Paulo Emilio Pinto - Conselheiro Lafaiete/MG

PAULO EMÍLIO PINTO 
nasceu em Conselheiro Lafaiete (antiga Queluz de Minas), MG, a 21 de fevereiro de 1906, filho do também poeta Carlos Augusto dos Santos Pinto e de D. Maria da Conceição de Mendonça Pinto  Poeta de grande talento, dedicou especial carinho à Trova, com muitas premiações em concursos, além de vários livros publicados sobre a modalidade, entre os quais:  "Cantigas que Fiz Sorrindo", "Cantigas que Fiz por Aí" e "Cantigas de Gosto Amargo".  Um dos mais talentosos trovadores brasileiros, especialmente no gênero humorístico.  Profissionalmente era Engenheiro Agrônomo.   Em Belo Horizonte, residiu à Rua Caldas, 71.

 

TROVAS  LÍRICAS E FILOSÓFICAS 

Esta engrenagem, que é a vida,
esmaga a todos, sem dó.                    (1o. lugar - Friburgo-1963)
E a gente, aos poucos, moída,
de novo volta a ser pó.

Mais bebo, mais me angustio,
tamanha é a dor que me invade.
-- Sou planta de beira-rio,
numa enchente de saudade!

Cuidai dos ricos, Senhor,
protegei-os mais de perto,
que aos pobres a própria dor
ensina o caminho certo!

Que luta quando eu a vejo
tão tentadora e inocente!
Já viu respeito e desejo
brigando dentro da gente?

Pelas águas remansosas
de meu viver vagabundo,
pensativo eu olho as rosas
que boiam sem ver o fundo.

Por que gargalhas, coruja,
lá nas grimpas do telhado?
Alegra-te a noite suja
de tanto vício e pecado?

A amizade mais o amor
cultivar bem que eu tentei.
Mas quanta praga, Senhor,
deu nos jardins que plantei!

Sem rumo, triste, mofino,
segue o rebanho pastando.
Quem pastoreia é o Destino.
De cima Deus fica olhando.

Infeliz não é o que chora
de inveja ou amargo rancor.
É o que vai por vida a fora
sem uma história de amor.

Escuta, fonte, não sigas
jamais os caminhos meus.
Tuas quedas são cantigas,
as minhas... pergunta a Deus.

Com ar assim de quem sonha,
filosofava uma cobra:
- Ah! se eu tivesse a peçonha
que na alma dos homens sobra!

Para a minha alma sofrida
quisera apenas um bem:
o de ir brincando com a vida,
enquanto a morte não vem.

Vai o boi, dando de duro,
com o velho carro que chia.
Soubesse de seu futuro,
tantro esforço não faria.

Quando o sol descamba além
e os sinos soltam lamentos,
intrusa, a saudade vem
despertar meus pensamentos.

Enquanto o mar lambe a areia
com volúpia, devagar,
de ciúmes a Lua cheia
chora prantos de luar.

Uma estátua, um monumento
que lembre amor e carinho?
- Uma mulher no momento
de amamentar seu filhinho!

Às vezes fico a pensar
que minha alma ainda é menina.
Uma garota a brincar
num casarão em ruína.

Esbelta, leve no andar,
calor mostrando também,
vem ela.  E eu fico a pensar:
que puro-sangue ali vem!

Vai fria, vai arrastada,
esta noite de temores.
Vai negra, como pintada
com o nanquim de minhas dores.

Que a esmola que dás ao pobre
seja sempre aos olhos teus
apenas um gesto nobre,
nunca um empréstimo a Deus.

Regra, filho, o teu viver
para não teres a mágoa
de ver que o falso prazer
num mar de tédio deságua.

Canta um galo.  Já distingo
um clarão lá no nascente.
mais um dia... mais um pingo
de tempo a pingar na gente.

Por essa vida, aos esbarros,
sigo só por meu caminho.
Sou como um desses cigarros,
que vai queimando sozinho.

Ia triste.  De repente,
uns olhos negros, risonhos,
deixaram na minha mente
uma ninhada de sonhos.

Enquanto o bar está cheio
de risos e alacridades,
eu, sonhando, pastoreio
meu rebanho de saudades.

Roteiro duro o da vida!
Tem setas bem indicadas,
mas quanta gente perdida
em suas encruzilhadas!

Revendo a velha cidade
onde deixei meu umbigo,
qual cicerone, a saudade
é quem passeia comigo.

Na tarde cinzenta e fria,
quê de tristezas no ar!
Bate um sino... Ave-Maria...
Ah!  se eu soubesse rezar!

Em noites de lua cheia,
de sonhos bem cheio o alforje,
minha alma, infantil, passeia
na garupa de São Jorge.

Ó tu que vives por baixo,
se subires sê decente.
Não sejas como o riacho
que faz misérias na enchente.

O sol, ao romper do dia,
olha a Terra em festival,
sem saber que essa alegria
ele a trouxe em seu bornal.

Nordeste.  Vai longo o estio.
Quanta tragédia traduz
o leito seco de um rio
e à beira dele urubus!

