eu.
37
Coração, eu já lhe disse:
Tome cuidado, porque
eu faço muita tolice
depois... quem paga é você.
38
Já na casa dos oitenta,
na solidão dos meus dias,
que saudade dos setenta,
quando penso nas Marias!
39
Criança brava, e atrevida
faz da vassoura um corcel
e enfrenta os mares da vida
num barquinho de papel.
40
Eu vejo, de minha rede,
nas noites quentes de estio,
a lua matando a sede
nas águas frescas do rio.
41
Eu acredito que foi
em Belém, na gruta escura,
que os olhos triste do boi
ganharam tanta ternura.
42
Garoa... Frio... Demoras...
Serão seus passos? Oh! Não...
É o passo triste das horas
passando na solidão.
43
Como parece inclemente
este maldito ciúme:
Aperta o peito da gente
com travor de pedra-ume.
44
Nosso destino na vida
tem sempre este fim e só:
uma caveira esquecida
sobre um punhado de pó
45
Esta lágrima indiscreta,
que vês, agora, em meu rosto,
é o lamento de um poeta
na agonia do sol-posto.
46
Perdido em duras andanças,
cansado, devagarinho,
vou deixando as esperanças
junto aos cardos do caminho.
47
As pedras são singulares
- conversam dois capelães -
de umas se fazem altares,
outras se atiram nos cães.
48
Ao ver crianças em bando
que passam rindo, por mim,
fico feliz relembrando
os bandos que tive assim.
49
Este mar de cara feia,
de adamastores e lendas,
é o mesmo que, à lua cheia,
recobre as praias de rendas.
50
Como é triste o olhar parado
que, das grades da prisão,
pensativo, o encarcerado
deixa livre na amplidão...
51
Em meu barraco de zinco,
sem ninguém, sem afeição,
eu deixo a porta sem trinco,
mas só entra a solidão.
52
O caminho preferido,
aquele que tem mais graça,
tem placa, de "Proibido",
mesmo assim a gente passa.
53
Essas vitórias compradas,
que a gente vê a granel,
são farsas mal disfarçadas,
desses heróis de papel.
54
O rio, com suas águas
correndo livres no leito,
parece zombar das mágoas
que trago presas no peito.
55
Eu rolo desde menino,
feito pedra sem parar...
Só Deus sabe que destino
meu destino há de me dar.
56
Vem, lua, pela vidraça
ver minhas noites vazias...
Um quarto frio, sem graça,
de um pobre joão sem marias.
57
Dás um jeito encantador
ao teu ciúme cruel;
misturas, no teu amor,
cicuta e favos de mel.
58
A rosa, com seus espinhos,
é bem feminina, quando
retribui nossos carinhos
envaidecida... e magoando.
59
Bebo, sim!... Quanto puder!
Pois vejo, ao fundo da taça,
tua graça de mulher
fazendo minha desgraça...
60
Felicidade fugaz...
Esperta como Saci ...
Por ela perdi a paz,
e sem paz eu me perdi.
61
Dos beijos, o mais terrível,
que assombrou povos inteiros,
por mais que pareça incrível,
custou só trinta dinheiros.
62
Sublimando a santidade
da mãe no doce mister,
o Verbo fez-se Verdade
no ventre de uma Mulher.
63
Vejo-te sempre rolando,
indo e vindo... Que aflição!
Responde, mar, até quando
viverás na indecisão?
64
Minhas vitórias, empenhos
em lutas cheias de agravos,
são pesadas como lenhos,
dolorosas como cravos.
65
Pobre mãe, sem despedida,
por ironia do fado,
deixaste, acabada a vida,
um crochê inacabado.
66
Lágrimas que afloram, quando
minha angústia se renova,
eu as enxugo, cantando,
ao calor de minha trova.
67
Deixei meu Norte e, feridos,
os coqueirais de atalaia
ouvem meus tristes gemidos
nos búzios de nossa praia.
68
Se a Fé montanhas remove,
como costumam dizer,
vamos à prova dos nove:
Removam, que eu quero ver.
69
Dai, Senhor, à criatura
deste mundo, enquanto é cedo,
um pouco mais de ternura,
um pouco menos de medo!...
70
Pedra verde da ilusão,
de mentiroso matiz,
foste a piedosa emoção
de um Bandeirante feliz.
