Manuel Bastos Tigre, jornalista, poeta, humorista, revistógrafo, compositor, teatrólogo e conferencista, nasceu em 12/3/1882 em Recife, filho de Delfino Da Silva Tigre e Maria Leontina Bastos Tigre.E faleceu no dia 1/8/1957 no Rio de Janeiro, RJ. Mudou-se para o Rio ainda estudante. Ali trabalhou como jornalista, escrevendo sob o pseudômino de D. Quixote. Com 24 anos estreou como revistógrafo com a peça Maxixe, sua e de Batista Coelho, que também usava um pseudônimo: João Foca.
Naquele mesmo ano de 1906, conheceu também seu primeiro sucesso musical, “Vem cá, mulata”, em parceria com Arquimedes de Oliveira, incluída em sua revista Maxixe, interpretada por Maria Lino. À partir de 1918, em todos os bondes lia-se o reclame escrito por Bastos Tigre:
Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
No entanto, acredite
Quase morreu de bronquite:
Salvou-o o Rhum Creosotado.
Foi autor do primeiro disco publicitário do Brasil, Chopp da Brahma, em parceria com Ary Barroso e gravado em 1935 pelo iniciante Orlando Silva. Até a década de 1920 escreveu várias peças de sucesso, entre elas Grão-de-bico (1915), De pernas pro ar, com Cândido Castro (1916), Viva o amor, com Eduardo Vitorino (1924) e Ziguezague (1926). Foi fundador e diretor da revista D. Quixote. Foi um dos fundadores, presidente e tesoureiro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, fundada em 1917) e ainda teve a função de bibliotecário na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Era pai da renomada jornalista e poetisa Helena Ferraz - cognome Álvaro Armando - que teve importante participação na divulgação dos primeiros Jogos Florais em Nova Friburgo. Como trovador, suas trovas falam por si. NOTA: a página a seguir foi extraída do site
www.jgaraujo.com.br
100 TROVAS de
Manoel Bastos Tigre
(1882-1957)
* * *
n.01
Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor.
n.02 n.03
Aliança! algema divina, Quando Deus fez Portugal
a mais doce das prisões; lá plantou com sua mão
uma prisão pequenina na terra; vinha e trigal
que encerra dois corações. e o fado no coração.
n.04 n.05
Pela ponte lá da praia Ama a tua arte. Por ela
vieste cá me visitar; faze o bem: ama e perdoa.
Deus queira que a ponte caia A bondade é sempre bela,
quando quiseres voltar. a beleza é sempre boa.
n.06 n .07
Maldigo quem te ache feia, Eu versos os mais diversos
quem te ache bela também. já fiz: muita gente os lê...
Quero mal a quem te odeia Mas "poesia" há nos versos
e odeio a quem te quer bem. que eu fiz pensando em você.
n.08 n.09
Isto de amar considero Mente o peito que suspira?
que ser amado requer. O beijo é só falsidade?
E é por isso que eu não quero Bendigamos a mentira
querer a quem não me quer. se ela é melhor que a verdade.
n.10 n.11
No amor não há diferença: Você diz que é cego o amor...
nós mentimos, vós mentis... Como se engana você!
E, se um diz o que não pensa, Fecha os olhos o impostor
outro o que pensa não diz. para fingir que não vê.
n.12 n.13
Com tuas frias maneiras Meu amor enche-me a vida
eu não me incomodo, pois, e eu vivo feliz assim.
embora tu não me queiras, Basta que gostes, querida,
meu amor vale por dois. de ser querida por mim.
n.14 n.15
Se estou, meu amor, contigo, Quando em meus braços te aperto,
tão feliz me considero satisfaço o meu desejo:
que quero mas não consigo de mim te sinto tão perto,
dizer-te o bem que te quero. tão perto que não te vejo.
n.16 n.17
Para se amar é preciso, Um filósofo de peso
de todo, o juízo perder; é desta sentença o autor:
ter-se a um tempo, amor e juízo o beijo é fósforo aceso
isto é que não pode ser. na palha seca do amor.
n.18 n.19
Tu com todo o teu ardor Morena de olhos castanhos,
não estarás enganada? teu encanto é a minha pena;
Talvez confundas amor quem dera que olhos estranhos
com o prazer de ser amada. te achassem feia, morena!
n.20 n.21
Saudade, meiga Saudade Namorados. Para ouvi-los
filha do amor e da ausência, faço, ao lado esforços vãos,
és a nossa mocidade Como dois mudos, tranqüilos,
durante toda a existência. falam somente com as mãos.
n.22 n.23
Se a mulher sincera fosse, Seu dinheiro o homem, cioso,
sincera como o homem quer, não confia a um qualquer,
era uma vez... acabou-se mas a honra de esposo
todo o encanto da mulher. deixa nas mãos da mulher
n.24 n.25
Quem canta seu mal espanta, Depois de uma vida airada,
diz o provérbio ilusório. ao céu quis ir sem licença.
