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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)
O humor de Mário Quintana
130 historinhas compiladas e adaptadas por
Juarez Fonseca
Editora L&PM POCKET
BILHETE PARA MARIA LUA
Veja que coisa bacana,
Esta paixão toda sua:
Se escuto MÁRIO QUINTANA,
Recordo MARIA LUA.
José Fabiano
CRAVOS E FERRADURAS
UMA DAS facetas pouco públicas de Quintana era a de emérito galanteador. Fazia respeitosos galanteios a mulheres de amigos, com especial predileção, nesses casos, pelo trocadilho. A jornalista Alba Faedrich (aquela a quem costumava chamar de Albaurora), colega de redação, certa vez pediu-lhe que traduzisse alguns versos em francês e antecipou o agradecimento pela ajuda deixando um cravo vermelho sobre o teclado da máquina de escrever de Quintana.
Cheio de culpa por não ter feito a tradução, no dia seguinte ele deixou um bilhete sobre a máquina dela, em versos:
O cravo que tu me deste
Num momento de loucura
É para usar na lapela
Ou usar na ferradura?
De repente começou a chamar Cleusa, mulher do amigo poeta Armindo Trevisan, de “Cleúza”. Era Cleúza pra cá, Cleúza pra lá.
- Tu sabes que eu não sou Cleúza – ela acabou por reagir um dia.
Ao que Mário olhou divertido para Armindo:
- Se é Cleúza é tua musa, se é Cleuza é tua deusa...
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IMPOSTO DE RENDA
ANDAVA às voltas com a declaração do imposto de renda. Tinha o salário do Correio do Povo e até aí tudo bem. Para complicar, havia direitos autorais vindos de várias fontes. Mais burocracia do que dinheiro, como se sabe. Enfim, andava às voltas com os labirintos da declaração.
Mas sempre há uma alma caridosa. O colega Sílvio Braga, que se dividia entre a redação do Correio e uma repartição federal, ofereceu-se:
- Reúne a papelada e me passa, que eu faço tua declaração no computador.
Prometido e feito. Mário agradeceu pelos préstimos com o verso:
Sei que meu cálculo é infiel
Na mais inglória das lutas
Lido com pena e papel
E tu, ó Braga, computas.
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ASTRONAUTA
DOMINGO, 20 de julho de 1969. Como todos os lugares do mundo em que existia um aparelho de televisão, a redação do Correio do Povo está parada, assistindo à chegada do homem na Lua. Enquanto Neil Armstrong saltita, deixando marcas na superfície lunar e cravando lá a bandeira norte-americana, Mário Quintana rabisca a sua marca para a data, antecipando outros futuros. Escreve e mostra, para delícia do pessoal:
Todo astronauta que se preze
Há de trazer pelo menos
Um dos anéis de Saturno
E uma camisa de Vênus.
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BARBUDINHOS
O POETA Nei Duclós, nascido em Uruguaiana, cidade-irmã do Alegrete de Mário, homenageou-o com um poema publicado em seu livro de estréia, Outubro, de 1975.
Olhem o antípoda
olhem o animal da palavra
É um dinossauro na cidade de vidro
borboleta branca na floresta queimada
Respeitem seu andar
e desconfiem com temor
da sua conversa fiada
Ele é o flagelo do Senhor
e vocês não sabem.
Perguntando sobre se lera os versos, Quintana confirmou, acrescentando que considerava um dos bons poemas escritos a seu respeito. Disse mais, que tinha vontade de dar um abraço em Nei. Mas havia uma dificuldade naquela tempos hippies:
- Como vou reconhecê-lo no meio de todos esses barbudinhos?
Quatro anos depois Mário lembraria essa história no prefácio que escreveu para o segundo livro de Nei, No Meio da Rua, lançado em 1979 pela L&PM.
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BRUNA
UM GRANDE assunto que chega à roda, num intervalo da gravação da Antologia Poética: Bruna Lombardi. Os olhos verdes, o rosto, a delicadeza, o tudo. Quintana define, sonhador:
- Ela é bonita por demais, aquilo é até covardia. E é portátil!
Logo a conversa passa a ser sobre Gilda Marinho, a jornalista que rompeu preconceitos e marcou época na vida social de Porto Alegre. Foram muito amigos. Mário diz que foi mesmo uma grande mulher, conta histórias. Até perguntarem se é verdade que tinham sido namorados.
- Não, não, porque ela não era portátil...
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BRUNA
A SECRETÁRIA de Educação e Cultura promovia viagens culturais pelo interior gaúcho e numa delas Bruna Lombardi, lançando um livro de poemas, convidou Mário Quintana para acompanhá-la. E todo mundo vinha falar com ele, paparicavam, seu Mário pra cá, seu Mário pra lá, uma maravilha. Bruna ao lado. Tempos depois:
- Agora há pouco eu fui a Bagé e o pessoal não me dava bola. Escrevi para a Bruna: “Olha, que desilusão. Fiz um baita sucesso da outra vez, mas é porque eu estava contigo...”
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BRUNA
MÁRIO sempre na dele, distraído, sai do elevador todo alegre e cumprimenta efusivamente o porteiro do hotel. Não acostumado com tantas gentilezas, o rapaz pensa um pouco e comenta com um colega:
- A Bruna Lombardi deve estar na cidade...
Foi uma paixão dele. Mas havia maledicentes para os quais a atriz alimentava essa aproximação, o “namoro” platônico, também para abrir espaços à poesia dela. Nas vezes que Elena comentava isso com ele, dizia que a sobrinha tinha ciúmes.
Um dia, uma emissora de TV de São Paulo convidou Mário e Bruna para seu programa semanal de entrevistas. Quando no jornal chegou a informação de que a atriz recebera cachê para participar, e Mário não, um colega ficou indignado e disse que era injustiça, um desrespeito. Mas ele entendeu:
- Ora, as pernas dela são muito mais bonitas que as minhas...
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BRUNA
O JORNALISTA Maurício Mello Jr., na época crítico literário do Correio Braziliense e bom conhecedor da literatura do Rio Grande do Sul (com a motivação extra de ser casado com uma gaúcha), esteve em Porto Alegre por volta de 1985 para entrevistar Quintana. Depois de muita conversa séria, deixou para o fim uma questão que sabia ser do interesse dos leitores.
- Fale a respeito de sua amizade com Bruna Lombardi.
Mário pensou um pouco, bem pouco, e expôs o seu lado:
- Pois é... Não sei o que ela quer comigo. Mas eu estou cheio de más intenções...