Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge
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(transcrito do site www.jgaraujo.com.br)
Lilinha Fernandes
-No II Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado em S. Paulo, em
setembro de 1960, Lilinha Fernandes foi aclamada “Rainha da Trova Brasileira”-
Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva
- mais conhecida por LILINHA FERNANDES -
nasceu no Cachambi (Meyer), Rio de Janeiro, num dia 24 de agosto.
Foram seus pais:José Lourenço Guimarães Fernandes (português)
e Francisca Julieta Guimarães Fernandes (brasileira).
Ele foi poeta, cantava e compunha; ela foi pianista.
Lilinha Fernandes passou a infância no Meyer, onde fez o curso primário em escola pública.
Completou seus estudos com o professor Oscar Senachal de Gofredo.
Estudou música e piano com sua mãe. Aprendeu sozinha violão e bandorrino
- instrumento de invenção de seu marido - Heitor Ribeiro da Silva.
Compôs várias canções, valsas, choros, etc., para piano e bandorrino.
Foi afamada a canção de Leonel de Azevedo e J. Cascata, com letra de sua
autoria: "Escravo do Amor", gravada pelo cantor Orlando Silva.
Mais antiga ainda é: "Beijo Fatal", sua primeira canção com música popular do Norte.
"Aquele beijo apaixonado, prolongado,
que tu me deste ao luar."
Foi a sua primeira letra. E a canção correu pelo Brasil e chegou até Portugal.
Lilinha Fernandes começou a fazer trovas antes dos oito anos.
E as compõe até hoje com brilho e inspiração. Quando bem moça, escreveu muitas
poesias infantis que foram publicadas durante anos em "O Tico-Tico".
Colaborou assiduamente, entre outros, nos seguintes jornais e revistas:
"O Malho", "Revista Souza Cruz", "Beira-Mar", "Jornal das Moças". “Capichaba”, "A Gazeta",etc.
Apesar de possuir inspiração fértil, conservou os seus livros inéditos por muitos anos.
Somente em 1952, com filhos e netos, é que publicou o primeiro livro: "Flores Agrestes",
composto de sonetos. No ano a seguir, apareceu o volume de trovas "Contas Perdidas",
e em 1954 "Appoggiaturas" (sonetilhos).
Seus livros tiveram excelente acolhida pela crítica, poetas e leitores.
Assim, o poeta Jorge de Lima escreveu: "Parabéns, primorosa poetisa que,
com seu fino estro, fez um buquê de "Flores Agrestes". O grande trovador
Adelmar Tavares assim se manifestou:
" ...tendo em muitas delas de repetir a leitura para que meu ouvido bebesse
todo o encantamento. Você é uma trovadora. Parabéns"
E Agripino Grieco escreveu:
“...suas trovas, ilustre patrícia, são das melhores que se escreveram no
Brasil nos últimos tempos”
E assim dezenas de poetas e escritores ilustres tiveram palavras de louvor para a sua Poesia.
* * *
Conheci Lilinha Fernandes em circunstâncias curiosas. Ai por volta de 1950,
quando estava organizando o livro "Meus Irmãos, os Trovadores", comecei a
ler algumas de suas trovas na Imprensa. Por não conhecê-la, nem alguém que
me desse informações suas, comecei a desconfiar que fosse trovadora portuguesa.
Essa suspeita aumentou quando, em 1951, o programa radiofônico do poeta
Álvaro Moreira, “Conversa em Família” pela Rádio Globo, convidou-me para uma
visita, a fim de palestrar sobre trovas e trovadores. O "tio Álvaro" tinha
como sobrinhos Helena Ferraz (Álvaro Armando), Raul Bruniní, Rubens Amaral e
Sérgio de Oliveira. Constituíam uma família alegre e hospitaleira! Depois de
duas visitas minhas, acompanhado de outros trovadores como Albano Lopes de
Almeida, Ciro Vieira da Cunha, João Felício dos Santos, Eva Reis, Petrarca
Maranhão, recebi da Rádio Globo um telefonema em que me comunicava ter recebido
certo embrulho que um ouvinte havia encontrado na rua e como era constituído
de páginas com trovas manuscritas, queria entregar-me o volume. No meio de
uma porção de quadras portuguesas de Antonio Correia de Oliveira, Silva Tavares,
Augusto Gil, João Grave, estavam muitas de Lilinha Fernandes.
