Otimismo de um Pessimista - 20.11.2010

OTIMISMO DE UM PESSIMISTA       -       http://falandodetrova.com.br/colunadopedromello

 

“Não sou pessimista. A vida é que é péssima.” A frase de Saramago, mais do que um tour de force, revela o que o único prêmio Nobel de Língua Portuguesa achava do mundo atual. Foi a resposta que Saramago deu quando indagado sobre seu suposto pessimismo. Mais do que pessimismo, muitas vezes uma opinião mais acre, menos airosa sobre o status quo indica não propriamente um dissabor, mas uma preocupação.

 

 

Há exatos dois anos (novembro de 2008), escrevi um artigo para esta coluna do “Falando de Trova” em que expressava minha preocupação com o envelhecimento da UBT e a pouca renovação de nossos quadros, sob o título de “Estamos pensando no futuro da Trova?”. Uma preocupação justa, creio eu, e que não é apenas minha. O próprio José Ouverney, dono e promotor do site, subscreveu uma nota em que declarava concordar comigo.

 

 

A cultura em um país como o Brasil é vista como algo de somenos importância. Lembro-me até hoje de minha professora de Literatura Inglesa que, em um momento de quase genialidade, disse que “quem não tem pão não se preocupa com o espírito”. O que acontece conosco não é resultado de uma suposta “culpa” ou falta de empenho dos nossos dirigentes, mas da própria situação do Brasil. O instinto de sobrevivência fala mais alto e a arte não é vista pelas pessoas como algo primordial. O jovem acaba não se dedicando à poesia ou a outras artes porque precisa fazer curso técnico, curso superior, às vezes pós, e se enfronhar no mercado de trabalho. Quando fica mais velho e se aposenta dos seus deveres, aí surge o tempo para a Arte... Coisas da vida.

 

 

Curiosa e inesperadamente, o que eu escrevi mereceu (???) algumas respostas enviesadas, de gente que não leu com atenção e, no afã de emitir um juízo de valor despropositado, foi logo partindo para o ataque. Um apelou para a retórica vazia e retumbante, dizendo que eu estava desmerecendo o trabalho daqueles que fazem concursos de trovas em escolas e que eu estava usando a Internet para atrair “seguidores”. Até me senti honrado. “Seguidores”? Nunca me achei parecido com Edir Macedo, R. R. Soares ou Silas Malafaia, para arrebanhar seguidores... mas obrigado, doutor! O outro, por seu turno, disse que o meu texto, “embora bem escrito” não apontava soluções, que eu sou semelhante a alguém que reclama do trânsito, mas não aponta sugestões de como melhorá-lo. Confesso que ri da veleidade dos dois figurões e nem me dei ao trabalho de responder a semelhantes tolices, embora tenha pairado no ar a meu respeito uma pecha de “pessimista”.

 

 

Claro que alguns trovadores procuraram captar o espírito do que eu quis dizer. Um deles, amigo querido, me disse que quando conheceu Luiz Otávio na década de 60, a UBT era jovem. Aí eu me lembrei de datas de nascimento e, sem dúvida, vi que meu amigo estava coberto de razão. Luiz Otávio, quando lançou “Meus irmãos, os trovadores”, em 1956, estava com 40 anos. José Maria Machado de Araújo, mais novo que Luiz Otávio seis anos, tinha 44 quando foi fundada a UBT no Rio de Janeiro em 1967. Zálkind Piatgorsky, um dos grandes apoiadores de Luiz Otávio, era de 1935. É só fazer a conta. Tinha 32 anos em 1967. Só. J. G. de Araújo Jorge era somente dois anos mais velho que Luiz Otávio. Quando os dois realizaram os I Jogos Florais de Nova Friburgo, em 1960, J. G. tinha 46 anos e Luiz Otávio, 44. Não tão jovens, mas podemos considerá-los se tomarmos como referência o padrão atual.

 

 

Gilvan Carneiro da Silva era um garoto de 20 anos quando ganhou o 3º. lugar nos I Jogos Florais de Bandeirantes em 1965, com a seguinte trova:

 

A mais cruel solidão

é a do cego (sina triste),

vivendo na escuridão,

sabendo que a luz existe.

 

          Devido a obrigações profissionais e familiares, Gilvan teve de deixar a trova durante muitos anos, só retornando depois da aposentadoria. Mas voltou com tudo e, em pouco tempo, se tornou um dos maiores trovadores vivos do país. Imagino que pérolas Gilvan teria feito se não tivesse se afastado tantos anos... Um desperdício e tanto...

