Coleção “Trovadores Brasileiros” (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge
Archimimo Lapagesse
Introdução de Luiz Otavio
Os JOGOS FLORAIS – competição poética seguida de festas, mais antiga
que o nosso país, teve a sua origem entre os trovadores Provençais, na
cidade de Toulouse em 1323. A História ainda guarda os nomes, dos seus
iniciadores, ou seja,dos primeiros Sete Mantenedores bem como assim dos.
primeiros vencedores foram denominados “JOGOS FLORAIS” por serem.
realizados em maio o mês das flores, na Europa, e porque aos vencedores.
eram concedidos prêmios em jóias que representavam flores :
violetas, margaridas, cravos, etc.
Apesar de ser um certame muito antigo e bem divulgado na Europa,
principalmente na Espanha (na região da Catalunha, especialmente),França,
Portugal, etc. eram desconhecidos no Brasil. É claro que os estudiosos de
literatura - principalmente aqueles que se dedicam aos estudos da Idade-
Média ou à Poesia trovadoresca - já eram perfeitos conhecedores do assunto.
Acreditamos, no entanto, que jamais uma cidade brasileira havia organizado
seus JOGOS FLORAIS, quando idealizamos trazê-los para o nosso país,
instituindo um Concurso poético e escolhendo a aprazível cidade de
Nova Friburgo para berço dos JOGOS FLORAIS no Brasil. Expusemos as
nossas idéias a outro enamorado de Friburgo: J. G. de Araujo Jorge, que
se apaixonou pela iniciativa, e deu-lhe todo o seu entusiasmo e o
brilhantismo de sua inteligência. Escolhemos a Academia Friburguense de
Letras para promotora, e o grande vespertino “O GLOBO” para patrocinador do
Concurso de Trovas através da seção “Porta de 1ivraria” de Antônio Olinto
o referido Concurso como os festejos realizados naquela cidade serrana, tiveram
pleno êxito.
Os I Jogos Florais foram realizados em maio de 1960 e já estamos nos
III Jogos Florais. Por quê focalizar os Jogos Florais na introdução de um livro de "100 Trovas de Archimimo Lapagesse?!
- A razão é muito simples: além desses certames literários constituírem uma valiosa promoção turística para a cidade, uma oportunidade de congraçamento entre poetas, uma eficiente -e preciosa propaganda da Trova, têm ao mesmo tempo, esta grande utilidade ou virtude: Os Jogos Florais, no Brasil, - ainda tão recentes, têm sido um fator de estímulo ao aparecimento de novos poetas-trovadores e, em outros casos, têm servido como um convite,ou diria, uma “tentação” para que antigos poetas de outros gêneros compusessem também a Trova- Entre os do primeiro grupo Aparício Fernandes, Colbert Coelho , José Maria Machado de Araujo, Octávio Babo Filho, Orlando Brito, Zalkind Piatigorsky, ou ainda Edgard B. Cerqueira, Bittencourt de Sá, Jesy Barbosa, Denancy Mello Anomal, Mario Santos Gomes Braga, Geralda Armond, Cleonice Rainho, Raul Serrano, etc., sendo . que alguns destes últimos já faziam trovas, esporadicamente. Do segundo grupo -poetas que já se destacavam em outros gêneros de Poesia e que, a partir dos Jogos Florais no Brasil, começaram a enamorar-se da trova, cito: o conhecidíssimo lírico brasileiro J. G. de Araujo Jorge - o poeta mais popular do Brasil; o parnasiano Dutra -da Academia Carioca de Letras; o “modernista” Geir Campos; e, entre, diversos poetas sonetistas, acadêmicos na forma, citaria Anis Murad e Archimimo Lapagesse. Estes dois, praticamente, nasceriam como “trovadores” depois dos Jogos Florais de Friburgo... e nasceram bem... Eram já “trovadores” em estado latente e não sabiam...