Daí ter concluído falsamente que deveria ser mesmo trovadora portuguesa.
Resolvi escrever para "A Gazeta" e "Vida Capixaba" de Vitória, onde continuava
a ler com freqüência bonitas trovas de Lilinha. E, na mesma ocasião, a
"Conversa em Família" começou a irradiar trabalhos dessa autora.
Fiz um pedido ao "tio Álvaro" que divulgasse pelo Rádio o meu interesse em
saber o endereço daquela poetisa. E assim, pela Imprensa de Vitória e pela
Rádio Globo, do Rio, vim a saber que Lilinha Fernandes não era portuguesa
mas, sim, brasileira e quase minha vizinha...
Vivendo para o Lar, seus filhos e netos, Lilinha Fernandes compunha muitas
trovas, mas as divulgava relativamente pouco. Depois de conhecê-la
pessoalmente, tomei melhor contato com sua obra ainda inédita, tornando-me
um sincero admirador de seus dons extraordinários de trovadora.
Procurei incentivá-la, escrevendo sobre a autora e divulgando as suas trovas
pelo Brasil e Portugal. Certa ocasião, escrevi de maneira um tanto humorística,
mas com uma base profundamente verdadeira:
"Lilinha Fernandes é o Adelmar Tavares de saias..."
frase em que a poetisa achou muita graça, mas que guardou ternamente em seu coração.
Em outra oportunidade, declarei:
"É a expressão máxima, feminina, da trova brasileira."
Devida a estas e outras manifestações carinhosas às suas trovas, disse-me
modestamente certo dia:
"Nunca pensei que elas valessem alguma coisa..."
* * *
Digam os leitores se valem . . . Leiam as cem trovas destas páginas e dêem a
resposta. Que eu por mim há muito já respondi...
Mas não são apenas as cem encontradas neste livrinho que valem alguma coisa.
.. Vejam esta de fundo cristão:
"Eu comparo o arrependido
que o perdão vê numa cruz,
ao viandante perdido
que avista, ao longe uma luz."
E esta, conceituosa, com uma imagem tão sugestiva:
"Da tua vida a viagem
se é triste o pintor imita,
que da mais tosca paisagem
faz a tela mais bonita!"
O lirismo de Lilinha Fernandes é contagioso e encantador.
Muitas de suas quadras são amorosas, delicadas.
Esta, por exemplo:
"Era outro o teu caminho...
Quiseste, por gosto, errar.
Por que entraste em meu cantinho,
se não podias ficar?"
Seu amor à trova originou esta concepção carinhosa:
"A trova sorri e chora.
Possui encanto divino.
Criou-a Nossa Senhora
pra embalar o Deus-menino."
Esta outra tem um cunho brejeiro, mordaz:
"Ventura, é coisa sabida,
seja muita ou seja escassa,
se não for interrompida
perde a metade da graça."
Vejam, finalmente, o quanto vale a espontaneidade,
a harmonia, o lirismo, a feminilidade destas duas trovas;
"Um pelo outro, passamos,
com os olhos fitos no chão...
_ Mas, com que ardor nos olhamos
com os olhos do coração!"
"Zangaste. Fiquei zangada.
E eu que fui a ofendida,
que chorei, sem dizer nada,
é que estou arrependida."
Tenho a certeza de que aqueles que já conheciam as trovas de
Lilinha Fernandes aplaudirão a escolha que fizemos de seu nome
para abrir a Coleção "Trovadores Brasileiros"; e os que ainda
não a conheciam, ficarão satisfeitos com a oportunidade que tiveram
de entrar em contato com estas trovas inspiradas e bem feitas,
melodiosas e singelas, que hão de colocar a autora entre os mais
destacados trovadores da língua portuguesa.
