O POETA ENFRENTA UM EDITOR

(texto do Prof. Pedro Mello, "Magnífico Trovador" da UBT São Paulo)

 
            Chamemos o nosso personagem de X. X era poeta e, embora tivesse maior propensão à poesia, também arriscava seus contos a cada morte de Papa. Aliás, com esse negócio de ex-Papa vivo, aí é que seus contos ficaram ainda mais raros.

            Como Literatura não dá dinheiro, a não ser para Paulo Coelho, X precisava trabalhar, como qualquer pessoa normal, mesmo sem gostar. Seu trabalho era chato, maçante, desmotivador, opressivo e seus caraminguás lhe obrigavam levar uma vida regrada e parcimoniosa, para desespero da marida, que, contrariando o espírito feminino, gostava de gastar bastante: do dinheiro dela e do dele... Entre idas e vindas do trabalho, X conheceu um editor.

            O editor conhecia apenas o X profissional, nem poderia imaginá-lo poeta, ainda mais membro da mais notória desconhecida agremiação de poetas do Brasil, que reunia la crème de la crème dos melhores entre os poetas invisíveis de sua terra. O editor, a quem chamaremos de Z, nem poderia imaginar a grande reputação de X entre os seus companheiros de letras. Z nem sonhava estar diante de uma celebridade anônima.

            Até que um dia, entre conversas e cervejas, X falou a Z sobre o seu lado B. Z, como todo bom editor, tratou de jogar um balde de água fria em X:

- Você sabe que poesia não vende, não é?’

X não era bobo e respondeu:
- Eu sei disso. Mas não tenho pretensões.

Z, muito cordial, lhe disse:
- Você tem alguma cópia dos seus escritos aí?

            X nunca imaginou que ouviria essa pergunta de um editor. Tinha um volume encadernado com uma seleta dos versos, o melhor do que escrevera e compilara para levar a uma editora e lançar com seus próprios recursos. Mas sempre deixava o volume no banco de trás do seu carro e até se esquecia dele. Tinha medo de uma recusa, mesmo pagando.

           Agora, diante de Z, era a primeira vez que X saía da toca. Só divulgava o que escrevia entre os seus pares da Academia, porque lá o aplauso era certo. Afinal, asinus asinum fricat. Jamais correu riscos. Era respeitadíssimo entre os seus confrades e isso era tão bom...

- Vamos lá, homem! O que você tem a perder? Tem medo da minha crítica?

- Você não vai acreditar, mas tenho uma cópia dos meus poemas aqui no banco de trás.

- Então me empreste. Assim que terminar de ler eu devolvo.

          X nem conseguiu dormir direito por vários dias. Quando dormia, logo sonhava que estava na televisão, sendo entrevistado no Programa do Jô ou pela Marília Gabriela. Imaginava que perguntas eles fariam sobre seus versos, elogiando sua maestria no trato do verso decassílabo, do alexandrino ou das redondilhas maiores, de sua predileção. Imaginava-se divulgando os grandes feitos de sua entidade fantasma, que, devido a essa publicidade, ganharia novos membros no Brasil inteiro e teria a porta aberta para se apresentar na TV e promover-se em colunas dos grandes jornais. Suas festas literárias seriam cobertas pela revista Caras!

          X tinha dois romances inéditos, que poderiam ser publicados pela Companhia das Letras! Imaginou-se disputado por dezenas de leitores na Festa Literária Internacional de Paraty, dando autógrafos até doer a mão... Quem sabe até entraria para a Academia Brasileira de Letras? Tinha muita vontade de conhecer pessoalmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em quem tinha votado as duas vezes...

          Uma semana depois, Z lhe manda uma mensagem no celular convidando-o para tomarem um chope em Copacabana.

          X conseguiu disfarçar a ansiedade e deu uma de joão-sem-braço:
- Você conseguiu uma vaga de revisor para mim na editora?

- Quase, amigão, quase... mas não é sobre isso que vim conversar com você. É sobre os seus poemas.

- Você gostou deles?

- Olha, X, eu vou ser sincero. Achei seus poemas monotemáticos.

- Monotemáticos?

- Sim. Você só fala de amor, saudade, solidão, ciúme, abandono, angústia... só fala de dor-de-cotovelo, cara!

          X ficou murcho.

- Gostei das suas imagens, das suas metáforas, da sua técnica. Você tem um excelente domínio de versificação. Apreciei muito os seus sonetos, mas você só fala da mesma coisa. Para isso, já tem a música sertaneja e o pagode.

- Música sertaneja e pagode?

- É. Você já reparou que os sertanejos e os pagodeiros só falam da mesma coisa? Amor, amor, amor... Isso cansa! Coração rima com paixão, amor rima com dor, saudade rima com invade, triste rima com existe, despedida com vida, alma com calma, esperança com criança, infância com distância... e você repete todos esses cacoetes! É uma enxurrada de clichês. Você precisa mudar de temática.

            - Mudar de temática?

            - Exatamente! Dezenas de volumes encadernados de poesia vão para a reciclagem toda semana na editora.

            - Sério?

            - Sim. E todos com o mesmo ramerrão: saudade, solidão, ciúme, amor, tristeza, devaneio, sonho... alguns tentam fazer sociologia barata e apelam para criança de rua, pobreza, fome, miséria... Outros navegam na onda da sustentabilidade e fazem poemas de cunho ecológico... isso sem contar nos fanáticos que só falam de Deus, das “belezas da criação” ou de suas crenças na imortalidade... E outro filão: os que escrevem versos de cunho moral, transmitindo “lições de vida”, otimismo ou virtudes...

            - E agora, o que eu faço?

            - Siga meu conselho: seja criativo e explore outros temas. Esses já estão superados: palavra de editor! Busque outros assuntos! Renove-se! Fuja do lugar-comum!

            Depois do chope, X voltou meio sem rumo para o seu apartamento. Guardou todos os escritos num velho baú herdado de sua vó, tomou um lexotan e foi dormir.

            Era melhor se esquecer da literatura: se não tinha dom para ser original, era melhor procurar outro hobby.

            Ia fazer jardinagem. Plantar flores não requer criatividade.