01 - BELMIRO BRAGA
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Belmiro Braga
(1872-1937)
* * *
n.01 n.02
As almas de muita gente Em ti, minha mãe, se encerra
são como o rio profundo: todo o meu maior troféu:
-a face tão transparente, - guardas num corpo de terra
e quanto lodo no fundo!... uma alma feita de céu.
n.03 n.04
Fiz na vida o meu escudo Quem, mesmo nas alegrias,
desta verdade sagrada: de lastimar não se furta
- o nada com Deus é tudo de ver tão longos dias,
e tudo sem Deus é nada. para uma vida tão curta?...
n.05 n.06
Quem, mesmo nas alegrias, Pobre de mim! Por desgraça
de lastimar não se furta meu coração é um coador:
de ver tão longos dias, nele, o riso escorre e passa
para uma vida tão curta?.. e fica o que é dor.
n.07 n.08
A beleza não te atrai? Saudade... palavra linda,
Só te casas por dinheiro? de sete letras... Saudade
Tu pensas como teu pai, é noite que tem ainda
que morreu velho e... solteiro. lampejos de claridade.
n.09 n.10
Casa em março Ester Macedo Só mesmo Nossa Senhora
e em julho é mãe... Ora, o alarde! pode dar paz e conforto
O filho não veio cedo, à desgraça que chora
o esposo é que veio tarde... a ausência de um filho morto.
n.11 n.12
Muitas vezes imagino, Eu não lamento o revés
os meus dias desolados, do morto que se fez pó;
que o meu coração é um sino do vivo, que espera a vez
dobrando sempre a finados. desse sim, eu tenho dó.
n.13 n.14
Quantos mortos trago vivos Olhaste Jesus na Igreja
no fundo do coração, demais. E tanto o tens visto...
e dentro em mim quantos vivos Fazes-me assim ter inveja
há muito mortos estão!... da própria imagem de Cristo.
n.15 n.16
Eu morro por Filomena, A vida, pelo que vejo,
Filomena por Joaquim, hoje é vale e amanhã cimo:
o Joaquim por Madalena -A quantos pobres invejo
e Madalena por mim. e a quantos ricos lastimo!
n.17 n.18
Vivo, encheu ( a História o prova) Teu coração é morada
com suas glórias o mundo, que não atrai, felizmente:
e, morto, não enche a cova -Quem nele arranja pousada
de quatro palmos de fundo. encontra a cama ainda quente.
n.19 n.20
Meu coração é uma ermida Uma princesa parece
toda enfeitada de flores, pelos trajos do alto preço,
onde conservo escondida mas quanta gente conhece
Nossa Senhora das Dores. seus vestido pelo avesso!...
n.21 n.22
Os beijos, segundo os sábios, Num tronco seco, sem vida
dados com muita afeição, minha mão teu nome abriu
não deixam sinal nos lábios, e o tronco seco, em seguida,
mas deixam no coração. reverdeceu e floriu.
n.23 n.24
Desilusões, desenganos, Politiqueiros... Que súcia!
tudo a velhice nos traz, Segundo as leis de Lavater,
mas existe, além dos anos, o que lhes sobra em astúcia,
a eterna bênção da paz... é o que lhes falta em caráter.
n.25 n.26
Dizem que a lágrima nasce Vi teus braços... que ventura!
do fundo do coração... teu colo... as pernas... que gosto!
Ah! se a lágrima falasse, Agora, tira a pintura,
que doce consolação! Que eu quero ver o teu rosto.
n.27 n.28
Quis a sorte que te visse, Por ver-me alegre e contente,
quis o amor que eu te adorasse, julga-me o mundo feliz:
quis o dever que eu partisse, nem sempre o coração sente
quis a paixão que eu ficasse. aquilo que a boca diz..
n.29 n.30
Mulheres que eu vi no banho, Na justiça tem confiança
vejo-as depois no salão! e verás. depois, surpreso
-Se pelo rosto as estranho, que, por ter venda e balança,
pelas pernas sei quem são. ela te rouba no peso.
n.31 n.32
Muitos supõe a ventura A mulher para ver Vênus
ver em meus olhos brilhar, deve ter cintura fina,
quando esse brilho é tortura olhos grandes, pés pequenos
de não poder chorar. e língua bem pequenina.
n.33 n.34
Que grande, triste verdade Quanta vez junta a um jazigo
me sussurra o coração: alguém murmura de leve:
- a dor é uma realidade, - Adeus para sempre, amigo!
a alegria - uma ilusão... E diz-lhe o morto: - Até breve!
n.35 n.36
Natal! E eu sinto em minha alma Natal. No céu e na terra
cantando uma ave... Natal! quanta alegria! Natal !
