ANALICE, AMIGA E IRMÃ – IMORREDOURA SAUDADE!
Quem me conhece sabe que não gosto de falar de mim, mas para falar de Analice Feitoza de Lima vejo-me obrigado a relembrar alguns momentos de minha própria trajetória.
Em 1997 eu e Marisa Fontalva ganhamos de uma amiga um exemplar do jornal O Fanal da Casa do Poeta “Lampião de Gás” de São Paulo e, de jornal da mão, resolvemos ir lá para assistir a uma reunião. Naqueles bons tempos da Casa do Poeta, ela era frequentada por Divenei Boseli, Giva Rocha e Rubão, Analice, entre outros.
Analice era a secretária da Casa do Poeta e, muito gentil conosco, nos incentivou a conhecer a UBT, onde também estariam Giva e Divenei. Na verdade, as três, em especial Divenei, nos incentivaram bastante a conhecer a UBT. A trinca de ouro das minhas amigas: Divenei, Giva e Analice. Eu e Marisa passamos a frequentar as reuniões da UBT e à amizade das três viriam a se acrescentar muitas outras, embora as três fossem as mais queridas.
Acho que pelo fato de Analice ter nascido na cidade pernambucana de Bom Conselho, assim como o meu pai, que acabei nutrindo por ela um carinho muito especial, quase como se fôssemos parentes que tinham acabado de se conhecer.
Analice me deu um exemplar fotocopiado de seu primeiro livro, Apelos do coração e, tempos depois, me daria o prazer do convite para o segundo, Coração em chamas. Do livro Coração em chamas, transcrevo este soneto, um de meus preferidos:
NUNCA MAIS
Não voltes a bater à minha porta.
Cansei do teu amor, cansei de tudo.
Minha esperança agora está tão morta
Que já esqueci teus lábios de veludo.
Que arranjes outro alguém, pouco me importa.
Com teu amor eu nunca mais me iludo.
De ti resta a lembrança que conforta.
E outra ilusão será meu novo escudo.
De ser palhaço o coração se cansa.
Feriste meu orgulho, agora basta!
Gastei todo o meu sonho de esperança.
Não mais te quero, nem que tu destruas
De minha vida essa vontade vasta,
E nem que eu morra de saudades tuas!
Sempre tive uma participação ocasional em concursos de trova, mas Analice era participante regular. Em algumas ocasiões fomos premiados nos mesmos concursos e, por isso, tive o prazer de viajar com ela e desfrutar de uma excelente companheira de viagem.
Em 2010 ambos premiamos em Cantagalo e, apesar da dificuldade da viagem, encaramos as 10 horas de ônibus... Apesar do cansaço, não pude deixar de me agradar com o bom humor de Analice, que não reclamou nem um momento e levou as vicissitudes da viagem na esportiva. Conversamos bastante, falamos de trova, de soneto, dos amigos, de nossas famílias... Naquele mesmo ano de 2010, meses antes, Analice havia lançado o seu terceiro livro, Coração flechado. E, claro, não perdi a oportunidade de brincar com ela e dizer que ela era a “poetisa do coração”, pois seus três livros têm a palavra coração no título...
Em nossas viagens, engraçado mesmo era quando encontrávamos Maria Madalena Ferreira... Gente, como eu “alugava” a Madalena! Tudo por causa de uma trova da Analice, premiada em Magé, no tema “viúvo”, em 1995:
O viúvo, à falecida,
chorando que dava pena:
- Vai com Deus, minha querida,
que eu fico com Madalena
Coitada da Madalena! Em Bandeirantes, em 2009, eu e a Therezinha Brisolla ficávamos alugando as duas por causa da “trova da Madalena”... Essa é uma das lembranças mais divertidas que tenho das festas dos Jogos Florais... toda vez que eu encontrava a Maria Madalena Ferreira, lá vinha eu com a “trova da Madalena”... Nem preciso dizer que é uma das trovas humorísticas de que mais gosto!
Além da “trova da Madalena”, há outra trova de Analice, uma lírica que aprecio bastante. Analice sempre declamou seus versos com ardor e entusiasmo. Uma de suas trovas, em particular, ela de vez em quando dizia em rodadas de trova nas reuniões da UBT São Paulo, colhendo aplausos entusiasmados dos presentes:
Amar tanto desse jeito?
Coração, que insensatez!
Por favor, sai do meu peito
ou me mata de uma vez!!!
Essa trova foi premiada em um concurso promovido pelo “Elos Clube de São Paulo”, no ano de 1996 e é uma das mais conhecidas trovas de nossa amiga.
Em 2010, nos LI Jogos Florais de Nova Friburgo, tema “PRAZER”, Analice ficou em 4º. lugar com esta trova:
De compromissos te esquivas
mas é fácil de notar,
que o prazer do qual me privas
vive escrito em teu olhar...
Como se não bastasse o 4º. lugar, ainda teve o 6º.:
No prazer que envolve a gente
há tanta proximidade,
que me sinto intimamente
parte da tua metade.
Eu vivia na torcida pelos próximos concursos, na expectativa de que premiássemos os dois e pudéssemos viajar juntos, mas...
Em 2011 ela teve o diagnóstico de um câncer no intestino. Apesar da gravidade, ela foi submetida à uma cirurgia no Hospital São Paulo e passou bem. Depois da cirurgia ainda foi às reuniões da UBT, sempre bem humorada e de alto astral. Estávamos todos felizes pela sua recuperação. No entanto, o tratamento previa a realização de quimioterapia e o organismo dela não reagiu bem à medicação, sofrendo terríveis efeitos colaterais típicos desse tipo de medicação.
Após quase um mês com náuseas e outros sintomas desagradáveis provocados pela medicação quimioterápica, Analice foi internada no dia 09 de janeiro último. No dia 12 seu quadro clínico se agravou com uma infecção generalizada, não resistindo e vindo a falecer no dia seguinte, 13 de janeiro, às 14h. Ela foi sepultada no Cemitério Parque Primavera II (município de Guarulhos), sábado, 14/01, às 15h.
Sinto um vazio dentro de mim que só quem já perdeu um amigo querido sabe como é. Às vezes não quero acreditar que Analice se foi e que ainda posso ligar e conversar com ela... é triste perder uma pessoa tão amável e querida. Ficam as boas lembranças de uma amiga especial e suas trovas e seus sonetos, o rastro que ela deixa atrás de si no mundo e que deixarão sua marca.
ANALICE, AMIGA E IRMÃ – IMORREDOURA SAUDADE!
Veja também a obra da trovadora:
http://falandodetrova.com.br/analicefeitoza
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Texto de Pedro Mello, "Magnífico Trovador em Nova Friburgo desde 2010.