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Cem Trovas de
Lilinha Fernandes
* * *
n.01 n.02
Do pomar da poesia, Desejei fogo atear
os frutos que você trouxe, ao mundo por onde trilho
coube à trova a primazia vendo uma cega indagar
por ser menor e mais doce. como era o rosto do filho.
n.03 n.04
Tua ironia maldosa, Feliz nunca fui! Sem crença,
do amor não apaga o lume: procuro a felicidade,
procura esmagar a rosa, como o cego de nascença
vê se não fica o perfume. que quer ver a claridade.
n.05 n.06
" Que levas tu na mochila?" Quando tu passas na estrada
Diz ao corcunda um peralta. dentro de casa adivinho:
E o corcunda: - "A alma tranqüila é teu passo uma toada
e a educação que te falta." musicando teu caminho
n.07 n.08
São meus ouvidos dois ninhos Na velha igreja te ouço
onde guardo, ao meu sabor, sino alegre... Estás dizendo
um bando de passarinhos!... que há muito coração moço
- Tuas mentiras de amor em peito velho batendo.
n.09 n.10
"Eu não bebia...te juro! Se ouvisse o homem da terra,
Beijei-te, então, podes crer: de Deus o conselho amigo,
foi teu beijo, vinho impuro, em vez de campos de guerra
que me ensinou a beber." faria campos de trigo.
n.11 n.12
Velho em trajes de rapaz Que o mundo acabe, no fundo,
dá a impressão, diz o povo, não me causa dissabor,
de um livro antigo demais pois vivo fora do mundo,
encadernado de novo. no mundo do meu amor.
n.13 n.14
Amanhece... Vibra a terra! Vejo teu rosto, formosa,
O sol que em ouro reluz, e o corpo - graça profana -
sai da garganta da serra como se visse uma rosa
como uma trova de luz! num jarro de porcelana.
n.15 n.16
Chorei na infância sofrida No trabalho em que me escudo,
para na roda ir cantar. lutando para viver,
Hoje, na roda da vida, tenho tempo para tudo,
eu canto pra não chorar. menos pra te esquecer.
n.17 n.18
O mar que geme e palpita Minha netinha embalando,
no seu tormento profundo, da alegria sigo os passos.
é uma lágrima infinita Julgo-me o Inverno cantando
que Deus chorou sobre o mundo com a Primavera nos braços.
n.19 n.20
A modéstia não se ostenta, Dei-te amor sem falsidade.
se esconde e é pressentida: - Uma floresta de amor!
a presunção se apresenta E tu, só por crueldade
e passa despercebida. te fizeste lenhador.
n.21 n.22
Sofres no céu, Mãe querida, Minhas netas. sempre rindo,
sentindo, ao ver minha sorte, são meu alegre evangelho.
que me pudeste dar a vida Musgo verde revestindo
e não me podes dar a morte! de esperança, um muro velho.
n.23 n.24
A inveja dorme na rede Sempre a tristeza se espanta
da Injustiça, sua amiga; e se amenizam cansaços,
do Mal se alimenta, e a sede tendo trovas na garganta
mata na fonte da Intriga. e uma viola nos braços
n.25 n.26
Quem não tem ouro disperso, Partiste... Ficou-me na alma
nem prata velha na mão, tua voz suave e pura...
paga com o níquel do verso -Ave a cantar sobre a calma
as contas do coração. da mais triste sepultura.
n.27 n.28
A aurora corou de pejo Num vôo de pomba mansa,
naquele claro arrebol, quisera ir ao céu saber
sentindo na face o beijo qual o crime da criança
da boca rubra do Sol. que é condenada ao nascer.
n.29 n.30
Ao amor fiel, que não minta, É assim a boca do mundo
a palavra injuriosa que vigia nossas portas:
é como um borrão de tinta esconde nossos triunfos,
manchando tela famosa. propala nossas derrotas.
n.31 n.32
Se te vais, que dor imensa! Que eu tive felicidade,
Mas se vens, meu grande amor, minha saudade vos diz,
ante a tua indiferença pois só pode ter saudade
cresce mais a minha dor. quem já foi muito feliz!
n.33 n.34
O tempo passa voando... Amei e não fui amada...
Mentira, posso jurar. Minha alma encheu-se de dor.
