Depoimento da poetisa Sylvia Reys

(NOTA DO SITE: mais do que falar de sua vida de estudante e de poeta, este depoimento  de Sylvia aborda um tema importante sobre leitura e qualidade de ensino no Brasil. Embora antigo, é muito interessante)

Sylvia Reys fala de sua vida de estudante e de poeta.

Meu nome é Sylvia Reys, sou de São Paulo, da Capital, nasci aqui e cresci aqui, estudei aqui e amo esta cidade. Fiz o Colégio São José, da irmandade São José. A maior parte de freiras francesas. A gente estudou francês a vida toda ali, aprendeu tudo, até o curso normal. Depois fiz vários cursos, por minha conta, fiz Oratória na Associação Paulista, fiz curso de Redação, de Decoração. Sempre me ocupei, sempre tive uma sede de saber mais, e acho que isso é muito importante.

Minhas funções, minhas atribuições são de jornalista, poetisa, cantora, declamadora. No momento, eu me dedico mesmo à poesia, sendo que no começo desse ano eu passei a presidência do Movimento Poético Nacional, que eu exerci por doze anos, dois anos substituindo o presidente, que era o Dr. Silva Barreto, e dez anos de efetivo exercício. E teria continuado, se quisesse, mas, em verdade, eu achei que já era hora de dar lugar a um outro poeta e foi o que eu fiz. Antônio Lafayette veio me substituir e está exercendo.

A poesia se tornou o centro da minha vida, eu escrevo desde menina. O meu pendor para a poesia vem de herança, de um meio ambiente. Meu pai era jornalista, escritor, Plínio Reys. Ele foi superintendente das Folhas e viveu a vida dele como jornalista no Correio Paulistano. Naquela Revolução de trinta e dois, acabaram com o Correio Paulistano que era fantástico. Para você ver a selvageria, jogaram o piano de cauda, em que a Guiomar Novaes tocou, da janela pra rua. Espatifou o piano. Você veja que brutalidade, o que tinha a ver um piano, uma coisa maravilhosa, a música?

Então, meu pai era extraordinário. Nós éramos cinco irmãos, ele reunia em volta da mesa os cinco e lia para nós leitura boa, sadia. Eu devia ter uns seis, sete anos. Ele instituía que nós cinco fizéssemos contos, poesias, e no Natal, tinha um conto ou poesia que fosse, que ele premiava, e, modéstia à parte, eu sempre ganhava. Então é herança, aquilo foi brotando em mim. Na escola, sim, aprendi, mas não poesia. Escola nenhuma tem a determinação de transmitir poesia. Na escola, eles pediam para escrever composições e descrições. E eu me formei com coroa de louros. Um crucifixo concedido pelo arcebispo. Eu era sempre a primeira aluna da classe, em redação, tinha os pendores artísticos que foram incentivados por meu pai e não ficaram adormecidos. Eu acho que o meu era fruto do meio ambiente, da herança. Eu acho. Eu não gostava de fazer trabalhos manuais. Eu esquecia a agulha deliberadamente toda vez, então, eu não podia fazer o trabalho e eu lia em voz alta para a classe. E as alunas gostavam, porque, graças a Deus, sempre tive boa dicção. Lia em voz alta para as colegas enquanto bordavam, durante duas horas. De propósito, sempre eu esquecia a agulha, sempre adorei ler. Li muito na minha vida. Tudo que se possa imaginar. que caísse na minha mão eu lia. Eu adorava o Eça de Queiroz. “A cidade e as serras”, “O Primo Basílio”. Um escritor descritivo, num jantar que o Eça descrevia, você até saboreava o arroz doce! Eu faço leitura dinâmica. Aprendi, também a fazer, então, pegava um livro e queria chegar ao fim. Às vezes, não dormia uma noite para terminar aquilo que eu lia.

A minha poesia, essa que vou ler, é moderna, mas eu faço poesia clássica, também. Não sou sonetista, tenho três sonetos. Fui obrigada a fazer para figurar na antologia da Casa do Poeta, não que eu não goste, adoro soneto, mas eu sou assim, a fazer um mau soneto, melhor não fazer, então não faço. Faço poesia livre, moderna, alguma coisa clássica, fiz a oficina de trovas com o Izzo. Faço muita poesia, aquela poesia de sete sílabas com quatro versos, redondilhas maiores. Tenho muitas trovas. Pretendo publicá-las também. A trova é um poema sucinto mesmo, com mensagem, com tudo. Fiquei trovadora apaixonada. Enfim toda forma de poesia me interessa, eu amo, adoro, mas como eu disse, eu acredito que por herança e por incentivo. Em meio a um ambiente exato, sabe, porque de meus irmãos somos cinco nenhum é poeta. Eu escrevi uma poesia sobre meu pai.

Meu pai

Meu pai vestiu-me a alma de escamas douradas,

Qual peixe de sonho em águas irisadas.

Meu pai plantou em mim a semente fértil da poesia,

O milagre do sonho e da fantasia.

