www.falandodetrova.com.br/opiniao
O fim do "Remetente: Luiz Otávio"
Quando me filiei à UBT, uma das coisas que mais me impressionou foi a organização da entidade. Centenas de concursos anuais eram feitos com transparência total através de um bem bolado envio das trovas por “Envelopinho Branco”, um sistema muito seguro e confiável. Assim, depois de julgadas as trovas, os envelopes eram abertos, em geral na presença de várias pessoas que testemunhavam a lisura dos procedimentos. A seção de Nova Friburgo, inclusive, costumava promover para este dia uma “Festa dos envelopinhos”, o que dava aos seus Jogos Florais um glamour adicional ao já tão charmoso evento.
Com o decréscimo da qualidade dos serviços postais e já se dispondo da modernidade da Internet, criou-se, então, outro sistema, também muito bem bolado: “REMESSA POR E-MAIL”, que passou a coexistir com o antigo envelopinho. Para preservar-se a mesma segurança de sigilo já existente com o envelopinho, criou-se a figura do FIEL DEPOSITÁRIO, que deveria ser uma pessoa não ligada aos promotores do concurso, para receber, numerar as trovas, e encaminhá-las sem identificação para a coordenação do concurso que, então, as juntaria com as trovas enviadas por envelopinhos, encaminhando-as para o julgamento. Avaliadas e classificadas. as trovas voltariam ao Fiel Depositário para identificação e as que tivessem vindo por envelopinhos seriam identificadas pela abertura dos mesmos.
No entanto, já em 2023, houve tentativas de se nomear como Fiel Depositário não um terceiro trovador, mas o próprio organizador do evento. E, agora, em 2024, segundo regulamentos publicados oficialmente no Boletim Nacional, os concursos já trazem a possibilidade de as trovas serem enviadas diretamente a e-mails dos próprios promotores do concurso. Consultada sobre o fato, a presidência nacional da UBT, disse ter autorizado esta prática desde que a identificação não seja passada a quem vai fazer a avaliação. Ora, no sistema de envelopinho, igualmente, a identificação de autoria não era passada aos avaliadores, mas se mantinha sigilosa para todos, incluindo aí os promotores do concurso, até a classificação final!
Por outro lado, há promotores de concursos, entre eles os pioneiros Jogos Florais de Nova Friburgo, que não usam avaliadores externos à seção nem atribuem notas numéricas para a seleção inicial das trovas premiadas. Em Nova Friburgo, uma comissão interna se reúne e seus integrantes analisam as trovas e as separam pela possibilidade de premiação (NÃO, SIM, TALVEZ). Depois, são encaminhadas à comissão julgadora também interna para receberem a classificação final. Imaginemos como seriam recebidos esses resultados tão exitosos e respeitados há décadas, se, ao se examinarem as trovas, já se conhecesse a autoria das trovas, pelo menos as recebidas por e-mail. (Evidentemente, isto é só uma conjectura, porque tenho a certeza de que Nova Friburgo jamais fará uso dessa “liberdade” nova, ora concedida aos promotores de concursos).
Com as duas modalidades de envio, que continuam coexistindo, poderemos ter agora a seguinte situação: O promotor do concurso (e também Fiel Depositário) recebe trovas por envelopinho com os dados dos autores preservados (Remetente: Luiz Otávio) e, ao mesmo tempo, recebe, por e-mail, trovas com todos os dados do autor em aberto. Não se caracterizaria aí “dois pesos e duas medidas diferentes” para os trovadores concorrentes a um mesmo prêmio? Onde estaria a equidade de se considerar simplesmente as trovas e não os trovadores?...
Bem sei que me dirão: “Mas temos que considerar a honestidade do promotor do concurso, porque não é ele que fará a avaliação das trovas! Quem avalia, sim, não deve conhecer os autores.” E eu concordo: sim, temos que confiar na honestidade dos que promovem concursos com grande sacrifício pessoal!
Concordo, mas volto a perguntar: Por que, então, foi criado o sigilo do envelopinho branco??? Bastaria dizer aos promotores dos concursos que mandassem aos avaliadores as trovas recebidas SEM O NOME DOS AUTORES, que eles receberiam normalmente em carta regular...
Pelas razões acima expostas é que penso: doravante, nos concursos em que o próprio organizador se autonomear “Fiel Depositário”, não haverá mais necessidade de se manter o sigilo através do sistema do envelopinho com o eterno “Remetente: LUIZ OTÁVIO”, já que a maioria das trovas concorrentes irá chegar ao organizador já identificadas, no e-mail dele. Está decretado o fim de “Luiz Otávio, remetente!”
(Renato Alves – Vice-Pres.Adm. UBT-Rio)