Trovadores Inesquecíveis VIII
APRYGIO NOGUEIRA
(texto de Thereza Costa Val, da UBT Belo Horizonte, para www.falandodetrova.com.br)
O nosso focalizado de agora deixou marcas de sua passagem em duas seções da União Brasileira de Trovadores, como costuma acontecer com outros companheiros de rimas e sonhos. Por um bom período frequentou a Seção de Belo Horizonte, destacando-se entre nós. Lembro-me bem porque ele nos foi “emprestado” no período dos meus dois mandatos na presidência da Seção, na década de 90. Na época, ele residia em Belo Horizonte. Oficialmente pertencia à Seção de Pouso Alegre. E foi no livro “Cantigas do Mandu”, publicação que reuniu seis expoentes da trova (todos homens!) pouso-alegrense, que encontrei algumas informações preciosas sobre Aprygio Nogueira. O livro foi coordenado pelo trovador Eduardo Toledo, atual Presidente da UBT/ Nacional, sob a chancela da Academia Pouso-alegrense de Letras, em 1998.
Tive também um outro bom informante na coleta de dados, além dos breves currículos constantes de livretos e coletâneas. Trata-se do Desembargador Pedro Quintino do Prado, marido da trovadora Ivone Taglialegna Prado, que foi contemporâneo de Aprygio Nogueira no Ginásio em Machado. Segundo Dr. Pedro, Aprygio era filho de um conceituado médico naquela cidade do sul de Minas Gerais, originário do Ceará, respeitado também por ser um grande orador, cujo nome era Aprygio Nogueira.
Menino de ginásio, num grande festival estudantil de Machado, Aprygio (que Dr. Pedro conheceu como José Aprygio), recitou inteirinho o longo poema I- Juca Pirama, de Gonçalves Dias. A capacidade de memorizar e a desenvoltura de declamar arrancaram entusiasmados aplausos da plateia. Parece que ele seguia a habilidade oratória do pai.
Ainda conforme informação do Dr. Pedro Quintino, Aprygio afastou-se da cidade, por uns tempos, a fim de estudar em São José dos Campos, SP, onde fez curso de controlador de voo. Serviu à Aeronáutica durante 25 anos e, após esse período, tornou-se Militar da Reserva.
Na seara da literatura, Aprygio colheu ótimos prêmios, tanto em prosa quanto em verso, no Brasil e em Portugal. No concurso comemorativo do bicentenário de Bocage, pelo primeiro lugar alcançado, recebeu o prêmio na Academia Brasileira de Letras ( 1965).
Articulista experiente, escrevia semanalmente textos interessantes nos editoriais do extinto jornal de Belo Horizonte “Diário da Tarde”, dos Diários Associados, e outros jornais. Escrevia também crônicas, contos e várias modalidades de poesia. Teve participação com vinte trovas na coletânea “Horizonte em Trovas”, publicada em 1991.
Como trovador, nosso focalizado alcançou inúmeros prêmios, muitos deles de 1º lugar. Tinha confiança no valor de suas trovas.
Espirituoso, tomava algumas atitudes surpreendentes. Uma dessas atitudes me fez rir bastante. Recebi dele uma “cartrova” - carta em trova – escrita num envelope pardo, tamanho ofício, completamente original. Dentro do envelope, nada escrito. A cartrova veio escrita na parte externa de trás do envelope. Nela, Aprygio dizia que usava aquele sistema para me poupar do trabalho de abrir o envelope... Explicava que assim deveriam ser as cartas: escritas do lado de fora do envelope. Durante muitos anos, guardei a carta escrita de forma inusitada, porém hoje não consigo localizá-la entre os inúmeros papéis que acumulei na minha vida.
Noutra oportunidade, ao terminar a reunião, convocando os trovadores para a próxima, que seria festiva, Aprygio informou-me que não poderia estar presente. Perguntei-lhe o motivo e sua resposta foi: “É que vou estar doente no dia...”
A trovadora Ângela Lourenço, ouvindo a explicação um tanto estranha, escreveu uma “cartrova” para Aprygio, perguntando de qual doença ele seria acometido no dia da festa. O trovador respondeu também com uma carta em trovas, dessa vez escrita a máquina, mandando cópia xerox para mim. Conservo-a até hoje. Infelizmente, a carta não menciona a data em que foi escrita. Sei apenas, pelos dizeres, que foi enviada depois que a festa passou.
Esclarecendo o suposto motivo da doença, Aprygio escreve:
Meu mal - entende meu fado -
é o seguinte: no calor,
fico tão amalucado
que todos dizem: Que horror!