Se estou meu bem esperando, E fui tão desventurada
como ele custa a passar! que não morri desse amor.
n.35 n.36
Como é um facho de luz, A um cego alguém perguntou
fosse de madeira a trova, Vendo-o só: - Que é de teu guia?
eu mesma faria a cruz E ele sorrindo mostrou
que irá marcar minha cova. a crus que ao peito trazia.
n.37 n.38
Abelha que o favo prova Pra que acender a candeia
é o trovador - velho ou novo - da minha choça? Pra quê?
fabricando o mel da trova Basta a luz que me incendeia
que adoça a boca do povo. que há nos olhos de você.
n.39 n.40
A cordilheira hoje à tarde, Sua cruz que eu sei pesada,
de um verde claro e bonito, minha mãe leva sozinha.
era um colar de esmeraldas Mesmo assim, velha e cansada,
no pescoço do infinito. me ajuda a levar a minha.
n.41 n.42
Minhas trovas sem beleza, Que bom quando todos deixam
se as dizes, são divinais! na casa o silêncio agir,
Só por isso, com certeza, e os dedos do sono fecham
elas serão imortais. meus olhos, para eu dormir .
n.43 n.44
Por te amar de alma inditosa, Morreu o abade. O terror
não quero paga alguma: do pecado, o clero invade:
o vento desfolha a rosa, era uma trova de amor
mesmo assim ela perfuma. o escapulário do abade.
n.45 n.46
Minha casa pobre, é rica! Num beijo fez-se imortal
Mesmo no escuro tem brilhos, o nosso amor sem ressábios:
porque o amor a santifica, um romance original
porque a iluminam meus filhos. escrito por quatro lábios.
n.47 n.48
A trova é a alma da gente Vida e morte vão andando
desventura ou feliz. no mesmo campo a lutar.
Em quatro versos somente, A primeira semeando,
quanta coisa a gente diz! para a segunda ceifar.
n.49 n.50
Pra que eu te esqueça, não tenhas De idéias velhas ou novas,
confiança em teu desdém : eu faço trovas também.
quanto mais de mim desdenhas, Quem gosta de fazer trovas,
quanto mais te quero bem. nunca faz mal a ninguém.
n.51 n.52
Não me odeias nem me queres... Da morta felicidade
Meu Deus! Que tortura imensa ! guarda a saudade dorida,
Mais do que o ódio, as mulheres pois quem tem uma saudade
detestam a indiferença. tem muita coisa na vida.
n.53 n.54
Não peço um prazer sequer Eu canto quando a saudade
à vida que à dor se iguala. me fere com seu desdém.
Já faz muito se me der O canto é a modalidade
coragem pra suportá-la. mais bela que o pranto tem.
n.55 n.56
A definição exata Para rimar com teu nome,
do remorso, está patente: que é do céu obra-prima,
fino punhal que não mata mãe, não existe um vocábulo!
mas tira a vida da gente. Nem mesmo Deus achou rima.
n.57 n.58
Saudade é mesmo como fado Meu amor foi acabando...
lembrando quem vive ausente: Mas a saudade chegou :
é um suspiro do passado chuva boa refrescando
na garganta do presente. o chão que o sol causticou.
n.59 n.60
És de beleza um portento, No meu viver triste e escuro,
no perfil, nas formas puras. na minha sede de amar,
Mas beleza sem talento és aquele que eu procuro
é um palácio às escuras. e não me quer encontrar.
n.61 n.62
Meus filhos!... Minha alegria! Pensei fazer um feitiço
Dentro da minha pobreza, para esquecer-te, mas vi
nunca pensei ter um dia que de tanto pensar nisso
tão opulenta riqueza ! é que penso mais em ti.
n.63 n.64
Nunca maldigas teu fado. Mãe: nem um tálamo nobre
Confia em Deus, firmemente. esquecerei, sem mentir,
O arvoredo mais copado aquele bercinho pobre
Já foi humilde semente. que embalavas pra eu dormir.
n.65 n.66
Todo amante, em sua lida, Mãe: por mais que um filho aprenda,
o espinho chama de flor, sempre esquece que sois vós
porque a verdade da vida a única fonte de renda
é a mentira do amor. que paga imposto por nós.
n.67 n.68
Quem é do dever escravo Embora em própria defesa,
e não faz coisas a esmo, é réu quem vida destrói.