Você, rapaz, quando canta São Pedro pede-lhe a entrada-
espanta, sim... o auditório. e o morto, arrogante: - Imprensa!
n.26 n.27
Trocar idéias contigo ? Amigos - todos os temos
É possível, mas escuta: "ao nosso inteiro dispor",
quero ver, primeiro, o artigo mas até que precisemos
que ofereces à permuta. de algum pequeno favor.
n.28 n.29
Quando nós, discretamente A mulher que nos rejeita,
ficamos conosco a sós, firme, em recusas formais,
é que ouvimos quanta gente se, enfim, nosso amor aceita
chora e ri dentro de nós. não quer que ele acabe mais.
n.30 n.31
Neste mundo organizado Acertaste. Parabéns
de encontro à lei natural, Tens razão, toda razão;
tudo que é bom é pecado por outras palavras: - tens
e o que é gostoso faz mal. a minha exata opinião.
n.32 n.33
Dinheiro não há que abrande Idéias tristes da vida
a dor que um peito magoa: eu as esqueço e abandono
uma coisa é " sorte grande", de dia - por muita lida,
outra coisa é " sorte boa ". de noite - por muito sono.
n.34 n.35
“O cão que ladra não morde”. Ociosidade! Abençoada
Permitam que nesta quadra virtude, nobre e perfeita!
eu do provérbio discorde: Já viram coisa mal feita
sim, não morde... enquanto ladra. por alguém que não fez nada?
n.36 n.37
A vida tão má não creias; Poupar muito mal te fica.
ser otimista é preciso: Deixa, pois, de fantasia!
olha sempre com um sorriso Não vês tu que economia
as desventuras... alheias. é luxo de gente rica?
n.38 n.39
Amizades são incertas. Dos fortes seguindo a trilha,
Ao fazê-las, desconfia: despreza a quem te magoa;
esta mão que agora apertas porém, se ofensor se humilha,
bem pode espancar-te um dia. então, vinga-te: - perdoa.
n.40 n.41
Não te queixes! Sofrem quantos O mal de muitos, meu caro,
vivem, na vida, a lutar; não me serve de consolo...
se não secassem os prantos, - Ser feliz é um dom bem raro
o mundo era todo um mar. que é privilégio do tolo.
n.42 n.43
É bem verdade. A riqueza Um longo olhar que se lança
é dom que a todos ilude. numa carta ou numa flor;
A vida só tem beleza Saudade - irmã da Esperança,
para quem goza saúde. Saudade - filha do Amor.
n.44 n.45
O poderoso ? Merece Amor é cobiça, é ânsia,
pena, lamento, piedade! é fome, sede, ambição
Ah! se ele ao menos pudesse Ventura? Sim... à distância,
mandar na própria vontade! fora do alcance da mão.
n.46 n.47
Foi-me o amor, na mocidade, Vós namorados, vós sois
um passatempo, comum: tão egoístas que pensais
tantas amei que, em verdade, - No mundo, além de nós dois,
nunca tive amor nenhum. qualquer pessoa é demais!
n.48 n.49
Ao te ver eu fico mudo Por ti de longe me inflamo,
mas mesmo assim, sou feliz. mas se me encontro contigo,
Pois meu olhar te diz tudo quero dizer-te que te amo
que a minha voz não te diz. mas quem disse que te digo?
n.50 n.51
Se te olho de quando em quando, Desmanchando o tal consórcio,
Por Deus, não é por mau fim; ela entrou por novos trilhos:
é que estou verificando no regime do divórcio
se tu olhas para mim. tem tido muito mais filhos.
n.52 n.53
O calor em demasia Um sonho é ter-te ao meu lado,
cresta a mata os vegetais a te ver, ouvir, palpar...
e morre o amor de asfixia, Que bom sonhar acordado
quando o ciúme é demais. sem perigo de acordar!
n.54 n.55
A brisa do sentimento O meu coração é o cofre
aviva do amor o lume que as minhas dores contém
se sopra do egoísmo o vento e as dores que você sofre
irrompe o incêndio do ciúme. eu nele guardo-as também.
n.56 n.57
Na minha face estás lendo Dos olhos desce as cortinas!
que a minha mágoa é sem fim; Baixa as pálpebras! É dia:
mas sinto alívio, sabendo sobre vales e colinas
que não sofres... nem por mim! já há luz em demasia.
n.58 n.59
Vacinei-me contra o amor "Eu te amo" é expressão cediça
mas não tive resultado... que nos romances se lê.
