José Ouverney

SER OU NÃO SER... IMORTAL - escrito em 03.11.2008

Um sonho que acompanha o literato
é ser chamado a fazer parte, um dia,
do quadro de “Imortais’ da Academia,
com coquetel, discurso e aparato!

Um “Imortal”! Meu Deus, quanta honraria!
Mas, contrariando o alardeado, há um fato:
o título lhe vem por comodato,
que cessa o efeito... se a “matéria” esfria.

E quando a infausta hora é enfim chegada,
sua cadeira é logo repassada,
velhos assentos ganham novos “donos”...

O que faz crer – ferindo os manuais –
que em toda Academia os “Imortais”,
únicos “Imortais”... são os Patronos!

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O SINAL - 1º lugar Pouso Alegre em 2003

Absorto, incompreendido em seu dilema,
a questionar o próprio potencial,
ele costura nova estrofe ao tema,
lendo-a em voz alta, ríspido e formal;

carente de um melhor estratagema
que faça a inspiração dar-lhe um sinal,
navega horas a fio no poema,
à procura do enfoque original;

gosta, desgosta... Tira e põe remendo...
(Ah, esses poetas que eu jamais entendo!)
Lança outro olhar ao rasurado texto;

por fim, como a extirpar o próprio ser,
cético, arranca a página, a sofrer,
amassa a "obra-prima" e "zás"... no cesto!...

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NOSTALGIA - 1º lugar Pouso Alegre em 2008

Desmaia a tarde e a sorrateira brisa,
varanda a dentro, lépida e frugal,
a beliscar meu peito sem camisa
vai desenhando um gesto sensual.

Em lenta despedida o sol desliza,
jorrando sangue sobre o bambual,
e a lua acende a lâmpada, indecisa,
tremeluzindo sobre o meu quintal.

Um pouco mais de espera e surge a noite:
a casa, de repente, tão vazia,
desperta a minha lúdica ansiedade;

e o beliscar da brisa vira açoite,
notadamente quando a nostalgia
bate no peito, e acorda esta saudade!...

===composto em 19/10/2000===

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A SEMENTE - 5º. lugar em Ponta Grossa /PR

Nós que herdamos de Deus o dom da fala
temos que nos ater ao seu valor,
fazendo do bom senso o seu censor,
no intuito natural de preservá-la.

Sabendo sempre, como e quando usá-la,
a vida terá muito mais sabor:
é tão fácil, tão bom falar de amor!
Basta gostar da idéia e adotá-la!

Nós precisamos da seara rica
que o bom uso da fala dignifica:
por isso Ele nos fez semeadores;

porque a palavra em qualquer solo medra:
se mal plantada, irá nascer só pedra...
-- E o mundo é mais feliz... quando há mais flores!

===18/05/2001===

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TIMIDEZ

Quando essa boca farta aponta, exuberante,
no dorso de um sorriso onde a luxúria é esteio,
arrojo e timidez se encaram sem receio,
num tácito duelo a nível do instigante.

Se em preito à timidez me curvo vacilante,
o grito do desejo impõe-se ao devaneio,
incendiando o olhar que, ao vê-la, perde o freio.
(Ah, fosse eu -- quem dera! -- esse ardiloso amante!

As línguas se engolfando, insano eu antevejo,
mas falta o lado "agir"; o ímpeto cede ao pejo;
a diva se aproxima e, exorcizando o impasse,

seus lábios me oferece. Oh, Deus, não tem mais jeito:
a vista se anuvia, ouço um tropel no peito
e tasco-lhe de pronto um beijo, enfim... na face!...

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BRASIL, UM SONHO INTENSO --- 17/06/2001

Brasil "de amor eterno" ou "um sonho intenso"?
Em dúvida a platéia se biparte,
pois no Hino Nacional é esta a parte
em que se faz mais confusão... – Eu penso.

Tenente Destre, um militar propenso
a nos provar que patriotismo é arte,
disse: "Soldado, hoje vou ensinar-te:
(anos sessenta... que carinho imenso!...)

o "sonho" sempre vem antes do "amor",
grave bem isto!" – enfatizou o Destre,
num tom austero mas revelador.

De tão elementar, achei genial,
e nunca mais, depois de ouvir meu mestre,
eu "inverti" o Hino Nacional!

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PÓDIO DA TROVA --- (sonetículo) 23.10.2001

Todo concurso de trova
cumpre esta finalidade:
pôr o trovador à prova
em originalidade.

Se não quiser ver na "cova"
sua obra, em tenra idade,
trilhe alguma estrada nova,
fuja da trivialidade.

Não se acomode, pesquise,
vá ao fundo da valise,
encontre o que ninguém vê.

Depois... é só constatar:
no pódio há sempre um lugar
guardado para você!

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CIVISMO (OU FALTA DE) - 30/04/2002

Nossos valores vão morrendo e eu brado:
onde andará a nossa tradição?
Nem Tiradentes, nem Proclamação...
Nada... – O descaso é generalizado.

Nas praias o quiosque está lotado.
E as festas cívicas? Onde andarão?
Nos pátios dos colégios é que não...
-- O que importa de fato é que é feriado!

No dia em que, da escola ao escritório,
o Hino se tornar obrigatório
e todos o entoarem sem mistério,

eu chamarei De Gaulle de mentiroso
e, mais que nunca, eufórico e orgulhoso,
proclamarei que esse País é sério!

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CREPÚSCULO = (aos 80 anos do poeta Waldir Neves)-10.08.2004

Oitenta anos fizeste... És mesmo um hino
de amor à vida e aos sonhos que ela tece;
tens uma fibra que não arrefece,
própria de um verdadeiro paladino!

Tu que em versos realças o destino,
saibas que ele de ti nunca se esquece,
e converteu-te cada poema em prece,
eternizando em ti este menino!

Que belo pôr-de-sol experimentas:
és brisa, sobrepondo-se às tormentas;
a mente é forte, muito mais que o músculo;

vendo-te entardecer com esta classe,
fico a pensar que Deus talvez blefasse
quanto ao real sentido de "crepúsculo"!!!

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