71
Coração descompassado,
vai bater assim no Inferno:
se vives desgovernado,
eu também me desgoverno.
72
Mostrando ser feminina,
a praia ouve os segredos
que o mar, por trás da neblina,
conta baixinho aos rochedos.
73
Para alcançar o perdão
das maldades que te fiz,
andei de rastros no chão
e o próprio chão não me quis.
74
Dos teus olhos eu me esquivo,
para vencer a inquietude;
são pedras de fogo vivo
no caminho da virtude.
75
Vai-se o trem.. - Deixa a estação.
O silvo agudo é o sinal...
E uma lágrima no chão,
marcando um ponto final...
76
lnvejarei os rochedos,
sempre que o mar lhes disser
os mais preciosos segredos
do teu corpo de mulher.
77
Como um sino em hora morta,
após tantos dissabores,
meu coração bate à porta
de um cemitério de amores.
78
Se as vitórias têm um preço,
meu destino é muito avaro,
pois até as que mereço
são cobradas muito caro.
79
Ruge o vento!... Folhas soltas
arrancadas sem piedade;
são como pedras revoltas
castigando a tempestade.
80
Gotas de cera descendo
no derradeiro transporte...
Lágrimas tristes correndo
dos olhos frios da morte.
81
Que coisa, incrível, estranha!
Cansada de fazer dó!
A solidão me acompanha
com medo de ficar só.
82
No meu Carnaval desfeito
deixaste apenas um traço:
Hoje, bate no meu peito
um guizo do teu "palhaço".
83
Pedra a pedra vou erguendo
meu castelo de esperança...
Pobre sonho vai morrendo
como um sonho de criança.
84
Após cruentas batalhas,
quantas lágrimas fluíram,
umedecendo medalhas
de bravos que nunca as viram.
85
Com teu jeito assim brejeiro
de sinfonia concreta,
és o melhor travesseiro
para os sonhos de um poeta.
86
Vejo, perdido de amores,
por entre incertos meandros,
encantos enganadores
em teus olhinhos malandros.
87
Velho mar, ouve meu canto!
Vou contar-te minhas mágoas...
Há mais travor no meu pranto
do que sal nas tuas águas...
88
Sem amor, no torvelinho
de uma vida envolta em bruma,
de que me serve um caminho,
se não vou a parte alguma?
89
Quanto mais a vida passa,
mais rendo graças a Deus,
porque meus olhos sem graça
vivem da graça dos teus.
90
Não tenho lei nem vontade...
Discordarmos, para que?
Você é minha verdade...
Meu evangelho é você!
91
Espadachim, bossa nova,
com ares de trovador,
eu abro com minha trova
meu caminho ao teu amor.
92
Nesta incrível cabra-cega
não me adianta, ser ladino;
afinal sempre me pega
o chicote do destino.
93
Parte o navio... O apito
ecoa por todo o cais...
E na lágrima, que evito,
o medo de um "nunca mais".
94
Se as mulheres são tesouro
que os deuses deram à gente,
as que têm cabelos de ouro
valerão mais, certamente.
95
Rompe o sol pela janela
e meus olhos aturdidos
brindam à luz que revela
o teu corpo aos meus sentidos.
96
Na saudade que me arrasa,
como doridos harpejos,
ecoam na velha casa
acordes de antigos beijos...
97
Rosa negra, maculada,
por mãos estranhas colhida...
Sorris à beira da estrada,
chorando à beira da vida...
98
A vida... Que vale a vida?
Ela talvez nem me importe...
Pobre ampulheta invertida
nas mãos do Tempo e da Morte.
99
Para a incerteza do mar
a velha jangada avança...
E a esperança de voltar
fica, às vezes, na esperança...
100
Perdôa, mãe, porque sou
do teu desejo o contraste...
A vida não me ajudou
no sonho bom que sonhaste.
101
IN MEMORIAM a Renato Vieira. da Silva
Vai, Poeta, deslumbrado,
tu que soubeste entendê-las,
buscar no céu constelado
tua coroa de estrelas!
102
Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.
103
Quando, amorosas, nos pisam,
em sublime ditadura,
as mulheres escravizam
com desumana ternura.
104
Essa ternura em teus lábios,
quando me beijas, querida,
faz-me esquecer os ressábios
dos lábios frios da vida.