Previ, então, que na data
do festão - que azar danado -
se eu colocasse gravata
morreria sufocado.
O “cartrovista” discorre puxando outros assuntos em 24 quadras sobre trovadores e assuntos da UBT/BH. E fala de mim, em uma delas:
Talento pega? Se achar
que o contágio é natural,
me mande, frete a pagar,
um vírus da Costa Val.
De uma vez, durante a reunião, leu umas páginas onde falava de todos nós. Imaginando a UBT/BH como uma casa construída com a contribuição de seus membros, fez uma trova para cada um, dando-nos a função de material para a construção. Eu, por exemplo, tornei-me cal. A princípio, não gostei da comparação, mas se era para compor a rima, concordei...
Aprygio Nogueira era assim: quando estava de bom humor, era agradável e simpático. Em outras horas, era polêmico e criador de casos, afastando algumas pessoas de seu convívio. Era tido como possuidor de temperamento difícil. Sei, contudo, que ele era uma boa pessoa. Particularmente, nunca tive motivo para me queixar desse extraordinário trovador.
Suas trovas eram muito bem feitas, encantadoras. Ele se saia bem tanto nas líricas/ filosóficas quanto nas humorísticas, suas preferidas. A bem dizer, sua criatividade nas trovas de humor era notável. Guardo com carinho um livreto artesanal que ele me ofertou, contendo oitenta de suas trovas, sendo um bom número delas do gênero humorístico. O título: “Cantigas de Aprygio Nogueira”.
Vejamos, em primeiro lugar, algumas das lírico/ filosóficas.
A ilusão, grande cilada, Solitário e sem abrigo,
não passa, no conteúdo, encontro ainda socorro
de uma árvore de nada no amor que fala comigo
carregadinha de tudo. pela voz do meu cachorro.
Em minha definição, Quando eu morrer, solidão,
a dúvida é algo assim: quero chuva no jardim,
- um sim com jeito de não para sentir a ilusão
e um não com jeito de sim. de alguém chorando por mim.
Se a seca nos traz a mágoa, Só posso medir, morena,
seca total não existe: meu amor, quando te fito,
- sempre cai um pingo d`água se Deus me der uma trena
dos olhos de um povo triste. de se medir o infinito.
Sou tão feliz, minha gente, Apago as luzes... No entanto,
que nem sei - feliz assim - nem cochilo - que tristeza -
se o sol provém do Nascente pois em meu quarto, num canto,
ou nasce dentro de mim! existe uma ausência acesa...
Receio que o meu amor Sou pobre. Mas rezo, à mesa
não dê resposta... Receio. e noto que o meu “virado”
Mas, na dúvida, vou pôr perde o gosto da pobreza
a esperança no correio. quando Deus é convidado.
Tal vaidade, mãe querida, Uma criança que chora
você tem, ao se compor, pela rua, sem um lar,
que sempre a vejo, na vida, parece uma linda aurora
vestindo raios de amor! que não consegue raiar.
Algumas trovas humorísticas de Aprygio Nogueira:
Vendo colírio e receio Os peões desse rodeio
que o patrão, por ser de lua, chegaram com tanto embalo,
queira pingar-me no meio que cinco mocinhas - creio -
do próprio “olho da rua”... já “caíram do cavalo”...
"Abre , meu bem, a janela, Com salário tão velhaco
me esquenta que a neve cai..." não posso - o pobre assegura -
Quem abriu foi a mãe dela, construir o meu barraco
quem me esquentou foi o pai! nem na “ rua da amargura”.
Minha sogra bateu asa, Preso ao galho, aquele dia,
quando, com muita cautela, Seu Juca só deu trabalho,
pus um retrato, lá em casa, pois queria e não queria
da finada sogra dela... que a gente “quebrasse o galho”.
Tudo é “trem”, no meu Estado, O Doutor, com voz avara,
e é por isso que a patroa, vendo o pobre, diz ao cura:
por me ver aposentado, Seu Cura, confesse o cara,
me chama de trem à toa. que esse cara não tem cura.
Aprygio Nogueira nasceu em Machado, no sul de Minas Gerais, no ano de 1928. Faleceu aos setenta anos, em outubro de 1998.
Era pai: tinha uma filha moça. No livreto “Cantigas de Aprygio Nogueira” a trova de número 80 é dedicada à sua esposa Marlene:
De tão brilhante maneira
tu me guias para o bem,
que eu vejo em ti, companheira,
minha estrela de Belém!
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NOTA: como sempre, mais um belíssimo trabalho de pesquisa e resgate histórico, por parte de Thereza Costa Val, da UBT de Belo Horizonte!