Vejamos alguma coisa sobre o segundo, pois o outro - Anis Murad - tem o seu volume de 100 Trovas correspondente ao n .º 9 desta Coleção.Archimimo Lapagesse é catarinense. Nasceu em Florianópolis no dia 22 de abril de 1897. É filho de Roberto Leônidas Lapagesse e Maria José dos Santos Lessa Lapagesse.Formou-se pela Faculdade de Farmácia e Odontologia de Niterói em 1918. Reside e clinica no Rio de Janeiro há muitos anos. Pertenceu à antiga Assistência Dentária Infantil “Zeferino de Oliveira”. É Chefe de Clínica da Policlínica “Renato Pacheco”, do Estado da Guanabara. este é um resumo, muito sucinto, do homem, do profissional. Vejamos agora o poeta e, especialmente, o trovador. Há mais de vinte e cinco anos conhecia Archimimo Lapagesse como cirurgião-dentista, pois fomos colegas na Assistência Dentária Infantil, e como poeta, sonetista, jamais como trovador... Lia nas revistas cariocas , de vez em quando, os seus sonetos. Como quase sempre acontece nas encruzilhadas da vida, deixei de ter contacto com Archimimo mais de vinte anos. Saí da Assistência, saí da Prefeitura e nos perdemos um do outro... Até que, passados esses anos todos, a Trova novamente nos uniu. Nos II Jogos Florais de Friburgo vi com satisfação que o segundo colocado com uma belíssima trova tinha sido o Archimimo:
"Saudade - ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar, novamente..."
Apesar de não ter eu tomado parte na Comissão Julgadora, fiz questão de dar-lhe a boa notícia por telefone. E, posteriormente, como ele não pudesse fazer a viagem a Friburgo, pediu-me para representá-lo, o que fiz com o máximo. prazer. Logo após, nos I Jogos Florais de Pouso Alegre, Archimimo Lapagesse, repetindo o difícil feito de Friburgo, consegue uma boa colocação entre as dez primeiras trovas daquele concurso. Vejam a delicadeza:
"A Esperança se revela
em cousa bem natural:
um sapato na janela
numa noite de Natal!...
Novamente fui o portador da boa nova, e, assim, as nossas ligações de amizade eram refortalecidas pelas trovas. Ao mesmo tempo, estimulado pelas suas merecidas vitórias, pelos concursos que se iam multiplicando e, talvez, pelas palavras sinceras do colega, Archimimo - antigo poeta parnasiano - foi compondo trovas e mais trovas, com facilidade, com fluência, com inspiração.
Espírito simples e modesto, foi até com certo acanhamento que presenteou seu antigo colega com algumas trovas datilografadas, em número de 100, às quais deu o nome de “Minguantes”.
Li-as com atenção, e a sensação foi de surpresa e encantamento. Surpresa, - não por desdenhar o valor do poeta mas por não prever que iria encontrar um tão belo conjunto de trovas. E, encantamento - pela fluência, e riqueza de idéias e de inspiração das suas quadras. Sem dizer-lhe nada, entreguei os originais ao meu companheiro de organização desta Coleção - J. G. de Araujo Jorge e pedi:
“Veja estas trovas do Archimimo e depois me diga se merece fazer parte da Coleção”. Dias depois, tive o resultado que previa quando J. G. me falou:
“Não resta dúvida que é um bom conjunto, muito bom mesmo; acho que merece, perfeitamente, figurar na Coleção”.
Só depois, então, fiz o convite ao Archimimo. Portanto, nada me deve o colega e antigo amigo. Deve às suas trovas. E melhor juiz será o leitor que - tenho a certeza - aplaudirá a escolha que fizemos. Pouco precisaria dizer sobre as trovas de Archimimo. Elas estão aí no livro e os leitores tirarão suas conclusões e elegerão as suas preferidas. Apenas, como simples leitor, direi que entre as minhas preferidas estão: esta, por exemplo, que faz recordar o mais puro lirismo das quadras portuguesas:
“Se Deus atendesse um dia
minha prece ingênua e doce,
quem fosse mãe não morria
por mais velhinha que fosse!”
Uma beleza de trova! Soube pelo Aparício Fernandes que Adelmar Tavares
teceu um grande elogio a esta quadra.
Vejam agora a simplicidade e o belo "achado" desta:
“Parte, se estás de partida,
mas não te despeças, não;
pois dói mais a despedida
que a própria separação!”
Ou esta “miniatura” impregnada do espírito de Antonio Nobre e Augusto Gil:
“Na lua existe um moinho
que leva a noite a girar,
moendo o trigo branquinho
com que Deus faz o luar!...”
ou ainda esta,que nos lembra a delicadeza e emotividade de Adelmar:
"Em meio as mágoas em que ando
tive hoje um dia feliz:
ouvi um cego cantando
trovas de amor que te fiz!"