105
Chopin!... A tarde morrendo...
Prelúdios tristes, sombrios,
como lágrimas correndo
daqueles dedos esguios...
106
Rosas rubras, amarelas,
rosas de todo matiz,
não sois, por certo, mais belas
do que a Rosa que me quis.
107
Na estrada de Samaria,
por um gesto de bondade,
um homem bom construía
a própria imortalidade.
108
Nossa estória - grande anseio
de coisas inatingidas;
romance deixado a meio
no meio de duas vidas...
109
Vai a lua em serenata
pela noite andando ao léu,
triste boêmia, de prata,
pelas esquinas do céu.
110
O nome - por que dizê-lo?
da mulher, hoje esquecida.
Foi sonho... Foi pesadelo?
Ou, talvez, a própria vida?
111
Dois destinos paralelos,
na trilha de um só desejo,
são duas linhas de anelos
que se tocam pelo beijo.
112
Pelada, aos gritos, na rua...
Vidraça que se estilhaça...
"A minha, não, é a tua!"
E depois... a infância passa.
113
Pelo terror que a sublima,
pela incerteza que lança,
vejo a Rosa de Hiroshima
como a Rosa da Esperança...
114
Sentadinha aí defronte,
professorinha, conduzes
para as luzes do horizonte
meu horizonte sem luzes.
115
Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.
116
Quando uma lágrima desce
dos teus olhinhos levados,
Deus, no céu, sorrindo esquece
de castigar-te os pecados.
117
Sertanejo amargurado,
teu triste olhar me comove,
quando te vejo ajoelhado
pedindo chuva e não chove.
118
Teu amor - minha utopia ...
Esfinge dos meus fracassos ...
Pedaço de fantasia,
que se desfaz em pedaços.
119
Maroto, o sol se deleita
sobre o mar lá no horizonte:
um olho rubro que espreita
a praia nua defronte.
120
Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.
121
Bateram, fui ver. À toa...
Ninguém bateu... Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.
122
A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.
123
Alta noite... Um sino plange...
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.
124
Quando meus sonhos dispersos
o luar envolve e conduz,
eu me ponho a fazer versos
bebendo taças de luz...
125
De mãos dadas, lentamente,
vamos indo, aí, à toa...
Garoa molhando a gente...
Que bem me importa a garoa!...
126
Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.
127
Às vezes, a conjuntura
faz covardes destemidos.
Eu já vi muita bravura
por privação de sentidos.
128
As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões
129
Desprezando minhas queixas,
passando de andar felino,
deixas no rastro que deixas
o rastro do meu destino.
130
Um burro, ao filho imprudente,
ajuda, num bom conselho:
- Olha, filho, muita gente
não te serve como espelho...
131
Sob a blusa de baeta
um seio preto, mas franco,
e a ternura da Mãe-Preta
pelo filho do Nhô- Branco.
132
Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia
133
Vale de lágrimas, eis
o mundo que nos foi dado...
Tantas regras, tantas leis,
e... cada vez mais errado!
134
Destino, que a gente inculpa
e nos livra de embaraços,
em ti jogamos a culpa
dos nossos próprios fracassos.
135
Teu beijo tem tal ternura
e tal calor aparenta,
que sua temperatura
deve andar pelos quarenta.
136
Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.
137
Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.
138
A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.
139
Chuva que empoça no chão
e depois, em mudo anseio,
mostrando ter coração,
reflete o céu de onde veio.
140
Suave perfume de ajedras...
Luar, teus lábios, quietude...
Meu Deus do Céu, quantas pedras
no caminho da virtude!
141
Chica da Silva amorosa,
crioula terna e gentil,
canela tingindo a rosa
numa florada de abril!
142
Maria gosta de beijo
e diz que sente vergonha.
Maria, pelo que vejo,
tem é medo da cegonha.
143
0 meu barraco é tão pobre,
que a verdade, nua e crua,
é que meu corpo se cobre
com o manto branco da lua.
144
Sempre justa e compassiva,
sua vida foi tão breve...
Quando Mamãe era viva,
minha cruz era mais leve.
145
Garoa - tédio que desce
maçante, fina sem dó...
De tão miúda, parece
que é chuva desfeita em pó...