Mundo de gente que chora...
Mundo de gente sofrida...
E o Tempo fincando a espora
na besta magra da vida...

Trovador procuro, aflito,
o belo, em temas diversos,
sonhando ver o infinito
amarrado em quatro versos. 

O olhar dos bons tem o brilho
que nos lembra o olhar profundo
de Maria, olhando o Filho;
de Jesus, olhando o mundo. 

Vejo-o sempre em meu caminho
e invejo-lhe a placidez.
- Ensina-me a ver, ceguinho,
a Vida assim como vês!

Não queiras jamais um caso
resolver lá na Justiça.
É prazo, prazo e mais prazo;
e, mais que prazo, é preguiça...

Perdão, senhora, se falo
das mulheres com ironia.
- Quem já caiu de cavalo,
cavalo algum elogia. 

TROVAS  HUMORÍSTICAS 

Quer sejam feias ou belas,
das mulheres fujo sim.
Das feias -- de medo delas.
Das belas, medo de mim.

"Fizeram-te mal, Leonor?"
-- indaga, atento, o legista.
E ela, com o rosto em rubor:
"Conforme o ponto de vista..."

Quando vinhas caminhando,
disse alguém com grande humor:
-- "Eis um pecado passando
em busca de um pecador."

Há dois tipos de mulher
que a nossa vida atormenta.
- Aquela que não nos quer
e aquela que a gente agüenta.

As suas cartas, senhora,
releio-as de quando em vez.
Mas nelas só vejo agora
os erros de português...

Maria, ao se confessar,
por pressa ou pejo talvez,
achou melhor só contar
aquilo que nunca fez.

Tua sorte, companheiro,
à de mais ninguém se iguala:
tens saúde, tens dinheiro...
e uma mulher que não fala!

Aquela? Que inteligente!
Que danadinha de esperta!
Quando apertada se sente,
sorri... e então nos aperta!

Mulher correta é a Maria.
Correta e boa também.
-- Fazendo o que não devia,
ela não deve a ninguém...

Morre um doutor. Cena forte.
Porém, nesse triste instante,
quem mais chora é a própria Morte,
que perdeu seu ajudante...

Dizes que sentes por ela
apenas amor carnal.
-- Com mulher tão magricela,
melhor dirias -- ossal!

"Era uma santa!" -- dizia
o viúvo, olhando o caixão.
Mas, perto, alguém malicia:
-- Agora, sim. Antes, não.

Sempre que o Dr. Clemente      (Menção Especial em Santos Dumont/MG - 1976)
fazia uma operação,
o coveiro, previdente,
ficava de prontidão!

Nesta vida que se arrasta,
tão cheia de coisas loucas,
há mulheres de mil castas,
mas castas mesmo, há bem poucas!

Sabida mesmo é Maria,
que vive em sua casinha.
-- Tem sempre mais companhia
mulher que vive sozinha...

Pernas tortas, magricela,
e de biquíni na praia!
-- Você não sabe, Isabela,
que falta lhe faz a saia!...

Os dois brigaram por ela.
E como saiu pancada!
-- Por causa de uma costela,
quanta costela quebrada!

Como funcionária a Elvira
produz pouco, é negligente.
Mas como a esperta se vira,
terminado o expediente!

Do nosso encontro, Teresa,
naquela segunda-feira,
minha alma saiu ilesa.
O estrago foi na carteira.

Metade de suas rendas
ela gasta em vestuário.
- Quem quer fazer boas vendas
capricha no mostruário.

Modesto no meu desejo,
confesso, formosa prima,
que dessas pernas que vejo
só quero a parte de cima.

Maria pediu desquite
e eis o motivo alegado:
ter ela um bom apetite,
enquanto ele é enfastiado.

Nesta vida, mar revolto,
onde a carne em ânsias grita,
quando o demônio anda solto,
toda mulher é bonita.

Com ares de gozação,
ele à colega dizia:
- Essa tua promoção
foi reza mesmo, Maria?

Formosa, alegre , sadia,
e, sobretudo, leviana,
não és de casar, Maria,
és para fins de semana.

Maria, com jeito e graça,
de meu cigarro reclama.
Mas não é pela fumaça,
é pela cinza na cama.

Que mulherzinha apressada!
Outra assim eu não conheço.
Nem espera ser cantada,
vai dando logo o endereço.

Aquela?  Que bom partido!
Além das rendas que tem,
é boa no bom sentido
e do outro jeito também.

Nunca vi coisa mais louca
do que os teus olhos, Maria.
Como brilham quando a boca
da noite devora o dia!

Foi-se a sogra.  E o cenário
é bem outro no meu lar.
Até meu velho canário
voltou de novo a cantar.

Ela, arrependida, ao cura,
sem outra desculpa, disse:
- Era a noite tão escura,
que eu pensei que Deus não visse!

Qual a sua opinião
sobre a nova professora?
- Pela aparência é um canhão,
pela voz - metralhadora.

Modesto no meu desejo,
confesso, formosa prima,
que dessas pernas que vejo
só quero a parte de cima.