Trovadores Inesquecíveis - X
Zenília Paixão
(texto de Thereza Costa Val, da UBT Belo Horizonte, para www.falandodetrova.com.br)
Zenília Paixão nasceu em Contagem, MG, onde fez seus primeiros estudos. Com a vinda de sua família para Belo Horizonte, seus cursos secundários foram feitos no Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Diplomada em Legislação Trabalhista, ocupou o cargo de Oficial Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Poeta de grande sensibilidade, Zenília se dedicava à composição de sonetos, poemas e trovas, com rigor técnico, em versos líricos onde afloravam seus mais puros sentimentos.
A poesia circulava no sangue da família Paixão, unindo tia e sobrinha na mesma inclinação poética. Irmã do Deputado Estadual Hermelindo Paixão, por esse parentesco, era tia da também sonetista e trovadora Maria Dolores Paixão Lopes.
Zenília já pertencia à Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, quando lá ingressei. Nas reuniões da Municipalista, a poeta costumava brindar os acadêmicos com a declamação enfática de seus poemas. Muito simpática, ela ocupava a tribuna “com aquela ‘joie de vivre’ que lhe era característica” – palavras do trovador Luiz Carlos Abritta, na reunião da UBT / BH de 13 de março de 1996 em que, como Presidente, prestou uma homenagem póstuma à Zenília. E ele acrescenta “era chamada a namoradinha da Academia, título carinhoso que a orgulhava”. O mesmo sucesso ela fazia nas reuniões da Academia Feminina Mineira de Letras, da qual foi uma das fundadoras, ocupando a cadeira de número 2. Sua patrona era a professora Rita de Cássia Figueiredo Paixão, sua mãe.
Quando recitava seu poema em homenagem aos médicos, “Mãos que Curam” arrancava calorosos aplausos da platéia. Zenília não escondia sua satisfação pelas palmas recebidas.
Em 14 de agosto de 1993, Zenília estreou em livro próprio, intitulado “O Eleito”, reunindo poemas livres, sonetos e trovas, alcançando boa aceitação e crítica favorável. O poema de abertura, que leva o mesmo nome do livro “O Eleito”, foi traduzido para o húngaro. Outros poemas seus também foram traduzidos para o húngaro e o inglês. No livro, os poemas e sonetos estão agrupados em subtítulos como “Mensagem à Criança”, “Quando Fala o Coração”, “Paisagens”, “Prece”, “Sentido da Vida”, “Ideais”, “In Memoriam” e, por fim, “Trovas”. Zenília presta homenagens diversas, em belas poesias, inclusive às crianças de sua família, por ocasião do nascimento. Destaco o poema que ela fez para a sobrinha neta Luciana, filha de Maria Dolores, que me forneceu algumas datas importantes para esse trabalho.
Participou das coletâneas de trovas “Já é Tempo de Saudade”, 1979, “Vereda de Outono”, 1980 , “Cantigas de Primavera”, 1982, todas da UBT de Belo Horizonte, além de outras coletâneas poéticas.
A trova mais conhecida de Zenília fala de um desencontro, que não sabemos se corresponde à verdade, mas como não se deve acreditar em tudo o que um poeta fala, o melhor é aceitar a dúvida. Se fosse arriscar um palpite, diria que foi ela que chegou atrasada...
De nosso encontro marcado,
não sei o que mais errou:
se quem chegou atrasado,
ou quem nem tarde chegou.
Outras trovas de Zenília Paixão merecem ser relembradas pelo lirismo que trazem. Ela conhece olhos cor de esperança, de cor de grama, cai num precipício de flores, vê uma estrela querendo chamar a atenção. Há também uma certa filosofia em seu lirismo.
Vez ou outra, a trovadora participava de concursos, alcançando ótimas classificações que lhe renderam um bom número de troféus, medalhas e diplomas.
Trago sempre na lembrança Teu sorriso é que envenena
o meu sonho de menina: a taça dos meus amores:
uns olhos cor de esperança por ele caí, serena,
da boneca da vitrina. num precipício de flores.
A lua, mulher formosa, O luar de minha infância
espera a noite chegar, ficou na minha saudade.
mirando-se presunçosa Quanto maior a distância,
no espelho verde do mar. mais intensa a claridade.
Na carícia prolongada Buscando a felicidade
daquele beijo ao luar eu sinto a vida passar
entrei pela madrugada entre sonho e realidade,
e nem vi o sol raiar. e o cansaço de esperar.
Com sua fronte serena, Na vida o que lamento
revendo a missão cumprida não é mágoa, não é dor
descansa o idoso a pena e sim o cruel tormento
no pergaminho da vida. de viver sem ter amor.
Às vezes sinto saudade Se jamais tive a ventura
de um momento que passou, de uma afeição verdadeira,
da fugaz felicidade um momento de ternura
que a lembrança eternizou. valeu-me a existência inteira.
Não resisti à magia Uma estrela cintilante
dos teus olhos cor de grama. para chamar a atenção
Quis fugir... já não podia; pôs um colar de brilhante
é o destino de quem ama. e virou constelação.
Na mais cruel solidão Tua beleza, Maria,
descobri um certo dia, não deixa de ser fatal:
que até mesmo a ingratidão uma cabeça vazia
às vezes faz companhia. num corpo sensacional.
Toda a humana inteligência Divino em sua pureza
em estrutura e grandeza o amor de mãe ultrapassa
resplandece na opulência toda a esfera da grandeza,
que há na Língua Portuguesa. na humana vida que passa.
Há um canto de louvor No mundo tudo fenece,
em nosso livro sagrado a própria vida se esvai...
ao filho, que é protetor uma coisa permanece:
de um pai idoso e cansado. o bom exemplo de um pai!
Para as festas de junho, comemorando os santos mais conhecidos do mês, Zenília, que era solteira, brinca com os sonhos casamenteiros das moças, nas trovas brejeiras de sua autoria:
São Pedro, o velho chaveiro, São João, o apóstolo amado,
os pedidos não suporta: a favor do matrimônio,
“Eu não sou casamenteiro. aconselha, emocionado,
Vá bater em outra porta!” recorrer a Santo Antônio.
Santo Antônio das aflitas, Ouve o balão, sem destino,
é por demais milagroso: reaparecendo, por fim,
para as feias e as bonitas da "Coroa" em desatino:
arranja sempre um esposo. "Traz um gatão para mim."
Zenília Paixão veio ao mundo em 01 de dezembro de 1917 e partiu em 06 de janeiro de 1996, em Belo Horizonte, cidade onde viveu desde a adolescência.
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NOTA = a autora do texto, THEREZA COSTA VAL, brilhante poetisa/prosadora/trovadora, integra a UBT de Belo Horizonte.