É quase sempre assim o trovador que tenho a honra de apresentar-lhes:
simples, emotivo, inspirado, harmonioso. Em muitas quadras é
conceituoso, filosófico, em outras notam-se também uns leves tons de
ironia. Mas o que se observa sempre, o que prevalece em quase todas, é a
facilidade de expressão e de comunicabilidade. Archimimo tem um bom
“instrumento” e sabe manejá-lo. É na realidade um Trovador este que,
sem formalidades e deixando o coração falar, eu lhes apresentei.
Friburgo, janeiro de 1962
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Cem Trovas de
Archimimo Lapagesse
* * *
n.01
Nós - poetas e trovadores,
tarde, ou jamais, conhecemos
os verdadeiros autores
de quantos versos fazemos!
n.02 n.03
Os poetas, quando envelhecem, Que a Saudade é portuguesa
lembram o tronco velhinho sempre me disseram tal;
em que as orquídeas florescem mas a minha, que dói tanto,
e os pássaros fazem ninho! não nasceu em Portugal!
n.04 n.05
O prazer no mundo passa Já que tens alma de artista,
quando menos se pressente; vive teus sonhos m paz;
é que o vento da desgraça mas que não percas de vista
quando sopra é de repente! o feio mundo em que estás!
n.06 n .07
Quem faz o bem não concebe Mãe não rima certamente...
que a ingratidão seja ofensa, Mas vejo, lembrando a minha,
pois de Deus é que recebe que há muitas rimas, se a gente
verdadeira recompensa. quiser chamá-la mãezinha!
n.08 n.09
Saudade , ponte encantada, Neste mundo desigual,
entre o passado e o presente, que tantas dúvidas tem,
por onde a vida passada há tanto bem que faz mal,
volta a passar novamente! há tanto mal que faz bem!
n.10 n.11
Veio a Trova, e trouxe tanta, Dos anos pelos caminhos
tanta mágoa de além-mar, vejo, assustado e surpreso,
que hoje o Brasil quando canta, que é nas costas dos velhinhos
Portugal põe-se a chorar! que a vida põe maior peso!
n.12 n.13
Quando costuras, parece A mentira se revela
o teu dedo, no dedal, o mais feio dos pecados
soldadinhos que tivesse mas também, às vezes, ela
capacete de metal! dá consolo aos desgraçados!
n.14 n.15
Dizem que a fortuna é cega; Tu foste à missa... Ora veja!
ela não é cega, não: Por força dos olhos teus,
vê bem o pobre, a quem nega, todo o mundo vai a igreja:
e o rico, a quem abre a mão! acabaram-se os ateus!
n.16 n.17
Ninguém culpa a quem prefira Veneração, misticismo,
mentir dizendo o que agrade: pecado, seja o que for:
há muito mel na mentira guardas no teu catecismo
e muito fel na verdade! as minhas trovas de amor!
n.18 n.19
Há uma graça agoureira "A terra te seja leve"
que assusta néscios e sábios: e a gente, mal avisada,
a graça de uma caveira essas palavras escreve
rindo com dentes sem lábios! numa pedra tão pesada!
n.20 n.21
Se Deus atendesse, um dia, Tão velhinha, tão velhinha
minha prece ingênua e doce, partiste deste degredo;
quem fosse mãe não morria e eu te pergunto, mãezinha,
por mais velhinha que fosse! se ainda não era cedo!
n.22 n.23
Disse-me a cigana,um dia Beijando - que idéia louca! -
lendo em minha mão a sorte, a Imagem que beijas tanto,
que o M que diz Maria eu quero é sentir na boca
às vezes que dizer Morte! os beijos que dás no santo!
n.24 n.25
Parte, se estás de partida, Mãe!... Com um anjo, aquele dia,
mas não te despeças, não; partiste em teu negro véu...
pois dói mais a despedida - Não precisavas de guia
que a própria separação ! para o caminho do Céu!
n.26 n.27
Morrendo um ceguinho doente, Na lua existe um moinho
aos olhos que nunca viram, que leva a noite a girar,
a luz se fez de repente, moendo o trigo branquinho
e as portas do céu se abriram! com que Deus faz o luar!
n.28 n.29
Melhor pintor é o que pinta Amores de praia!... O teu,
na tela um borrão qualquer; que me inspirou tanta fé,
pois é num borrão de tinta era tão grande... e morreu
que a gente vê o que quer !... antes de encher a maré!