 

 

Resumidamente, se fizermos as contas, de fato a UBT era jovem nos anos 60 e 70. Surgiram grandes nomes a partir de então, mais novos, entretanto em termos estatísticos os nomes mais jovens são bem raros em cotejo com os anos áureos. Surge um ou outro aqui e acolá, mas as obrigações profissionais e familiares não raro os tiram do convívio fraternal de nossa UBT. Um desperdício infelizmente inevitável.

 

 

Não sou um pessimista completo, porém. Tenho meus momentos de otimismo e, incrivelmente, até de bom humor. Eu estava na festa dos Jogos Florais de Cantagalo de 2010, quando durante a premiação foi lida uma trova de alguém até então desconhecido para mim, Manoel Cavalcante, de Pau dos Ferros, RN:

 

Na realidade, o pecado

que me faz vagar a esmo,

foi na vida ter amado

outro alguém mais que a mim mesmo!

 

            Confesso que nunca eu ouvira falar de Manoel Cavalcante nem em sua sugestiva cidade. Pensei se tratar de um novato na trova, mas idoso. Os dias passaram. Tempos depois, conversando pela Internet com um presidente de seção meu amigo, ele mencionou que havia jovens fazendo trova no Rio Grande do Norte e mencionou o nome de Manoel Cavalcante. Um rapaz de 20 anos. Fiquei impressionado e feliz. Fui pesquisar sobre o moço. Descobri que, além de trovador com grande potencial, essa não era sua primeira premiação. No concurso de Caicó deste ano, tema “Fonte”, ele obteve o 8º. lugar com esta trova:

 

Sentindo o peso da mágoa,

o camponês baixa a fronte.

Nos seus olhos tem mais água

do que nas veias da fonte...!

 

            No ano passado, mesmo concurso, tema “Aurora, ele se classificou em 1º. e 5º. lugar com as seguintes trovas, respectivamente:

 

Trinam pássaros nos galhos...

a brisa é leve e sombria;

a aurora sobre os orvalhos

abre as cortinas do dia.

 

Tantas lágrimas na face

de tantos que a vida ignora

e cada aurora que nasce

é apenas mais uma aurora.

 

            Lendo as trovas de Manoel Cavalcante confesso que fiquei admirado com a leveza de sua poesia. Não são escritos para “ganhar concurso”. É uma poesia suave, lírica, espontânea. No ano passado, com apenas 19 anos, mostrou ter uma bagagem poética que muitos mais velhos não têm. Neste ano, mais ainda. Comparando as trovas, já notei uma evolução, um amadurecimento. Sutil ainda, porque o tempo é curto, mas perceptível para quem está habituado a ler poesia.

 

 

            Mas como eu sou curioso, quis saber mais sobre o poeta potiguar. E descobri:  

 

            Manoel Cavalcante nasceu em Pau dos Ferros (RN) em 04/03/1990. Escreve poesia desde os 10 anos de idade. Segundo o blog “Casa do Cordel”, assim que terminou o Ensino Médio em 2007, lançou um livro chamado “Um caçuá de cultura”, que está na segunda edição. Poeta popular, MC também escreve cordel e é filiado a uma entidade chamada “União dos Cordelistas do Rio Grande Norte”. Atualmente cursa Odontologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

 

            Uma biografia interessante para alguém tão jovem! Marina Bruna esteve em Caicó este ano e teve o prazer de conhecer Manoel Cavalcante. Falou maravilhas do garoto. Pois é. Um garoto fazendo trovas (boas!), ganhando concursos e despontando promissoramente. Espero que a carreira acadêmica e profissional não o impeça de se dedicar à Poesia. Se ele continuar, tem potencial para ser um grande trovador.

 

 

          Ao contrário do que se disse, sei reconhecer, sim, o bom trabalho que é feito para difundir a trova entre a juventude. O José Valdez, o Nilton Manoel e o pessoal de Bandeirantes são excelentes exemplos de trabalho árduo e bem-sucedido em prol da trova entre os jovens. E sei que a trova têm o poder de seduzir as pessoas. Basta que haja o feliz encontro.

 

 

          Falei do Manoel Cavalcante. Pois bem. Ele faz parte do Clube dos Trovadores do Seridó, presidido pelo incansável Prof. Garcia, que, com seu dinamismo e mente aberta, tem atraído vários jovens para a Trova. Ainda pensamos no futuro da Trova. Esperamos sinceramente que os jovens do Seridó permaneçam e deem frutos e que outros jovens trovadores surjam no cenário nacional. Que surjam outros “Garcias” e outros “Manoéis” por aí... O Brasil precisa de gente assim.
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OBS:  o Prof. Pedro Mello, nascido em 1977 em Santo André, é integrante da UBT São Paulo e detém o título de "Magnífico Trovador" por Nova Friburgo desde maio de 2010.