Humberto Del Maestro nasceu em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, a 27/03/1938, filho de Alarico Del Maestro e de Celina Rodniztzky Del Maestro. Aposentou-se como bancário. Além de poeta, teatrólogo, ator, crítico literário e mais uma pá de atividades. Possuidor de vastos recursos e dono de uma inspiração invejável. Suas obras são autênticas obras primas. Cognominado "Poeta das Flores". Inúmeros livros publicados, entre os quais, "Trovas, Haicais e outros poemas"-1966.
Minha porta, que era arguta,
de repente enlouqueceu.
Qualquer toque que ela escuta,
julga logo ser o seu.
Saudoso comprei passagem
de retorno à minha infância.
Mas como seguir viagem
se eu nem sei mais a distância?
Fico olhando o teu aprumo.
És linda e jovem demais...
E eu sou um barco sem rumo,
sem mais direito ao teu cais.
Inefável labareda,
a borboleta a voar
parece um lenço de seda
que um anjo esqueceu no ar.
Meditando em meu cansaço
não me entristeço nem rio...
os troféus do meu fracasso
valorizam meu vazio.
A minha casa é pequena,
e embora tal restrição,
nela reside serena
minha doce inspiração.
Nasci na vida tristonho
e vou por ela tão sério,
que é por isso que o meu sonho
tem as marcas de um cautério.
Quero as minhas tardes feitas
de luzes em algazarras;
cheias de cores perfeitas,
com festivais de cigarras.
A tarde triste adormece.
Estrelas piscam em cruz...
Ao longe, a lua parece
delgada foice de luz.
A trova é um poema grácil,
que surge de um mundo etéreo:
- Para quem sabe é bem fácil.
- Pra quem não sabe é um mistério.
Olhos brandos, mãos que esparzem
sorrisos como troféu...
Pelo que os filhos lhe fazem
as mães merecem o céu.
O arquiteto faz o traço,
seu trabalho é no nanquim.
Eu vivo as trovas que faço,
que elas são partes de mim.
Na doce tarde de outono,
ruflam brisas em farol.
As nuvens louras, sem dono,
lembram novelos de sol.
O tempo amassou meu rosto.
Não doeu, foi devagar...
Mas as mágoas e o desgosto
como é que custam passar.
O menino que era sonho
de alma da cor do marfim,
não sei mais onde é que o ponho,
depois que cresceu em mim.
É frio, a noite descansa;
o espaço é vasto e medonho.
De repente, a lua mansa
surge nos braços de um sonho.
Um remorso me espezinha
se ponho, com aflição,
no seu corpo de andorinha
meus olhos de gavião.
Ando em busca da centelha
do teu beijo de esplendor
e da papoula vermelha
que escondes com teu pudor.
A chuva cessou há pouco,
mas o frio continua...
Grita o vento como um louco
por entre os becos da rua.
Veio Deus. Do caos agreste,
ergueu o espaço sem fim.
Porém tu bem mais fizeste
do nada que havia em mim.
Um doce aroma flutua
nesta noite de ateneu
e há tanta paz pela rua
que eu penso que o céu desceu.
O dia já nasce lindo.
Passam ventos frios, nus.
A manhã acorda rindo
num escândalo de luz.
Noite linda. O céu aberto
faz-se de suave emoção.
A lua chegou tão perto
que eu quase a peguei na mão.
De noite durmo e desperto...
E, nesse doce vaivém,
a infância chega tão perto
que escuto apitos do trem.
Penso ainda ser menino,
correndo à toa na rua,
empinando, sem destino,
a branca raia da lua.
Tudo se foi da lembrança...
E do nosso antigo enredo
nem mais a marca da aliança
se acha gravada em meu dedo.
É noite calma de lua.
Os ventos, em rodopios,
são violinos na rua
tocando valsas nos fios.
A tarde se abrasa em cores
e lentamente desmaia.
O céu, pintado de flores,
lembra uma enorme lacraia.
Cresci buscando esperança,
nada achei e foi fatal.
E quantas deixei, criança,
brincando no meu quintal.
Amo a minha biblioteca,
doce nave da ilusão,
pois nela sigo até Meca
ou molho os pés no Jordão.
De tudo quanto me assiste,
neste mundo miserando,
nada me fala mais triste
do que a velhice chegando.
Na estrada que compartilho,
meu coração, aos pedaços,
lembra a mãe que já sem filho
nina a solidão nos braços.
Pai querido, não morreste,
que a morte nos lembra um fim
e tudo aquilo em que creste
anda a viver dentro em mim.
Numa batalha renhida,
vou lutar até o fim,
pois quero sair da vida
muito melhor do que vim.
Trabalho, sofro, padeço
carregando a minha cruz,
para ver se pago o preço
desta roupagem de luz.