Waldomiro Benedito de Abreu +

     DR. WALDOMIRO BENEDITO DE ABREU foi advogado, político, poeta, escritor e, acima de tudo, um brilhante historiador. Seu livro "Pindamonhangaba, Tempo e Face", é produto de muitos anos de pesquisa. Nascido em Pindamonhangaba no dia 24 de abril de 1914, filho de Benedito Leite de Abreu e Maria Benedita Silva Abreu.  Falecido aos 21 de julho de 1999 em sua terra natal.

A saudade, alguém já disse,

é um misto de praga e prece,

sol noturno da velhice
que brilha mas não aquece.

A minissaia que eu sigo,
de tal pequenez abusa,
que cobre apenas o umbigo
e mais parece uma blusa.

Felicidade, eu te creio
sombra amiga que passou
e só se sabe que veio
depois que a festa acabou.

Busco ver, noites a fio,
quem mais encantos encerra:
se a serra beijando o rio,
se o rio beijando a serra.

Uma alma triste e sofrida
ver tudo azul de repente
é, muitas vezes, na vida,
apenas questão de lente...

Quem há que o mistério sonde
do amor em nós acordando?
Chega - ninguém sabe d'onde!
Parte - ninguém sabe quando!

Em minha campa esquecida
a frase gravai bem forte:
"Sempre temeu ele a vida,
não pode temer a morte!"

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     Em homenagem ao centenário de nascimento do Prof./Dr. Waldomiro Benedito de Abreu, um trabalho conjunto de seus familiares e da Academia Pindamonhangabense de Letras resgatou uma série de 100 trovas compostas por ele, tendo por tema "Olhos". Reproduzindo as palavras do apresentador do livro, o acadêmico José Lélis Nogueira: "Que as gerações contemporâneas e futuras possam contemplar estes versos de rimas ricas e raras, advindos da pena brilhante do Dr. Waldomiro, um homem que mesmo desprovido da vista jamais perdeu a visão".  As trovas fazem parte do livro "Os Olhos e Outras Poesias", lançado em 2014.

 

     O Mestre Orlando Brito, que já conhecia a obra, assim escreveu no jornal "7 Dias", de Pindamonhangaba, no dia 30.03.1974:

 

     "O ilustre historiador e advogado, Prof. Waldomiro Benedito de Abreu, é um velho enamorado da trova - esse feiticeiro e tão comunicativo gênero da poesia, tido como fácil pelos 'críticos' mais apressados, mas que é gracioso e delicado lavor dos espíritos de eleição, uma das mais difíceis formas de bem poetar. 'Trovas que os olhos escreveram' - este é o título que o mestre Waldomiro deu à sua coletânea de redondilhas maiores, na qual com variações imagísticas e fraseológicas, não desprezou as quadras de sabor brejeiro e moral. A parte curiosa do livro é que são cem trovas sobre um tema único: Olhos e o sentido visual.

 

     O florilégio trovadoresco sobre olhos registra maravilhosas miniaturas, dentre as quais, futuramente, hão de despontar as trovas de Waldomiro. Lembramos, por exemplo, esta obra-prima de Augusto Gil, poeta português:

Teus olhos, contas escuras,

são duas Ave-Marias

de um rosário de amarguras,

que eu rezo todos os dias."

 

(texto de Orlando Brito - Niterói/1927-São Luís/2010)

 

01

De muitos olhos eu sei

formosos a toda prova,

mas só os teus louvarei

no rendilhado da trova.

02

Quando parte a primavera

e o frio cortante vem

ao pé de mim quem me dera

ter os olhos de meu bem.

03

Em transe às vezes flutuo

e olhos ao alto a tremer

todo eu fluo e me diluo,

deixo de ver para ser.

04

"Longe dos olhos", querida,

e "longe do coração"...

Quem queira amor nesta vida

seguro o tenha na mão.

05

Olhar de mãe... a perfeita,

que além da morte ainda brilha,

quanto mais lágrimas deita,

mais reta faz nossa trilha.

