A Trova: Origem, Trajetória e Rumos...


A TROVA: ORIGEM, TRAJETÓRIA, RUMOS
Colaboração de Sérgio Bernardo - Nova Friburgo/RJ

Origem

       A trova — quatro versos de 7 sílabas e rimados — é anterior à formação da língua portuguesa. Remonta ao século 13, aparecendo, ainda em galego-português, como refrão nas Cantigas de Santa Maria, por exemplo, da autoria de D. Afonso X, rei de Leão e Castela. De 420 letras de cantigas remanescentes do período podem ser retiradas 216 trovas, como as conhecemos na forma atual, desempenhando a função de estribilhos. Este largo uso comprova a popularidade do gênero, que possivelmente teve origem nas carjas — poemas curtos — dos árabes da Península Ibérica, no século 9º.
       Voltando ao séc. 13: da novela de cavalaria espanhola Amadis de Gaula extrai-se a primeira trova independente — sem ser refrão de cantiga — de que se tem notícia, escrita em português arcaico e de autoria do poeta da corte de Dom Diniz, João de Lobeira:

 

Original
Leonoreta fin roseta
bela sobre toda fror
Leonoreta nom me meta
em tal coita vosso amor
Tradução
Leonorzinha, fina rosinha
bela acima de qualquer flor
Leonorzinha, não me ponha
em tal tristeza vosso amor

       Vale frisar que nesta trova já aparece o esquema rimático duplo, ou seja, o 1º verso rimando com o 3º, e o 2º com o 4º, único aceito em nossos dias como elemento básico da trova literária.
       Com base nestes dados pode-se afirmar que a trova tem 800 anos de existência e, mais importante, continua efervescente até hoje, sendo produzida em larga escala por centenas de trovadores no Brasil, Portugal e países com forte presença da imigração lusitana. Os números impressionam: só no País, por ano, acontecem uns 50 concursos, cada um com 300 trovas concorrentes, em média, o que dá a incrível marca de 15 mil trovas escritas anualmente. Isto levando-se em conta apenas os concursos de âmbito nacional, sem contabilizar os concursos internos das diversas seções da União Brasileira de Trovadores (UBT) espalhadas por todo o Brasil. Acredita-se que nenhum outro gênero literário seja tão cultivado, atualmente, quanto a trova — com exceção, talvez, do haicai.

Trajetória

       Em resumo, a trova, desde sua origem até este início do séc. 21, tem estado presente em todos os movimentos literários surgidos. No Trovadorismo dos séc. 13 e 14, como visto, encabeçou os tipos poemáticos chamados cantigas (de amor, amigo e de escárnio e maldizer).
       Nos séc. 15 e 16 eram compostas isoladamente ou retiradas do trovário popular — coleção de trovas anônimas — para que os poetas as glosassem, desenvolvendo poemas mais extensos, de várias estrofes, cujo conteúdo era centrado na temática da trova-mote. Os autores já não tinham de estar presos, porém, a temas fixos como nas cantigas, podendo os versos ser de exaltação a campanhas militares, feitos reais ou mesmo um relato da vida cotidiana das cidadelas fortificadas.
       Ao tempo de Camões, Sá de Miranda e Diogo Fernandes, entre outros, as trovas eram largamente referidas por estes poetas, recolhidas do povo, como esta que critica a cessão de Portugal ao trono da Espanha, no séc. 16:

Viva El Rei Dom Henrique
Lá no inferno muitos anos,
Pois deixou em testamento
Portugal aos castelhanos!

       A esta altura, com o surgimento do Brasil na geografia mundial, vem a trova na bagagem dos primeiros portugueses. Difícil é ser encontrada documentalmente, já que o governo português proibia a impressão gráfica na nascente colônia. Mesmo assim, há referência dela utilizada como estribilho em poemas de, por exemplo, José de Anchieta (1543-1597).
       No séc. 17, já com uma literatura brasileira mais expressiva, surgem nossos primeiros livros, impressos em Portugal, um deles o Compêndio Narrativo do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira (1652-1734?), em que as trovas estão presentes. Historicamente, trata-se do primeiro livro brasileiro contendo trovas intencionais (isoladas).

Ex: Sem conta, peso ou medida,
vivo no mundo, de sorte
que não sei, chegando a morte,
que conta darei da vida.

       Com o florescimento do Arcadismo, no século seguinte, imperaram as composições poéticas com metros e estrofes de maior extensão, mas muitas trovas podem ser derivadas, como esta que encerra um poema de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), o célebre autor de Marília de Dirceu:

Não sei, Marília, que tenho,
depois que vi o teu rosto,
pois quando não é Marília
já não posso ver com gosto.

