José Ouverney

     DILEMA FILHO DA MÃE!

 

Existe mãe sem filho?  É o que pergunto.

Tudo porque uma dúvida peralta,

com poses libertinas chega e assalta

os mananciais deste cristão bestunto.

 

A religião é aquele eterno assunto

que recoloca em baixa estima a alta,

porque o excesso também leva à falta,

desfigurando a essência do conjunto.

 

Mas, reportando ao inicial dilema,

por isso eu não discuto religião:

minha ousadia não se presta a tanto;

 

o acento foge à ‘ideia” e engole o trema:

se o santo, em alguns "centros", é invenção,

em outros, quem dá carta é a “mãe de santo”!
(composto em 02.05.2010)
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    SER OU NÃO SER... IMORTAL  

 

Um sonho que acompanha o literato

é ser chamado a fazer parte, um dia,

do quadro de “Imortais’ da Academia,

com coquetel, discurso e aparato!

 

Um “Imortal”!  Meu Deus, quanta honraria!

Mas, contrariando o alardeado, há um fato:

o título lhe vem por comodato,

que cessa o efeito... se a “matéria” esfria.

 

E quando a infausta hora é enfim chegada,

sua cadeira é logo repassada,

velhos assentos ganham novos “donos”...

 

O que faz crer – ferindo os manuais –

que em toda Academia os “Imortais”,

únicos “Imortais”... são os Patronos!
(composto em 03.11.2008)

 

NOSTALGIA (I) 19/10/2000 (1º lugar Pouso Alegre 2008)

 

Desmaia a tarde e a sorrateira brisa,

varanda a dentro, lépida e frugal,

a beliscar meu peito sem camisa

vai desenhando um gesto sensual.

 

Em lenta despedida o sol desliza,

jorrando sangue sobre o bambual,

e a lua acende a lâmpada, indecisa,

tremeluzindo sobre o meu quintal.

 

Um pouco mais de espera e surge a noite:

a casa, de repente, tão vazia,

desperta a minha lúdica ansiedade;

 

e o beliscar da brisa vira açoite,

notadamente quando a nostalgia

bate no peito, e acorda esta saudade!...

 

 

 

O SINAL (1º. lugar em Pouso Alegre em 2003)

 

Absorto, incompreendido em seu dilema,

a questionar o próprio potencial,

ele costura nova estrofe ao tema,

lendo-a em voz alta, ríspido e formal;

 

carente de um melhor estratagema

que faça a inspiração dar-lhe um sinal,

navega horas a fio no poema,

à procura do enfoque original;

 

gosta, desgosta... Tira e põe remendo...

(Ah, esses poetas que eu jamais entendo!)

Lança outro olhar ao rasurado texto;

 

por fim, como a extirpar o próprio ser,

cético, arranca a página, a sofrer,

amassa a "obra-prima" e "zás"... no cesto!...


COMENTÁRIOS:

01 - É, José!  Como consegues dizer tanto, com tão poucas palavras, que conseguem atingir o fundo do coração, retratando o drama de quem escreve e custa a achar a palavra conveniente, aquela que diga de fato o que se quer dizer, que caiba no ritmo, na rima? Abraços por este belo soneto! Diamantino, tinoferri@ig.com.br Em 13/06/08.

 

Oi Ouverney! Entrou direitinho no âmago da questão, hein? Exatamente o que acontece quando a gente quer escrever e a famigerada inspiração se põe no pico de um ponto incessível, somente acenando de longe, como quem diz: "Venha me buscar, ué!" Achei o máximo, como aliás, tudo o que a sua musa o faz produzir. Parabéns e abraços/Dorothy J. Moretti, em 13.06.2008.

 

Claro, se foi escolhido por peritos de grande estirpe,
não nos resta mais nada a falar (leigos). Mas me deixa falar com a alma,
com o coração, com minhas emoções: Já li tudo de Pessoa, Vinícius
E outros “cobras”, mas esse soneto tem algo mais gostoso,
mágico...sabe aquela canção que a gente escuta e, sem perceber
você começa a dançar?...Primeiro você foi lá nas entranhas do
poeta e arrancou a essência, deu vida, colocou música e o fez
bailar sob o fogo cruzado da emoção X razão.
Parabéns mestre!

Verônica, 30/06/2008.