06

Não tenhais como dislate

que os olhos falem por nós,

deixai que o amor vos maltrate

e escutareis sua voz.

07

Olhos de estrelas em bando

nas flores vertem perfumes,

olhos de estrelas chorando

no pranto dos vagalumes.

08

Olhos de virgens brumosas

sorrindo atrás das estrelas,

olhos de virgens nas rosas,

- cuidado, não vão colhê-las!

09

Ao me fitares da esquina

tive a impressão multicor

dum levantar de cortina

para a récita do amor.

10

De ouvir de mim não se cansa

o coração sempre amigo,

se me falece a esperança

teus olhos são meu abrigo.

11

Olhos de velhos tristonhos,

olhos que choram em vão

perdidos anos e sonhos

que nunca mais tornarão.

12

Brota o dia, ela me fita...

Esse esplendor à janela

vem de manhã tão bonita

ou nasce dos olhos dela?

13

Nossa filha pequenina

tão cedo Deus a levou,

mas seu olhar na retina

Ele de dó nos deixou.

14

Mendiga, os olhos possuis

qual fonte que já secou

ou duas moedas azuis

que a dor um dia cunhou.

15

Teus olhos dão calafrio

e cãibras ao coração,

são telégrafos sem fio

do país da trentação.

16

Gentil floreira apregoa:

"Violetas? Trinta por cem",

e eu lhe pergunto: Alma boa,

os olhos vendes também?

17

Quem saberá nesta louca

aberração sensualista

se te contemplo com a boca

ou se te beijo com a vista?

18

Conserva, amigo, marcados

os olhos nos rumos certos,

para a revolta fechados,

para o perdão sempre abertos.

19

Olhos que pedem à sorte

que o amado volte do mar,

são dois pássaros à morte

que já não podem cantar.

20

Eis como diria um poeta

de meus óculos - suponho:

São rodas de bicicleta

cavalgadas pelo sonho.

21

Que poema existe mais santo,

de mais beleza sonora

que os olhos cheios de pranto

de uma filhinha que chora!

22

Têm orientais oferendas

teus olhos cor de saudade,

canções perdidas de tendas,

histórias de Schrazade.

23

O olhar da moça me trouxe

de longe um "não" de censura;

como pode olhar tão doce

dizer palavra tão dura?

24

Fui rebelde, fui precito

e tive excessos ateus,

mas aplacou-se meu grito

à sombra dos olhos teus.

25

Meu olhar no teu se aninha

tão exato e natural

como a faca na bainha,

como o pombo em seu pombal.

26

Expira mês, entra mês,

vejo que mentes a mim

pois se a boca diz "talvez"

dos olhos vem logo o "sim".

27

A mulher do extinto, junto

de seu florido caixão,

tem um olho no defunto

e o outro num rapagão.

28

Vendo as galáxias ao léu

o milagre me alucina

de caber tamanho céu

no escasso céu da retina.

29

Ao banho o corpo te vendo

meus olhos são naus fundeadas

no litoral estupendo

de acolhedoras enseadas.

30

Olhar nos astros que encerra

os anelos todos meus,

se ele me afasta da terra

mais me aproxima de Deus.

31

Desde o dia que te vi

e a vez primeira cantava,

foi que meus olhos abri

parea a vida que chegava.

32

Amou-te minh'alma escrava

o forte olhar e sorria,

de tanta luz que irradiava

pensei que a noite era dia.

33

Senhora, de vós se diz:

não semeeis tanta paixão,

os olhos com que feris

amanhã vos ferirão.

34

Confio nos teus olhares

que são meus de ponta a ponta

e por via dos azares

confio mas tomo conta.

35

Eu conheci já frustrado

a justiça mas luzente,

a que nunca olha p'ro lado,

a que sempre olha p'ra frente.

36

Por causa de uns olhos tersos

trovarei sem ver escolhos,

se mal sairem os versos,

culpa minha, não dos olhos.

37

Quanta gente há que desfolha

a vida como você,

tem olhos e apenas olha,

tem olhos mas nada vê.