No dia azul - quanta calma! A paz adoçando a guerra,
Parece a noite um rosal! o bem adoçando o mal .
n.37 n.38
Tu não vês que vivo louco Muito mais desenxabido
por causa desta afeição ? que a goiabada sem queijo,
Coração, sossega um pouco, é te abraçar, bem querido,
coração sem coração ! e não poder dar-te um beijo.
n.39 n.40
(Mãe) Acima de tudo, acima Coração, bate de leve;
do céu, te devemos por: deixa os teus sonhos horríveis,
o teu nome não tem rima, que um coração nunca deve
nem limite o teu amor. sonhar coisas impossíveis.
n.41 n.42
Com juiz, reto e calmo O que perdemos na vida,
posso afirmar sem receio: procuramos sem achar,
- Mulher de boca de palmo exceto a mulher perdida,
tem língua de palmo e meio que achamos sem procurar...
n.43 n.44
Amigos... E quanta gente Teus olhos, Rosália amada,
não crê na verdade atroz me recordam dois ladrões,
que, no mundo, há somente: sob a pálpebra rosada
- Aquele que existe em nós. tocaiando corações...
n.45 n.46
Olhos pretos, dois acesos Prezado amigo, perdoa
e recendentes carvões: a resposta demorada:
- Par de algemas que traz presos tu sabes, quem vive à toa,
corações e corações. não tem tempo para nada.
n.47 n.48
Não conhecem mesmo os sábios A mulher, além de terna,
este caso singular : faz tudo com perfeição,
- Fala a mente pelos lábios que até nos passando a perna,
e o coração pelo olhar. tem a nossa gratidão...
n.49 n.50
No anel que me deste, pego Nossa Senhora Sant'Ana,
e vejo que é falso, crê. permita que possa um dia
- Se o amor verdadeiro é cego, mobiliar minha choupana
também falso é o amor que vê... com as "cadeiras de Maria!"
n.51 n.52
Na vida, maior ventura De Júlia o pesar profundo
nada nos pode causar parece uma coisa pouca;
do que a tépida ternura - vive na boca do mundo
que nos vem de um doce olhar. por ser beijada na boca.
n.53 n.54
Aquele que dá esmola Deus do amos, Deus da esperança,
tem duas vezes a palma: conduz por flóreo trilho
- Primeiro, o pobre consola, os passos dessa criança
depois, consola a sua alma. - lindo filho do meu filho!
n.55 n.56
Ha dois poderes no mundo Sobre o triste chão de abrolhos
que tudo movem. Primeiro: em que tu vieste ficar,
- Mulher bonita. Segundo: meus tristes, cansados olhos,
dinheiro, muito dinheiro. não se cansam de chorar.
n.57 n.58
Dos beijos me lembro, Glória, Na terra que te consome,
mas não do sabor, meu bem. nem uma triste inscrição!
Por que a fronte tem memória Pudera! Porque teu nome
e a minha boca não tem ? não me sai do coração.
n.59 n.60
Ouvindo-a falar da vida Onde um berço se embalança
dos próprios pais, tive pena há riso, ventura e luz:
de ver língua tão comprida - sobre os berços, doce e mansa,
numa boca tão pequena paira a sombra de Jesus.
n.61 n.62
Do berço à tumba há um caminho Chegaste, afinal ! Chegaste
que todos tem de transpor: no instante mais preciso;
de passo a passo - um espinho, vens trazer a quem mataste
de légua em légua - uma flor. as rosas de um teu sorriso...
n.63 n.64
Noite de núpcias. O Gama A mãe que aperta no seio
encontra a esposa envolvida um filho de seu amor,
num lindo roupão e exclama : tudo enfrente sem receio
— Posso, enfim, ver-te vestida! a calúnia, a injúria e a dor.
n.65 n.66
Minha vida é uma jangada Tenho um neto e essa ventura
num mar revolto de escolhos, veio florir os meus dias,
baloiçando sossegada que um neto é um sol que fulgura
à doce luz dos teus olhos. num céu de nuvens sombrias.
n.67 n.68
Árvore és santa: os teus ramos Entre o berço e a sepultura
baloiçam ninhos de amor ; um relâmpago fugaz,
és abrigo, e em ti achamos mas que século perdura
sombra, fruto, aroma e flor. pelo que nele se faz !