146
Quando uma lágrima aflora
em teus olhos muito azuis,
vejo a beleza da aurora
nessa gotinha de luz.
147
Chico-Rei, tua ternura
por teus irmãos de senzala,
a História, mística e pura,
fez justiça em exaltá-la.
148
Pela vida a gente avança,
não vamos sós, na verdade;
a nosso lado a esperança
vai arrastando a saudade.
149
Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.
150
Teu beijo é o determinismo
de milênios num segundo;
sensação rósea de abismo...
e o paraíso no fundo.
151
Hoje, triste, no meu canto,
revejo minhas memórias
e surpreende- me este pranto,
banhando antigas vitórias.
152
Se eu pudesse a meu destino,
dar um destino a meu jeito,
o meu mundo de menino
jamais seria desfeito.
153
Penetrantes, importunos,
belos no verde invulgar,
teus olhos são dois gatunos
das esmeraldas do mar.
154
Por que minutos felizes,
inconseqüente, me furtas,
quando tu mesma me dizes
que as horas boas são curtas?
155
Saudade, mágoa feliz
que vive em nossa lembrança;
tristeza que se bendiz,
quando se tem esperança.
156
A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.
157
Na incerteza dos caminhos,
eu, de revés em revés,
vou arrancando os espinhos
que vão ferindo meus pés.
158
Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.
159
Pensa na areia da praia
que o vento eleva e, em seguida,
deixa, de novo, que caia
no mesmo chão da subida.
160
Não tendo tua ternura,
mesmo assim, na solidão,
bendigo a luz que mistura
as nossas sombras no chão.
161
Desce a noite de mansinho,
vai a lua andando ao léu,
e eu, no céu do teu carinho,
nem sei se existe outro céu.
162
Rosa rubra, que extasia
pelo aroma e pela cor,
como pode, sendo fria,
transmitir tanto calor ?
163
Pede a esposa, de manhã,
quando sai o esposo cedo:
- Traze um novelo de lã
e eu vou contar-te um segredo.
164
Em desforra merecida,
porque me dá muitas sovas,
atiro pedras na vida
e minhas pedras são trovas.
165
No tempo do pelourinho,
da senzala e da tortura,
um artista, o Aleijadinho,
dava à pedra alma e ternura.
166
Um canário, engaiolado,
parece dizer, trinando:
- Abre isto aqui, desalmado,
eu não canto, estou chorando...
167
Quanta alegria me veio
em meu divagar tristonho,
ao vislumbrar o teu seio
por entre as rendas do sonho.
168
Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade;
fui lesado na medida,
no preço e na qualidade.
169
Descrente, em meu infortúnio,
quando a esperança ainda insiste,
eu faço do plenilúnio
a fantasia de um triste...
170
Gosto de ouvir as cigarras
pelas tardes estivais,
como se fossem guitarras
acompanhando meus ais.
171
Quanto parvo não se cansa
de inventar as próprias glórias
e procura um Sancho Pança
para aplaudir-lhe as vitórias.
172
Por temor à solidão,
em sua humildade impura,
a poça d'água no chão
guarda estrelas com ternura.
173
Se o mar, em fúria bravia,
se arremessa contra a praia,
o vento corre e assovia,
cobrindo o bruto de vaia.
174
Se acaso o amor se embaraça
na armadilha do ciúme,
vê presença de fumaça
em fogo de vagalume.
175
Quem seus segredos revela,
sem pensar, a qualquer um,
é porteira sem tramela,
não tem segredo nenhum
176
Lembra o céu, que a noite enleia
com silêncios inquietantes,
praia estranha, escura e cheia
de conchinhas cintilantes.
177
Mercadora de ternuras,
vendes, dourando o sorriso,
em teu balcão de amarguras,
fatias do paraíso.
178
Apitos... último trem
cortando a minha cidade.
E esta lágrima que vem,
antecipando a saudade,.
179
Ternura! Quanta em meu peito,
sinto agora deslumbrado,
quando meu filho, homem feito,
beija meu rosto cansado.
180
A justiça com brandura
nosso bom senso bendiz;
também pode haver ternura
na mão firme de um juiz .
181
Uma lágrima em teu rosto
traz- me, de pronto, o desejo
de amenizar teu desgosto,
enxugando-a no meu beijo.