pode dizer que é um bravo Mas na guerra, que tristeza!
e o próprio rei de si mesmo quem mata se chama herói.
n.69 n.70
Na tua fronte bendita Do nosso amor acabado
dei um beijo, mãe querida! não pode esquecer a gente,
Foi a trova mais bonita porque a saudade é o passado
que já fiz em minha vida. que nunca sai do presente.
n.71 n.72
Quem vive, em casa ou nas ruas, Felicidade... Sonhá-la
chagas alheias curando, é um mal de fundas raízes.
nem se apercebe que as suas O desejo de encontrá-la
foram sozinhas fechando. é que nos faz infelizes.
n.73 n.74
Manhã. O Sol é um botão Esperança, és bandoleira,
de fina prata dourada, mas és também sol doirado,
abotoando o roupão de luz a única esteira
todo azul da madrugada na cela de um condenado
n.75 n.76
Há muita gente cativa Quem - seja nobre ou plebeu -
neste mundo, como eu, no Bem sua vida encerra,
que vive porque está viva, sem estar dentro do céu,
no entanto, nunca viveu. está acima da terra.
n.77 n.78
De vergonha não se peja Cantas! Minha alma te aprova
quem em sua última viagem, e eu choro - que coisa louca! -
o Ódio, o Remorso e a Inveja querendo ser uma trova
não levam em sua bagagem. para andar em tua boca.
n.79 n.80
Lua e Saudade - rendeiras Pra quem é mãe não existe
da dor que com a ausência vem - bem de mais funda raiz,
se vós não sois brasileiras, que o viver sempre triste,
pátria não tendes também. mas ver seu filho feliz.
n.81 n.82
"A traição é a própria vida" Chamas-me louca e eu não chamo
É a violeta que assim fala infamante a tua boca.
porque se esconde e é traída Quem ama como eu te amo
pelo perfume que exala é muito mais do que louca.
n.83 n.84
Para ingratos trabalhando, O vento que atroz zunia,
de santo prazer me inundo, queria a noite açoitar;
pois, perdendo vou ganhando e a noite, calma, dormia
a maior glória do mundo. no regaço do luar.
n.85 n.86
O amor que brinca com a sorte, Procurar-te, eu? que loucura!
que é sempre chama incendida, Olha, eu te vou confessar:
é o que vai além da morte ! de mim mesma ando à procura
- Não há dois em toda vida ! e não consigo me acha.
n.87 n.88
De Cornélia, as jóias caras, Esses teus olhos rasgados,
vêm ao pensamento meu muito azuis, muito leais,
quando vejo outras mais raras: são miosótis deitados
as netas que Deus me deu. em vasos originais.
n.89 n.90
Podem subir os felizes! Do orgulho, conforme vês,
Agarro-me ao solo, em festa. tenho opinião formada :
- Se não fossem as raízes, é a senhora estupidez
que seria da floresta ? com presunção de educada.
n.91 n.92
Pela saudade ferida, Se o bem não podes fazer,
minha musa se renova! o mal não faças também,
E eu abro o livro da vida que o bem já faz sem saber,
e escrevo nele uma trova. quem não faz mal a ninguém.
n.93 n.94
É a trova em seu natural, Do violão o segredo
mordaz, alegre ou dolente, de imitar os passarinhos,
lindo trecho musical é já ter sido arvoredo
de quatro notas somente. e abrigar muitos ninhos.
n.95 n.96
Dizem que o amor é feitiço, Sem ti que treva cerrada
é mágoa, alegria e dor. pelos caminhos que trilho!
- Mas se amor não fosse isso, Sou como a Lua apagada
que graça teria o amor ? que, sem o Sol, não tem brilho.
n.97 n.98
Morre o poeta. Em oração Se a trova faz suicidas,
se escutam vozes bizarras. não sou eu quem a reprova.
- É a missa que as cigarras - Vale um trova mil vidas!
celebram por seu irmão. Não vale a vida uma trova!
n.99 n.100
Noel exclamou pesaroso Quisera, de idéia nova
vendo a cidade: - Jesus! de teu amor presa aos laços
Quanto cartaz luminoso fazendo a última trova,
e quanto teto sem luz ! morrer feliz em teus braços.
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959