Ainda a questão das rimas - Renato Alves

Opinião:                         AINDA A QUESTÃO DAS RIMAS                        (Renato Alves - UBT RJ)
(Esta matéria será encontrada no site www.falandodetrova.com.br, na seção "Colunas")

 
 
     O fato: Numa rede social, um veterano e premiadíssimo trovador apresenta dúvidas quanto ao uso da rima “céu/mel”.  Como de praxe, em vez de opiniões,  ele imediatamente recebe uma  enxurrada de duras críticas, eivadas de ironia, dos atentos vigilantes da “pureza formal” das trovas.
 
     Meu comentário:   Fico imaginando como seria o ambiente trovadoresco lá pelos idos de 60, quando surgiu a UBT.  Então, aproveito o ensejo para propor aqui uma reflexão:
 
Seriam também os grandes trovadores de antigamente, os fundadores do moderno trovismo, aqueles que tanto exaltamos, tão mal humorados assim em relação aos seus irmãos-trovadores contemporâneos?
 
               Creio  que não!  E  digo  por quê:
 
 
1º) No assunto “métrica”, muitos dos artigos do “Decálogo de L.O.”  não me parecem impositivos, nem severos, mas apenas sugestivos de certas práticas. Observem a redação dos mesmos:
 
Art.3º: Não se deve fazer... / Art.4º-Pár.Único: Aceitam-se exceções a esta regra... /  Art.5º: Uma vogal tônica pode ou não... / Art.8º: Em alguns hiatos é facultativa... / Art.10º: É facultativa a supressão de sílabas...
 
 (Pois bem, esta certa liberalidade que sinto ao ler o “Decálogo” não é o que vejo hoje na interpretação radical que muitos fazem destas normas, o que não raro gera reclamações entre os con concorrentes.
 

2º) Também na rima, um fenômeno estritamente fonético, minhas pesquisas indicam que os velhos mestres eram muito mais flexíveis que nós, pois cultivavam com gosto a trova de rima simples, por muito tempo aceita até em concursos. Parece-me que eles sempre valorizaram mais o conteúdo em suas trovas maravilhosas com os achados impecáveis que as perpetuaram no tempo, e não se fixavam em detalhes gráficos, como, por exemplo, se a semivogal /w/ do ditongo /aw/ de “mágoa” é diferente do ditongo /aw/ de “água” ou se os versos começam com maiúsculas ou não.
 
        Pensando principalmente nos novos trovadores, acho que o excesso de preocupação quanto à forma na confecção das trovas está tirando deles a concentração para o enriquecimento dos achados, com o uso de imagens, metáforas, figuras de pensamento.
 
 
        Quero ilustrar o que afirmo com alguns exemplos, mas não vou citar versos de grandes poetas brasileiros, dos românticos aos modernos; tampouco citarei compositores da MPB.  Não! Citarei apenas trovas clássicas dos nossos fundadores, de cujo amor pela TROVA ninguém pode ter dúvidas. Estes venerados ídolos eram mais humildes e nunca esqueceram a origem popular da Trova, embora sempre trabalhassem para torná-la “literária”, eis que uma coisa não se opõe à outra.  Vejamos os exemplos:
 

  1. Trova-exaltação a Nova Friburgo, de J.G. de Araújo Jorge: além de conter o hoje  condenado “enjambement”,  usa rimas como “bonitos/eucaliptos”  e  “Luz/azuis”:
  2.  

Eis Friburgo! - em dois bonitos           / traços de sombra e de luz: /
– os seus verdes eucaliptos!               / – suas montanhas azuis
 

  1. Belas trovas de Luiz Otávio, em nada prejudicadas por não rimarem  os 1º  e  3º versos:

Beijos de mãe, filha, esposa
tantos beijos ganha a gente!
Como pode a mesma cousa
ter sabor tão diferente?
Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem:
quando tu vens, ela vai...
quando tu vais, ela vem!
Amarga insatisfação
que só desejo nos dá
de ter o que não se tem,
de estar onde não se está...