n.30 n.31
Para uma trova perfeita, Ergueu o vento os refolhos
de sentimento profundo, de tua saia rendada,
ando fazendo a colheita e jogou pó em meus olhos
das dores todas do mundo! para que eu não visse nada!
n.32 n.33
Deu o Senhor aos ceguinhos Resiste ao vento o pinheiro
tantas graças divinais, e a ramaria espedaça;
que há quem cegue os passarinhos mas o bambu mesureiro
para que eles cantem mais! dobra o dorso, e o vento passa!
n.34 n.35
Teu vestido chamalote Li teu caderno, onde vêm
é um precipício, vizinha; uns versos meus em destaque...
pois através do decote Muito obrigado, meu bem,
podes passar inteirinha! mas não me chama Bilac!
n.36 n.37
Teu beijo é de tal dulçor Se chegas com teus amores,
que se me beijas, menina, mal te pressente os passos.
recorro logo ao doutor abrem-se todas as flores,
para tomar insulina ! abrem-se todos os braços !
n.38 n.39
Piscando a luz triste e baça, Florianópolis passa
o lampião do caminho ante meus olhos febris:
parece chamar quem passa Meus pais... a figueira... a praça...
com medo de estar sozinho! O mar... a ponte... a Matriz!...
n.40 n.41
Os passarinhos emigraram, Quando o vento abre a janela,
o jardim não deu mais flor, todo em flor, o jasmineiro
na fonte as águas secaram: atira os ramos por ela
acabou-se o nosso amor! e beija o teu travesseiro!
n.42 n.43
Beijo de boca pintada, Toda mulher é bonita
às vezes, por descaminho, com um artifício qualquer;
é borboleta encarnada um simples laço de fita
que pousa no colarinho! faz milagres na mulher.
n.44 n.45
De milagres tenho a prova Em meio às mágoas em que ando
quando invoco, em minhas dores, tive hoje um dia feliz:
Nossa Senhora da Trova, ouvi um cego cantando
doce mãe dos trovadores! trovas de amor que te fiz!
n.46 n.47
A mocidade pretensa É um quadro negro a vida,
de certos velhos faz rir: onde Deus escreve a giz
a velhice é uma doença a equação já resolvida
que ninguém pode encobrir. em que a morte é igual a X!...
n.48 n.49
Disse um poeta - idéia louca! Não haveria na Terra
Que o beijo é fruta... - Não é: tanto mal que se reprova,
O beijo nasce na boca, se os maus que fazem a guerra
a fruta nasce no pé!... soubessem fazer a trova!...
n.50 n.51
Viram-se na praia um dia... As rendeiras - diz a lenda -
Foi uma história risonha... que morreram sem casar,
Depois houve pretoria, hoje no Céu fazem renda
lua de mel e... cegonha!... tecendo a luz do luar!
n.52 n.53
A Morte, na vida insana, Pessegueiro do caminho
se engana constantemente; que envelheces dando flor:
e, sempre que ela se engana, lembras um poeta velhinho
leva o são e deixa o doente! que ainda faz versos de amor!
n.54 n.55
No carnaval desta vida, A Fortuna os bens reparte
ou por graça ou por maldade, em partes tão desiguais,
a Mentira anda vestida que dá sempre a maior parte
com a nudez da Verdade! aqueles que têm demais!
n.56 n.57
Por mais que a vida te doa A mulher feia, afinal,
não a queiras maldizer; encanta, às vezes, também,
pois a vida não perdoa com essa graça espiritual
os que não sabem sofrer! que muitas belas não têm!
n.58 n.59
Foi sempre pobre o talento, Desgraça triste é a que passa
na vida paradoxal; sozinho aquele que a tem;
rico é o crânio de cimento que o consolo da desgraça
que só pensa em pedra e cal! é ser dos outros também!
n.60 n.61
Não te culpo, se propalas A Morte que a gente evita,
tua inconstância no amor; - e não adianta evitar -
pois as mais lindas opalas não avisa a quem visita,
são as que mudam de cor! quando sai a visitar...
n.62 n.63
O mundo foi sempre o que era Mostras nos olhos, em calma,
e há de ser de qualquer sorte: todo o teu drama interior:
- a velha sala de espera num lindo corpo sem alma
onde a gente espera a Morte! um coração sem amor!
n.64 n.65
Por ironia ou vingança, Mulher que vive calada
a Vida não foi sincera, e que com tudo concorda,
dando olhos cor de esperança ou tem a corda quebrada,
ao triste que nada espera! ou não lhe sabem dar corda!
