MARINA TRICÂNICO, filha de Benedito e Maria Inês Tricânico, nasceu em Piracicaba e radicou-se em São Paulo. Professora, jornalista, advogada (bacharelou-se em 1947). Tem vários livros publicados, entre outros: "Madrigal" e "Receita para o Amor". Farta obra sobre literatura infantil. Fundadora da "Casa do Intelectual", na capital paulista. Faleceu em 1989.
TROVAS DE MARINA TRICÂNICO
No rio a lua com sono,
o sol dormindo no mar.
Folhas caindo no outono,
minha Mãe, o teu olhar...
A graça vive na flor,
nas nuvens, nas ondas mansas.
Nos olhos do nosso Amor
e no riso das crianças.
Pede, alma de uma criança,
com a força de que és capaz,
que aos homens sem esperança
Deus dê, por piedade, a paz!
Neste mundo sempre tenso,
a paz tem vago roteiro.
Onde o exemplo extremo, imenso,
do Filho do Carpinteiro?
Adoro o Amor! É tormento,
é tortura, sonho, dor...
É, no entanto, encantamento,
ternura... e eu adoro o Amor!
Abençoada fantasia
que os meus dias coloriu.
Tu foste aquela alegria
que a minha dor descobriu...
Lágrima, essência divina,
sangue branco da emoção!
É o sim que Deus assina
na mensagem do perdão!
Quem é do turismo amigo,
que grande amigo que tem!
É amigo que traz consigo
o amigo que lhe convém!
Quem me dera que a distância
que te separa de mim,
fosse ternura, e não ânsia,
fosse começo, e não fim...
Há, na realeza do outono,
quietude que satisfaz,
e entre a tristeza e o abandono,
a mansetude da paz...
É a vida fonte dourada
de esplendente, estranho brilho!
E refulge, eternizada,
na luz dos olhos de um filho!
Calor intenso que abrasa,
calma que os nervos não têm,
ternura espraiada em asa...
É o Amor, o Amor que vem...
Ah! Chuva que vai caindo,
vai caindo sem piedade...
Ah! Chuva que vai florindo
meu canteiro da saudade...
Que doçura a criancinha,
meiga, gentil e louçã!
A primeira palavrinha
balbuciou hoje: - "Mamã"!
Quantas vezes a vitória
exige dores e luta.
E depois... depois da glória,
um cálice de cicuta.
Se eu pudesse trocaria
com o seu, meu coração.
Assim você me amaria,
sofreria tanto... e eu, não...
Eu amo a rua isolada
do bom tempo do vintém.
Com viola, Amor, batucada,
palácio do Zé Ninguém...
Eu vi meu rosto espelhado
nos teus olhos sem visão.
Mas teu olhar apagado
continuou na solidão...
Distância relembra ausência
e a saudade se agiganta.
Com ela, a reminiscência,
a dor, o nó na garganta...
Luar, doce beijo manso
da noite quieta, faceira...
Na tua luz eu descanso
meus males, minha canseira.
Felicidade é ternura,
alimento que a alma tem.
Ilusão feita doçura
que é de todos, de ninguém...
Deus! Criaste a cor, a rosa,
a estrela, a nuvem tão mansa!
Por que a noite dolorosa
do cego sem esperança?
Sempre, sempre, todo o dia,
aconselho a moratória
àquele que muito fia
nos louros de uma vitória.
A vida de uma criança
é sempre uma clarinada!
Sinos tocando! É a esperança
cor da luz da madrugada!
Garoa que vai caindo,
deixa triste o coração.
São as lágrimas florindo
arabescos pelo chão...
Rua antiga, pequenina,
tem histórias a contar.
Cada pedra, cada esquina,
é um segredo secular.
O outono e a vida parecem
ter nascido num só dia.
Porque os dois juntos padecem
de uma mesma nostalgia...
O Direito é sábio e belo:
é luz que ao cego garante
a justiça de um libelo
na sentença edificante.
Que caverna misteriosa
nosso coração encerra!
Esconde uma arca curiosa
com todos os bens da terra!
Lar que criança não tem
p'ra tudo desarrumar,
é ninho que não convém
para a alegria pousar.
No meu destino eu diviso
- ficaram como centelhas! -,
um vulto belo, um sorriso,
e aquelas rosas vermelhas...
A roseira, minha Mãe,
que plantaste no jardim,
dá rosas lindas, Mamãe,
recados teus para mim!
É doce e simples o enredo
que o outono traz ao chegar;
há murmúrio entre o arvoredo
e o balé vai começar...
Outono já está reinando,
veio de manso, com sono.
Há folhas, galhos bailando,
lembram destinos sem dono...
Praia, misteriosa e doce,
estou à sua mercê!
Minh'alma é como se fosse
um punhado de você!
Dei-lhe um livro pequenino
que a minha saudade evoca.
Como foi bom o destino:
deu-me você como troca...
Garoa das madrugadas,
amiga dos bem amados!
Lava os passos das calçadas
e dos homens os pecados.
Guardei com ternura e agrado
esta flor que já secou.
Deu-ma um dia o meu amado,
foi do Amor o que sobrou...
Criança nasceu doente,
tem fome, criança triste...
É chama que, de repente,
ao vendaval não resiste...
Saudade - coxim dourado,
que nos leva para o além...
Sonho de Amor enfeitado
de nuvens que vão e vêm...
Lentamente o outono desce
sobre a terra entristecida.
E os galhos são mãos em prece,
numa oração dolorida.
Galhos, folhas amarelas
rodopiando sem dono.
Vidas tristes, paralelas:
melancolias do outono...
Esta terra é um picadeiro
vivendo comédia e drama.
Se nela manda o dinheiro,
repara, dinheiro é lama...
Ah! mentirosa alegria,
és simplesmente trapaça,
se vens daquela euforia
de um bom trago de cachaça...
A cegueira é campa estranha
sem sol, sem flores, sem luzes,
rodeada de uma montanha
toda bordada de cruzes...
Lições de grande valia
de um cego já recebi:
enxergando, eu nada via,
e ele via o que eu não vi!
Lá vai o cego amparado
sem medo da escuridão:
tem seu cão como soldado,
e como guia, o bordão.
Como a rosa, assim dengoso
é para mim o meu bem:
belo, gentil, amoroso,
e tem espinhos também...
Não quero que o vento leve
meus sonhos doidos da infância...
Ele não deve, não deve
carregar sua fragrância.
Garoa, berço de estrela,
linda, gentil, doidivana...
Ah! Como eu gosto de vê-la
sobre a terra paulistana!
Era apenas a choupana, (co-vencedora em Niterói - 1980)
pobrezinha, pequenina...
E abrigava a caravana
dos meus sonhos de menina...
Na minha filosofia,
eu penso como serão
os corações sem poesia,
poesia sem coração!
Rua antiga, pequenina,
tem histórias a contar.
Cada pedra, cada esquina,
é um segredo secular.
São presos por fortes elos
nossos destinos iguais.
Pena que são paralelos,
e não se encontram jamais...
Saudade - olhar de Maria,
indefinível, incerto...
Sombra da cruz da agonia
na solidão do deserto...
... E a praia disse baixinho:
- Ó mar, são teus meus desejos...
Então o mar, de mansinho,
cobriu-a toda de beijos...