       Antônio Bersane Leite, amigo de Bocage, que veio para o Brasil em 1807 e aqui morreu, foi outro que escreveu muitas trovas intencionais, sobretudo satíricas.
       O séc. 19 foi riquíssimo em movimentos literários — o Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo — e em grandes vozes poéticas. Todos os poetas situados dentro destes períodos cederam aos encantos da trova, entre eles, Castro Alves (romântico):

As nuvens ajoelhadas
nos claustros ermos e vãos
passam as contas doiradas
das estrelas pelas mãos!

       Ou Olavo Bilac (parnasiano):

O amor que a teu lado levas
a que lugar te conduz,
que entras coberto de trevas
e sais coberto de luz?

       Ou ainda Alphonsus de Guimaraens (simbolista):

O cinamomo floresce
em frente do teu postigo...
Cada flor murcha que desce
morre de sonhar contigo!

       Com a chegada do séc. 20, surgem os primeiros trovadores autênticos, começando a encarar a trova com mais seriedade e escrevendo-a conscientes de estar criando uma peça literária, com o cuidado formal e estilístico que esta merece. Destacam-se Américo Falcão, Belmiro Braga e Adelmar Tavares, primeiro trovador a pertencer à Academia Brasileira de Letras (ABL).
       Também em letras de música — nas modinhas, lundus, chorinhos — a trova se fez presente.
       Dos grandes poetas desse século, praticamente todos mostraram-se sensíveis à trova e em dado momento a produziram. Podem ser citados, entre tantos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. Desta última ficou uma linda trova:

Em barca de nuvens sigo...
E o que vou pagando ao vento
para levar-te comigo
é suspiro e pensamento.

       Em 1956, portanto há quase cinqüenta anos, Luiz Otávio (1916-1977) compilou e publicou a antologia Meus irmãos, os trovadores, contendo 2 mil trovas de autores brasileiros e portugueses, de Gregório de Matos aos atuantes na época. Este livro é considerado o marco de criação do movimento trovadoresco atual, pois, a partir dele, trovadores e mais trovadores foram aparecendo por todo o Brasil, numa verdadeira febre pelas quadras de 7 sílabas. De tal porte foi este surto trovístico, que a ocasião tornou-se propícia para se criar o primeiro concurso de trovas com congraçamento de trovadores, os I Jogos Florais de Nova Friburgo, em 1960.
       Daí por diante, outras cidades compraram a idéia e passaram a promover seus concursos e jogos florais, que foram se espalhando por todo o País, de Belém, PA, a Porto Alegre, RS. Centenas de milhares de trovas já foram escritas, milhares delas antológicas, a partir do que é possível reafirmar-se: a trova é o gênero poético de forma fixa mais cultivado hoje no Brasil. E talvez mesmo no mundo, podendo ser até que ganhe do haicai, poema de 3 versos originário do Japão e largamente produzido naquele país.

Rumos

       Em pleno séc. 21, era da supremacia tecnológica, do comportamento globalizado e do vanguardismo a qualquer preço, a trova resiste e continua ativa, efervescente e fazendo brotar novos talentos. No País, a União Brasileira de Trovadores é a entidade responsável, administrativamente falando, pela sua consolidação, divulgação e perpetuação, através da coordenação de concursos ou realização de oficinas em escolas e instituições públicas, visando a despertar o interesse pela trova, sobretudo no tocante às novas gerações. Trovas escritas por jovens do ensino fundamental e médio, em muitas cidades brasileiras onde estas oficinas são ministradas, dão a certeza de que a UBT caminha em bom rumo. E de que a trova ainda tem muito a contribuir com nossa literatura poética, enquanto num mundo cada vez mais assediado pela máquina houver coragem para se falar de sentimento.

Homenagem aos trovadores e seus jogos florais nos 46 anos de resistência cultural!

Sérgio Bernardo é poeta e escritor, autor de
“Caverna dos signos” (poesia e prosa). E-mail: sergbernardo@ig.com.br

 

 

UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES

       A União Brasileira de Trovadores - UBT é uma entidade cultural, sem fins lucrativos, que congrega a quase totalidade dos trovadores brasileiros, através de suas delegacias e seções.
       Quando numa cidade existe um pequeno grupo de trovadores - às vezes até um único trovador é fundada: uma delegacia. Quando este grupo é maior (pelo menos 10 elementos) funda-se uma seção.
       A UBT foi fundada em 1966 por Luiz Otávio (seu aniversário é considerado o Dia do Trovador) e ao longo destes anos, tem realizado diversos estudos, palestras, conferencias, reuniões e encontros de trovadores, publicado livros e antologias de trovas e, principalmente, patrocinado ou coordenado centenas de Concursos de Trovas ou Jogos Florais, fomentando assim o aparecimento de diversos bons trovadores e trovas antológicas.