38

Olhar nos olhos não basta,

assim não julgues ninguém,

que muita beleza casta

reside n'alma também.

39

Se com lentes tão potentes

tens a vista ainda escura

é melhor pedir aos lentes

que promovam outra cura.

40

Sai a lua, a noite desce,

que dá gosto a gente vê-las

e dos teus olhos parece

que estão chegando as estrelas.

41

O teu olhar feiticeiro

um dia se uniu aos dois:

os olhos vieram primeiro,

o resto veio depois.

42

"Espelho d'alma"? - Mentira,

nada disso os olhos são,

pois quem a cara nos mira

nunca vê o coração.

43

Passei traiçoeiros percalços

por uns olhos - que dizer?

Amá-los? - São eles falsos,

e belos fazem sofrer.

44

O olhar de maior dulçor

que nos fixa o itinerário

resplandeceu no Tabor

e se apagou no Calvário.

45

O teu olhar de estouvada

algo possui que me dói,

mas se doendo é que agrada,

agradando me destrói.

46

Olhos de crianças, arrebol

que a vida de bênçãos junca,

rechãs batidas de sol,

- que a chuva não venha nunca.

47

Minhas pupilas nas tuas

vêm este quadro compor:

Quatro minúsculas luas

clareando a estrada do amor.

48

Sou cego por luz tão alta

que ela nos olhos carrega,

- se está longe a luz me falta,

- se está perto, a luz me cega.

49

O pôr deste sol em prece

tão quente de suavidade

é teu olhar que acontece

na dor de minha saudade.

50

Podem ser até mesquinhos

os sons que ao vento disperso,

bem sei que pões inteirinhos

os olhos em cada verso.

51

Colado ao rútilo beijo

a nos ungir resoluto,

é com teus olhos que vejo,

é por teus olhos que luto.

52

No grande charco que é

esta vida de doidice

seus olhos me deram fé,

não deixaram que eu caísse.

53

Às vezes dos olhos tento

explicar a anomalia:

se choram no sofrimento,

também choram na alegria.

54

Avoantes de um pouso breve

teus olhos partem do ninho;

ai de quem trovas escreve

e agora fgala sozinho.

55

No berço dos olhos dela

ao brando vento do mar,

sinto a graça com que vela

sem querer mais despertar.

56

Liras de outrora encantadas,

eis os teus olhos profundos

mudando em ternas baladas

meus temporais iracundos.

57

Se a luz dos teus olhos goza,

minh'alma feliz retrata

a grande paz misteriosa

do plenilúnio na mata.

58

Olhos p'ra coisas e seres

tens como todos no mundo,

mas convém não esqueceres

de olhar p'ra ti bem no fundo.

59

Se aquela mulher tão caros

os seus beijos me vendia,

pelos seus olhos tão raros

eu muito mais lhe daria.

60

O olhar do "broto" na ermida

que aos céus concita um borracho

também os santos "convida"

a virem cá para baixo.

61

Ó suave tecedeira

coim teus olhos tu compões

na roca dos meus, faceira,

a teia das ilusões.

62

Por alguns olhos se sente

o contraste singular

de quem se ri de contente

quando devia chorar.

63

Que eu leve nos meus refolhos

ao morrer e a me embalar,

a cantiga dos teus olhos

como um responso luar.

64

Os olhos que mais queremos

e mais saudades nos dão

não são aqueles que vemos

pois moram no coração.

65

"Olho por olho"... Até quando?

Quando será que os mortais

hão de perdoar-se ofertando

mesmo os olhos pela paz?

66

Se desses teus olhos fala

minha trova pequenina,

para logo ela se cala

e apenas canta em surdina.

67

Quis Deus que eu sofra dos olhos

p'ra nesta Terrinha anã

não ver tão feios "imbróglios"

como esse do Vietnã.

68

Foram teus olhos - perdoo,

um par de asas na face,

que a mim prometesse o voo

e só penas me deixasse.

69

Faças dos olhos um crime

ou faças um bem sem jaça,

são eles um dom sublime

que o senhor nos deu de graça.