182
Chego ao fim, devagarinho,
e, uma a uma, as pedras somo;
foram muitas no caminho...
e as transpus sem saber como.
183
Papai Noel - o segredo
mais risonho da Esperança;
o mais bonito brinquedo
no sonho azul da criança.
184
Minha vida, trajetória
de uma lágrima perdida,
foi apenas uma estória
tentando imitar a vida.
185
Eu vi a Felicidade,
toquei-a até com meus dedos...
Vi, sim, mamãe, é verdade,
numa loja de brinquedos!...
186
Meu caminho é como a estrada
destinada a caminhão ,
e sou lambreta parada
no escuro e na contra-mão.
187
Surge o sol, compondo o jogo
das manhãs iluminadas...
Imenso rubi de fogo
no engaste das alvoradas,
188
Estas lágrimas que choro,
e você faz que não vê.
são tudo o que mais deploro,
porque as choro por você.
189
Ouve, mãe: já não contenho
esta saudade insofrida;
deste-me a vida que tenho
e não posso dar- te a vida.
190
Tenho lágrimas rolando
em dolorosas reprises...
Reticências terminando
alguns momentos felizes..
191
Emocionado e feliz,
ao vê-la altiva e formosa,
tenho pena da raiz
que não pode ver a rosa.
192
0 mundo lança-te apodos
e te aponta com desdém,
porque teu beijo é de todos
e tu não és de ninguém.
193
Receio a felicidade,
não quero ter as estrelas,
sofreria de ansiedade
pelo temor de perdê-las.
194
Quantas lágrimas vertidas,
por motivos sem motivos,
transformaram tantas vidas
em vidas de mortos-vivos.
195
Eu penso, quando tu passas,
alegre, de manhãzinha,
Nossa Senhora das Graças
deve ser tua madrinha.
196
Teus olhos cheios de enganos,
de promessas, de meiguice,
são mensageiros profanos
na paz de minha velhice.
197
Eu fiquei penalizado,
ao ver-te passar, depois,
sem viço, de olhar cansado,
com saudade de nós dois.
198
Eis o fim, penoso... amargo...
que eu tanto e tanto temia.
indiferença... letargo...
nosso amor em agonia.
199
Andando por entre escombros
dos meus sonhos - os mais belos -
vou levando sobre os ombros
as pedras dos meus castelos.
200
Vendo a praia enluarada,
eu paro e penso contrito:
Uma concha nacarada
guardando a luz do Infinito!
201
Vou por aí à procura
- quem sabe alguém a perdeu?
de um pouquinho de ternura
que a vida nunca me deu...
202
Minhas penas são apenas
simples calvários sem cruz;
penas leves como penas,
se as comparo às de Jesus.
203
... e sigo a vida cantando
cantigas da minha vida,
cantigas que vou cantando
para encanto desta vida...
204
Arde o sertão... Sol a pino!
E a mãe, que a mágoa consome,
soluça a ver seu menino
mastigando a própria fome
205
Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade.
- Fui roubado na medida,
no preço e na qualidade.
206
Ao ver teus olhos em pranto,     (Menção Honrosa em Niterói - 1975)
sem a alegria travessa,
meu orgulho pesou tanto
que curvou minha cabeça...

207
O Boto, no igarapé,
ao ver as cunhãs no banho,      (8º lugar em Ribeirão Preto - 1975)
se põe de "zoreia" em pé
e um "zóio" deste tamanho!
208
O tilintar do dinheiro
tem o mérito travesso
de mostrar ao mundo inteiro        (2º lugar Rotary Club de Madureira/RJ - 1970)
que o mundo inteiro tem preço...

TROVAS DE BOM HUMOR
01
Foi um vexame. O marido,
quando a mulher o traiu,
ficou tão enfurecido
que, em vez de gritar, mugiu!
02
Fui ao forró distraído...              (premiada em Sete Lagoas - 1982)
Filomena me sorriu.
Eu não lhe vi o marido...
Mas o marido me viu!
03
Se sua mulher é boa
mas, boa de ponta a ponta,          (9º lugar em Cachoeiras de Macacu - 1976)
não a deixe aí, à-toa,
traz aqui, que eu tomo conta!
04

Quando a mulher do vizinho
cruza contigo na rua,
diz o demônio, baixinho:
- Esta é melhor do que a tua!