A TROVA

      A origem da palavra Trova vem do francês trouver (achar), o que nos faz crer que os trovadores deveriam achar os motivos de suas canções.
       Mas a origem dos trovadores está na Idade Média onde os chamados menestréis cantavam suas poesias na forma de "cantigas"; iam de castelo em castelo, cantavam a beleza das damas ou o heroísmo dos cavaleiros.
       Assim a trova se desenvolveu em Portugal, ao lado do fado, cantado em redondilha maior, justamente a métrica da trova.
De Portugal para o Brasil a trova viajou através das caravelas de Cabral e aqui encontrou o terreno fértil para crescer e dar vida ao Movimento Trovadoresco, que já foi citado como o primeiro movimento literário genuinamente brasileiro.

       Vencendo a fase das quadras populares onde eram aceitas trovas de rima simples, podemos dizer que a definição mais correta de trova atualmente seja: "COMPOSIÇÃO POÉTICA DE QUATRO VERSOS SETESSILÁBICOS, RIMANDO, ENCADEADAMENTE, 0 PRIMEIRO COM O TERCEIRO E O SEGUNDO COM O QUARTO VERSOS E TENDO UM SENTIDO COMPLETO".
       Sendo pequena no tamanho (aproximadamente 28 sílabas) e fácil de decorar, a trova é extremamente popular. Sobre ela, assim se referiu o famoso escritor Jorge Amado:
"Não pode haver criação literária mais popular, que fale mais diretamente ao coração do povo, do que a trova. É através dela que o povo toma contato com a poesia e sente sua força. Por isso mesmo, a trova e o trovador são imortais".
       A seguir algumas trovas que se tornaram tão populares que, as vezes, são ditas por aí sem o nome do autor:

 

Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor;
saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor...
(BASTOS TIGRE) 
Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.
(BARRETO COUTINHO) 

No homem a malícia é tanta
que, bonita ou mesmo feia,
a mulher que mais o encanta
é sempre a mulher alheia.
(PERI OGIBE ROCHA)

No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei...
(NYDIA IAGGI MARTINS)

       Aprenda a fazer trova com a Pequena Cartilha da Trova, de Arlindo Tadeu Hagen e com o Decálogo de Metrificação, de Luiz Otávio

JOGOS FLORAIS

       Os concursos de trovas denominados Jogos Florais são, geralmente, a principal forma de divulgação da trova no Brasil. É claro que a divulgação através de livros, antologias, programas de rádio, jornais, revistas, etc. também tem seu espaço. Mas é, principalmente, através dos Jogos Florais que surgem novos trovadores.
       Os Jogos Florais surgiram entre os trovadores provençais, na cidade de Tolouse, em 1523 e receberam este nome porque aos vencedores eram concedidos prêmios que representavam flores (violetas, margaridas, cravos, etc.)
      Somente em 1960 os Jogos Florais chegaram ao Brasil, por iniciativa de Luiz Otávio e J.G. de Araújo Jorge, tendo sido realizados pela primeira vez, na cidade serrana de Nova Friburgo (RJ); aliás, até hoje, Friburgo os realiza com apoio da Prefeitura e Câmara Municipal, rádios, rede hoteleira, comercio e indústria locais.
       Os regulamentos dos Jogos Florais são elaborados pelas comissões organizadoras e enviados aos trovadores diretamente ou através de divulgação por jornais e revistas especializados. Os trovadores compõem suas trovas - geralmente sob um tema escolhido - e as enviam para o Concurso sob anonimato. Só depois de julgadas as trovas é feita a identificação dos premiados que são então, convidados para participar das festas dos Jogos Florais.
       Geralmente os principais classificados desfrutam de algumas regalias como hospedagem e alimentação gratuita durante os festejos e passagens de ônibus de ida e volta à cidade promotora.
       Os festejos duram dois ou três dias, de acordo com as condições de cada cidade, sendo que o programa varia muito também de cidade para cidade, sendo mais comuns a realização de Missa em Trovas, passeio turístico pela cidade, visitas a rádios ou jornais, almoços ou jantares de confraternização, tardes ou noites de autógrafos, Baile da Musa, etc.
       No entanto o mais importante numa festa de Jogos Florais é a chance que os trovadores têm para rever amigos e fazer novas amizades, num ambiente saudável e de grande confraternização pois, como bem diz o lema de UBT-São Paulo, a trova, acima de tudo, faz amigos.
       O padroeiro dos trovadores é São Francisco de Assis e a sua oração costuma ser lida antes de qualquer reunião de trovadores. Existe uma versão dessa oração em forma de trova.