Nas farmácias - é um horror!- Prefiro a frase castiça:
é tudo falsificado. "Gosto muito de você".
n.60 n.61
Quem ama - dizem - não pensa. Ó noivos, lembrem-se desta
Pensa, sim, pensa em amar, verdade antiga e singela:
do resto é que dispensa! de tudo, o melhor da festa
Não perde o tempo a pensar. é a gente esperar por ela.
n.62 n.63
Por entre folhas de parra Ponhamos no calendário
e espigas de trigo novo mais um santo português
nasce, chorando, à guitarra milagroso Santo Hilário,
todas as dores do povo. que os fados mais belos fez.
n.64 n.65
Um Fado, um bom Fado amigo, Elo de ouro! És a esperança
ao Brasil trouxe Cabral de horas risonhas e calmas!
e Cabral trouxe consigo Felizes dos que, na aliança,
o fado, de Portugal. acham a aliança das almas.
n.66 n.67
Esperança é verde sonho Os sonhos tem saúde, entendo,
de fortuna, glória, amor; nasceram com boa estrela.
transmuda o céu mais tristonho Pena é viverem sofrendo
num pálio multicolor. pelo medo de perdê-la.
n.68 n.69
Saudade - um suspiro, uma ânsia, Ao quem ama sem ser amado,
uma vontade de ver quanto a esperança faz bem!
a quem nos vê à distância Dá carícias de noivado
com os olhos do bem-querer. aos sorrisos de desdém.
n.70 n.71
AMOR - Esgares de louco, AMBIÇÃO - De olhar agudo,
tolices ditas a esmo. marcha, firme, aos seus ideais;
Repara, analisa um pouco: quer pouco, quer mais, quer tudo;
como "ele" se ama a si mesmo! se tem tudo ainda quer mais.
n.72 n.73
PODER - governar as gentes, JUSTIÇA - A pena ou a clemência
ter honras, servos, soldados distribuir, qual Deus, dos Céus,
e as pragas do impotentes sem nunca a própria consciência
e a raiva dos revoltados. sentar no banco dos réus.
n.74 n.75
LIBERDADE - O cidadão PATRIOTA - Disposto à guerra
livre, tem todo o direito ferve-lhe o sangue nas veias.
de fazer o que o patrão Acha que amar sua terra
acha que deve ser feito. é odiar as terras alheias.
n.76 n.77
Saudade é um mal que consiste Bravura é fruto da paz;
em sofrer por vontade na guerra Não há valente!
mas na vida o quanto é triste Há o que foge para a frente
não ter de quem ter saudade! e o que avança para trás.
n.78 n.79
Nunca a razão lhe esmoreça Erudição tem supina
no momento da desgraça; o bacharel que ali vês;
em vez de um tiro à cabeça, conhece a língua latina
dê vários "tiros"... na praça. profundamente... em francês.
n.80 n.81
Da morte a sentença imprensa Como infeliz é esta gente
trazemos desde o nascer: que pensa que ser feliz
assim que a vida começa é não dizer o que sente
começa a gente a morrer. e não sentir o que diz!
n.82 n.83
"Ano novo, vida nova" Este velho batoteiro
Frase falsa e descabida quando a morte o trouxe cá,
pois cada ano se renova ao ver a pá... do coveiro
sem que se renove a vida. foi dizendo: - bacarat !
n.84 n.85
Da vida o relógio rode Quem só a verdade aspira
até que a corda se acabe... com certeza inda não viu
Em moço, nada se sabe; que a verdade é uma mentira
em velho, nada se pode... que inda não se desmentiu.
n.86 n.87
Neste mundo, companheiros, Alma e corpo juntos vivem
nos irmana a mesma sorte; e o porco vive na lama.
somos todos prisioneiros "Porco" é anagrama de "corpo"
e condenados à morte. e "lama" é de "alma" anagrama.
n.88 n.89
Seguro porto, esperança, Cora a moral, fica rubra,
dos que andam pelo alto mar! ante a imodéstia; pois, certo,
É nas procelas - bonança, é feio que se descubra
farol... estrela polar... o que deve ser coberto.
n.90 n.91
É triste sofrer calado, Jurar é falar a esmo,
do resto do mundo ausente; é prometer sem pensar.
fica a gente consolado Juras não faças; nem mesmo
cantando as mágoas que sente. a jura de não jurar.
n.92 n.93
Se a mulher que está contigo A Saudade é calculada
vive do "outro" a dizer mal, por algarismos também:
tem cuidado, meu amigo, distância multiplicada
ela inda ama o teu rival. pelo fator "querer bem".
n.94 n.95
Mentir? Mentir é virtude Olhos tristes ou risonhos
quando a esperança se prende; vejo entre a gente do povo
a gente se desilude, dos restos dos velhos sonhos
mas ninguém há que se emende. fabricando um sonho novo...
n.96 n.97
A dor até me parece Quanta palavra bonita!
um prêmio, em vez de castigo, Quanto perdido latim!
inda mais se quem padece E quanta cera erudita
é um tipo nosso inimigo. para defunto tão ruim!
n.98 n.99
Como será compreendida Senhoras de olhos magoados
a incongruência da sorte? vi, carregadas de flores,
Pois há quem nasça sem vida chorando amores passados,
e ninguém morre sem morte. sonhando em novos amores...
n.100
Eu, neste assunto de esmola
sem ambições me suponho:
estendo a minha sacola
peço um bocado de sonho...
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959