70

Escreves "olhos" por óleos,

não sabes ortografia,

mas linda com esses olhos,

erra à vontade, Maria!

71

Para que bolso referto,

viagens, gozos, frenesis?

Tendo teus olhos decerto

tenho tudo e sou feliz.

72

Caçador de heroicos giros

entre feras, a matar,

acabei tombando aos tiros

certeiros do teu olhar.

73

Como a coluna de fumo

que outrora guiou Moisés,

teus olhos marcam-me o rumo

e a cadência dos meus pés.

74

Teus olhos hoje no além

o coração os atrai,

grata lembrança me vem

e logo a treva se vai.

75

Olhos de minha saudade

por que buscais a criança

nas ruas desta cidade

onde morreu a esperança?

76

Se estão em festa as cigarras

por terras pátrias sem fim,

com teus olhos tu me agarras

a cantar só pra mim.

77

Quando tudo leva a breca,

de dor maior Deus te guarde,

primeiro é a alma que seca,

os olhos secam mais tarde.

78

Depois de brigarmos tanto,

que me importa separar,

dos teus olhos o acalanto

viverá no meu penar.

79

Estou com tudo e não prosa:

Os olhos da bem-amada,

uma casinha, uma rosa,

uns cruzeirinhos... Mais nada.

80

Ah, teus olhos... Ao tocarem

aos meus à primeira vez,

ouviu-se os anjos bradarem:

Glória a Deus, a luz se fez!

81

Foi aprendendo de cor

meu São João Evangelista

que consegui ver melhor

depois que perdi a vista.

82

Olha, sorri... Eis que o juízo

aos homens ela solapa,

quem não lhe cai ao sorriso,

de seus olhos não escapa.

83

Teimo em vencer os abrolhos

desta miséria tão rara,

já que o verdão de seus olhos

me custa os olhos da cara.

84

São teus olhos onde ponho

todas as ânsias em flor,

dois vagalumes de sonho

na noite do meu amor.

85

Eu não me canso de olhar

nos olhos tua alegria,

onde se vai afogar

minha amargura sombria.

86

Que mistério formidando,

que dor de ver não reluz

no olhar da Mãe contemplando

o olhar do Filho na cruz.

87

Quem tem visão tem candeia

para as sombras do caminho,

quem a perde se arreceia

até mesmo de um carinho.

88

Olhos tristes, foi-se o bando

das ilusões par e par,

vós sois dois sóis se apagando

no céu de um rosto a murchar.

89

Uma alma triste e sofrida

ver tudo azul de repente

é muitas vezes na vida

apenas questão de lente.

90

Tende, ó cegos, a fé viva

que é mais terrível - pensai,

a cegueira que nos priva

da luz serena do Pai.

91

Princesa, tanto demoras

para aqui dentro morar

que meus olhos nestas horas

inexistem sem te olhar.

92

Causam tanta pena rude

os olhos dos que mataram,

não os que choram amiúde

mas os que nunca choraram.

93

Que importa se dor tamanha

pelos teus olhos deságua,

enquanto a enchente te apanha,

põe em versos tua mágoa.

94

Quero uns olhos como a noite

sobre mim se derramando

onde minh'alma se acoite

e eu reze de quando em quando.

95

Hoje compreendo a grandeza

ditosa da eucaristia,

teus olhos pairando à mesa

são meu pão de cada dia.

96

No mini-ceu cambiante

dos olhos de Glaura Lou

o amor brilhou por instante

e nos meus olhos ficou.

97

Fundo apelo me convida

com os olhos a procurar

extinta deusa querida

nalgum enxame estelar.

98

Podem teus olhos aos gritos

fuzilar-me o coração

pois caberão, de bonitos,

inteiros em meu perdão.

99

De meus olhos - quem diria?

Grave exaustão se apodera,

chão sem flor, morada fria

mesmo quando é primavera.

100

As trovas que me inspiraram

os meigos olhosque amei,

bem sei por que se calaram,

se vão durar eu não sei.