Meu pai imbuiu-me dos princípios de justiça,

De amor e de ampla liberdade.

Ensinou-me a amar o belo,

A vida em sua verdade.

Varreu de mim o negativismo,

Polvilhando meu chão com a …… do otimismo.

Com ele aprendi que o pensamento é livre totalmente.

Pode-se aprisionar um corpo estreitamente, jamais o espírito,

Ele ao mesmo através de grades amplamente

Meu pai, hoje figura longínqua,

Marcou-me com a cicatriz profunda de sua lembrança,

Pelo que de magnifico me legou com herança.

Pensador, sábio, inteligente, assaz dotado,

Quanto lhe devo, oh pai querido, adorado,

E assim tenho vivido, por tais princípios norteada,

Feliz, convicta e realizada,

Oh pai querido, obrigada, mil vezes obrigada.

Hoje, lamentavelmente, não se vê isso mais. As crianças têm carência tanto de mãe, que trabalha fora, não por esnobismo, mas por necessidade de questões sociais: precisa ajudar o marido a manter a família. E pai também, qual é o pai que reúne os filhos em volta de uma mesa para ler boa leitura? Eu me lembro, até Marquesa de Santos, ele lia para nós, que é uma obra notável, com descrição das festas que ela dava, dos tachos, em que eram mexidos os doces. Aquilo encarnou em mim, eu vivia aquelas cenas à noite, depois quando dormia. Com isso, criou um mundo de sonhos na criança, muito útil, eu acho. Hoje existe a dissolução da família. O filho diz: “mas quem é o meu pai? Fulano, Sicrano, …”. Veja, que coisa triste a ser plantada no coração de uma criança. Mas é isso que predomina. A televisão é um veículo maravilhoso, maior de difusão, mas nefasto. No momento, veja as novelas: é uma confusão, um desacato à moral, a tudo. Uma coisa horr ível, uma pena. É lastimável, não é?

A poesia é que justamente toma o maior espaço na minha vida. No momento, estou com um material, uns duzentos poemas que estão sendo revisados para selecionar os melhores, submeti a uma autoridade superior, para publicar ano que vem. E acho que estou satisfeita, com o conteúdo do livro. Eu sempre dizia que queria escrever um livro. Meu pai dizia que, quando eu me sentisse em condições de escrever um livro, que o fizesse. Porque lamentavelmente eu tenho visto “coisas” em matéria de livros publicados.

Submeteram ao Walter um livro para ele corrigir, fazer a orelha. Eu disse: – Não faça, Walter, porque você endossar o que está contido nesse livro, não pode ser, não diz bem ao seu conhecimento. Mas que coisa, como é que a pessoa acha que deve publicar aquilo, levar aquilo ao público, muita coisa absurda, erros de concordância, não tem mensagem, não tem lógica, não tem métrica, não tem nada e a título disso se diz poesia moderna, não é verdade? Há coisas lindíssimas em matéria de poesia moderna, mas poesia moderna de verdade, com mensagem, com nexo.

Ao menos uma vez por semana, tínhamos que fazer uma composição. E fazíamos praticamente tudo em francês, por que as irmãs do Colégio, como já disse, quase todas eram francesas. Eu falo, leio, redijo, traduzo, adoro a literatura francesa. É belíssima, sutil. Lamentavelmente, eu acho que o ensino sofreu um decréscimo. Você vê advogados, pessoas formadas com curso superior que redigem muito mal. Como eu lastimo. Ah! a língua-mãe devia ser exaltada. Não é isso? Foi indo, foi indo, foi decrescendo e caiu no abandono total.

Não é por falta de aulas, porque agora eles têm seis aulas de língua portuguesa, por semana. Louvada quantidade, mas precisa ver a qualidade dessas aulas. Verbo: quem é que sabe conjugar um verbo direitinho? Então, na televisão, todos os dias, num programa: “eu lhe amo, eu lhe amo” Como?. “Eu amo você”, ou “eu te amo”. Na televisão, a três por dois, dizem “eu lhe amo”, uma judiação. Tu, vós você, tudo misturado no mesmo contexto, nas poesias, em tudo, não há mais concordância em coisa alguma. Abandono, eu acho. Espero que haja um ressurgimento. Como eu disse, aliada a quantidade de aulas, a qualidade. Os professores foram sofrendo restrições, mal remunerados, e muito, admitindo-se, às vezes, professores que não tinham competência, porque os bons se retraíram. Então, tudo isso interfere. Eu espero, tenho fé em Deus, que haja excelentes professores, que venham atuar e, como disse, aulas de quantidade e qualidade, pois a atenção à n ossa língua deveria ser algo primordial. Um profissional liberal, que se apresenta como formado, curso superior, redigir de uma maneira que envergonharia a qualquer um? Não pode. Precisa-se fazer algo no sentido de fazer ressurgir o brilho da nossa língua, que é dificílima e lindíssima.

 

FONTE = nilviapantaleoni.wordpress.com/