n.69 n.70
a mãe que a um filho acalenta Quem maldiz a vida, prova
- tal o seu amor profundo - não conhecer que ela é vã:
tem a impressão que sustenta - no espaço do berço à cova
em seus braços todo um mundo. há ontem, hoje, amanhã.
n.71 n.72
Coração de coração A caridade... Consola
quando quer bem, faz assim: ao vermos que ela é perfeita,
- põe nas arestas de um não não por ser grande a esmola,
toda a pelúcia de um sim... mas no modo por que é feita.
n.73 n.74
Quem ama, há de conhecer O noivo, da noiva outrora
a triste escala do amor: via o rosto e nada mais ;
- Desejo, ilusão, prazer, se o rosto não vê agora,
cansaço, fastio e dor. todo o resto vê demais...
n.75 n.76
Quem em vossos risos mais brilho Assim como brotam flores
nas alvoradas não vemos; do triste, empedrado chão,
nos olhos ternos de um filho em rima brotam-me as dores
é que nós, Pais, nos revemos. que trago no coração.
n.77 n.78
Da tua voz a frescura Para ser feliz, um louco
feita de encanto e de calor costuma me aconselhar:
lembram um veio de água pura - deverás desejar pouco
sob roseiras em flor. e quase nada esperar...
n.79 n.80
Para um pai um bem se encerra Vi-a apenas uma vez;
num berço - como um troféu, uma só; não mais a vi,
as alegrias da Terra e tal impressão me fez,
e as esperanças do Céu. que nunca mais a esqueci
n.81 n.82
Há no livro uma luz calma Na minha infância, dezembro,
que torna o mundo maior: aos outros meses igual
- quem vê pelos olhos da alma, passava triste... e eu me lembro
vê mais longe e vê melhor. de que não tive Natal....
n.83 n.84
(À Maria Teresinha)
- Toda amizade - é fingida, Nestes dois nomes se encerra
todo mal - recompensado, um rutilante troféu:
toda injustiça - aplaudida _ Se Maria é a flor da Terra,
e todo amor - enganado... Teresinha é a flor do céu.
n.85 n.86
Nosso amor, que ardia em brasa Filha - o sorriso que encanta,
foi morrendo de mansinho, noiva - é a flor que perfuma,
e entre a minha e a tua casa esposa - a graça de pluma,
mal se descobre o caminho... e mãe - a graça da santa.
n.87 n.88
Maio, outrora tão ridente, Quantas vezes tenho ouvido:
como vive triste agora! - como ele ri de prazer!
Que saudades tem a gente Quando esse riso é um gemido
daqueles máios de outrora!... que aos lábios me vem morrer...
n.89 n.90
Fogem-te da lama os pesares, Teus olhos, lagos risonhos,
a treva aos teus olhos brilha, de escuras margens em flor,
toda vez que tu beijares ah! se eu pudesse os transpor
esse amor, que é tua filha. no bergantim dos teu sonhos!....
n.91 n.92
Correm-te os dias serenos Quando a mulher quer, eu acho
e um ano vem e te traz: que nem Deus a desanima:
uma esperança de menos, - É água de morro abaixo,
um desengano de mais. ou fogo de morro acima.
n.93 n.94
Um bacharel, meu vizinho, Risália, naquelas flores
quer saber por que razão que te dei à despedida,
eu faço um verso "assinzinho" entre lágrimas e dores
e o denomino... versão... eu pus toda a minha vida
n.95 n.96
O maior dos meus desejos Só duas cores havia
é ver-te, vendo com gosto de rosas que aqui registro:
eu entupir com meus beijos a cor dos pés de Maria
as covinhas do teu rosto... e a cor das chagas de Cristo.
n.97 n.98
(De Villaespesa) (De Villaespesa)
Se eu fosse uma flor, querida, Se eu fosse uma fonte, nada
queria, cheia de anelos, me privaria do gosto
morrer ditosa e esquecida de ver-te em mim reclinada,
na noite dos teus cabelos... para em mim veres teu rosto...
n.99 n.100
Raio de sol ser desejo Árvore seca, nem flores,
para um dia (oh! que ventura!) nem sombra e frutos dou mais:
depor-se na fronte um beijo mataram-me a seiva as dores
e vos ver ainda mais pura contínuas dos vendavais.
(De Villaespesa) (De Villaespesa)
in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959