ANJO NEGRO
Tentando em vão ouvir a voz do sino
sepulto nas sepultas pedras brutas,
eu perguntei ao mar: - com que permutas
o som que eu tento ouvir com desatino?
Assim foi quando eu quis, do meu destino,
sondar os socavãos das próprias grutas
que guardam até hoje, hostis e astutas,
meu barco sem timão: meu próprio tino.
Mas, vendo entardecer o meu desgosto,
a lua branca e o sol, já quase posto,
descerram do mistério o denso véu
e um anjo cor da noite, abrindo a trilha,
levou-me ao céu recôndito da Ilha
e eu cavalguei o mar dentro do céu!
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PARADOXO
O tempo vai passar devagarinho...
Só o homem quer chegar com muita pressa
ao fim, porque supõe que ali começa
a Vida Eterna (ainda em desalinho...)
No tempo, a multidão corre e se estressa:
ninguém enxerga a flor, o passarinho,
o alvorecer, o ocaso e o miudinho
sinal da lua que o céu atravessa...
Eu sou, na multidão, extra-terrestre,
buscando flores de feição rupestre,
e a "luz" da lua quando se repete.
Eu quero o humor, o amor, eu quero a Vida
de quem, da multidão, sai e decida
me procurar... ao menos na Internet...
São Paulo, 16/03/2005-3:00 hs.
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RESSURGIMENTO
Quando voltares - mesmo de repente -
não te farei cobranças. Meus dois braços
transformarei em dois singelos laços
para envolver-te doce e ternamente.
Se eu vir em ti as marcas de fracassos
desviarei o olhar, discretamente…
Discretamente, se me vens contente,
não pedirei relato dos teus passos…
Ressurgirei das cinzas negras, frias
que me cobriram por milhões de dias
enquanto andavas por jardins (ou lodos…)
E mais que o antigo amor, o amor de agora
me levará enquanto tarda a aurora,
por sobre as nuvens, entre os astros todos!
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POR QUE?
Homem, que te deitaste, ousado, em minha cama
e comigo fizeste os filhos que tivemos,
como é comum ao ser que vive, luta e ama
e mostra a todo mundo a farsa que vivemos;
homem, que me envolveste em ardilosa trama,
comigo tripudiaste e, em brigas, nos batemos,
como é comum a quem faz da comédia o drama
e vai expor na feira os sonhos que vendemos;
a quem eu escrevi meu verso mais amargo,
por quem cedo verti a lágrima mais linda
e tarde desprezei, audaz, com gesto largo;
se até já te esqueci, se a nossa trilha é finda,
por que te escrevo agora estes versos de embargo?
Se não te quero mais, por que te escrevo ainda?...
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ROSA TATUADA
Meu coração foi uma flor viçosa,
foi uma rosa rubra e perfumada,
embora fosse rosa tatuada
por quem sabia tatuar a rosa;
quem, no meu peito, a fez misteriosa,
juntou meu corpo ao seu na madrugada
e me fez crer, sem que dissesse nada,
no gozo da alma quando o corpo goza...
Agora, só escuto a voz do vento
que avisa: - “quem partiu não vai voltar...”
e eu choro e sangro um negro mar de mágoas.
Que algum corsário encurte o meu tormento:
rasgue o meu peito, enterre-me no mar,
deixe que a rosa bóie à flor das águas!
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