n.66 n.67
Foi para enfeitar a vida Estás morta embora viva...
em sua triste aridez, bem morta, sim!... Minha trova
que essa graça dolorida é uma lâmpada votiva
de fazer versos se fez! que acendo na tua cova!
n.68 n.69
Idéia que julgais nova, Posto num crânio, estatui
qualquer sentimento novo o velho aviso mordaz:
é coisa velha na trova, - "O que tu és eu já fui,
anda na boca do povo! O que hoje sou tu serás!"
n.70 n.71
Renego a lição dos sábios O riso que os outros têm
que nada sabem do amor... nunca se deve invejar;
Com um beijo só de teus lábios que o riso às vezes também
tirei carta de doutor! é um modo de se chorar !
n.72 n.73
É velha lição sabida Eu maldiria a velhice
que trago sempre de cor: se, à sombra que ela projeta,
dos males todos da vida uma porta não se abrisse
nascer é sempre o maior! para os meu sonhos de poeta!
n.74 n.75
Se o médico não se ajeita, Troféus de amor!... Hoje, ao vê-los,
receitando mata alguém; só me fazem confusão:
mas, errando na receita, laços de fita, cabelos
às vezes cura também! que já não sei de quem são!
n.76 n.77
A quem chora ao pé de um morto Fazer versos é mania
não digas seja o que for, que qualquer um pode ter;
que as palavras de conforto mas os versos com poesia
inda aumentam mais a dor! nem todos podem fazer!
n.78 n.79
Queria ser um arqueiro Às vezes, eu que não fumo,
para de ti me vingar, tomo um cigarro por graça,
e castigar os teus olhos e as mágoas se vão no rumo
que não gostam de me olhar! em que se vai a fumaça!
n.80 n.81
"Deus não falta a quem promete" Não quero do bem alheio,
que não falta bem sei eu; por muito prazer que dê:
mas somente a Deus compete Se o que era meu não me veio
dizer se me prometeu! Deus há de saber por quê!
n.82 n.83
Ó quem cantando se deita Não choro a dor que me pesa
e cantando se levanta, na ausência de teus agrados:
não sabe que a dor espreita Sei que Deus nunca despreza
a alegria de quem canta! Os que vivem desprezados!
n.84 n.85
Cantando aprendi um dia A Lua faz com seus linhos
que, no mundo sofredor, nos teares do firmamento,
qualquer mostra de alegria o lençol dos pobrezinhos
é o disfarce de uma dor! que estão dormindo ao relento
n.86 n.87
Todo amor, em vez de amor, Quando o demônio de apossa
pode amanhã ser saudade, de um coração de mulher,
perdão, ou seja o que for; faz escândalo, faz troça
não pode ser amizade! dando amor a quem quiser!
n.88 n.89
Só quem viu a terra adusta, Marias!...A dos Prazeres
a que o céu não dá mais água, chora, triste, seus amores,
é que sabe o quanto custa enquanto, em seus afazeres,
suportar sem pranto a mágoa! canta, feliz, a das Dores!
n.90 n.91
Para a mulher desgraçada, A vida vai, de tal sorte,
que se desgarrou na vida, nos matando devagar,
o mundo é sempre uma escada que, enfim, quando chega a morte,
de interminável descida! não há mais o que matar
n.92 n.93
Noite! Deus ergue a bateia Mesmo sem graça a anedota
do imensurável garimpo, provoca, às vezes, risada:
e o estelário relampeia quando a conta um idiota
no céu azulado e lindo!... que tenha cara engraçada!
n.94 n.95
A Esperança se revela Fogo oculto na macega
em cousa bem natural: faz a cinza fumegar;
um sapato na janela quando o amor ainda fumega
numa noite de Natal! não acabou de queimar!
n.96 n.97
Quem diz que guarda segredo As rosas dos meus caminhos
e vai confiá-lo a alguém, murcharam na vida inquieta;
há de, mais tarde ou mais cedo, por isso é toda de espinhos
contar aos outros também! minha coroa de poeta!
n.98 n.99
Lembra a trova, quando brota Resguardando teus carinhos,
bem simples do coração, provoquei rixas odiosas:
a água fresquinha da grota todos são contra os espinhos
que a gente bebe na mão! porque defendem as rosas!...
n.100
Às vezes só porque eu ande
sem encontrar o meu bem,
acho este mundo tão grande
e tão vazio também !
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959