A FALACIA DA CLASSIFICAÇÃO DAS RIMAS - (postado em 01.03.2009)

A FALÁCIA DA CLASSIFICAÇÃO DAS RIMAS
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     Quando se fala em versificação, os compêndios de que logo nos lembramos são as gramáticas da língua portuguesa; alguns autores são familiares a muitos de nós: Evanildo Bechara, Domingos Paschoal Cegalla, Celso Cunha, Rocha Lima, Napoleão Mendes de Almeida, apenas para citarmos os mais conhecidos. Exceção talvez seja o famoso “Tratado de Versificação”, de Olavo Bilac e Guimarães Passos, publicado em 1910. Obra mais recente é a monumental “Teoria Literária”, de Hênio Tavares, publicada na década de 70 pela Editora Itatiaia.

     De maneira geral, nos deparamos com os mesmos conceitos e, na maioria da vezes, até com os mesmos exemplos... Indício de que talvez nossos gramáticos não sejam muito criativos na parte de Estilística e que simplesmente repetem o que foi sistematizado num passado razoavelmente distante.

     Um desses conceitos é o de “classificação das rimas” quanto ao vocabulário: “pobres”, “ricas”, “raras” e “preciosas”. Um conceito problemático e que pretendemos discutir brevemente aqui neste espaço.      Deparamo-nos com um critério dúbio, o que torna a classificação questionável. Dois pesos e duas medidas: um critério para “pobres” e “ricas” e outro critério para “raras” e “preciosas”. Hênio Tavares excepcionalmente não adota a classificação “preciosas”, mantendo, porém, a tipologia de duplo critério.       Vemos este conceito ainda hoje porque os estudos de Poética da Língua Portuguesa não evoluíram no século XX por causa do Modernismo. Os estudos científicos que se realizaram e ainda se realizam no campo da Morfologia e da Sintaxe não abarcam elementos de poética e versificação. Parece que há uma certa contaminação ideológica: o advento da Semana de 22 tornou “desnecessário” estudar a versificação da língua...

     O movimento da Trova, embora ignorado pelas grandes universidades brasileiras, logrou por gerar uma produção poética tão grande e de tamanha qualidade, que tal produção nos permite olhar a questão da rima sob outro ângulo. Na realidade, “rica” ou “pobre” não é a rima, mas a trova, o soneto, ou qualquer outro tipo de poema.

     Podemos exemplificar comparando duas trovas, uma de Antônio Salomão, publicada em “A Trova no Brasil”, de Aparício Fernandes, à página 127, sob o número 101, e outra de Pedro Ornellas, premiada nos Jogos Florais de Nova Friburgo em 1993, tema “Poeta”:

Amo as mulheres bonitas
com muito amor e carinho,
até as cruéis senhoritas
que me deixaram sozinho!

Se canto a felicidade,
sou poeta imaginando...
Mas quando falo em saudade,
eu sei do que estou falando!

     A primeira trova possui rimas tradicionalmente classificadas como “ricas”. Em bonitas/senhoritas temos um adjetivo e um substantivo. Em carinho/sozinho temos um substantivo e um adjetivo.

     A segunda trova possui rimas tradicionalmente classificadas como “pobres”: dois substantivos felicidade/saudade e dois verbos (no gerúndio) imaginando/falando.      Entretanto... a primeira trova é, simplesmente, muuuuito ruim. Não há uma ideia original nem um achado poético. As rimas não valorizam nada, porque a trova é chinfrim, sofrível e muito ordinária.      A trova de Pedro Ornellas, por outro lado, é de uma beleza transcendente. Embora vazada em uma estrutura gramatical bastante simples e sem sofisticação, seu conteúdo é excepcional. Contém aquilo que chamamos de “achado”: um modo inovador de falar de um assunto comum.

     Pode acontecer que grandes trovas apresentem uma construção gramatical mais “sofisticada”, que as rimas sejam “ricas”, mas não é isto que as torna grandes trovas. A famosa trova de Nidia Iaggi Martins - “No dia em que tu quiseres...” - é antológica e muito bonita não por causa das suas rimas ricas, mas por causa do seu achado, devido ao que Luiz Otávio chamava poeticamente de “arrepio”.       A rima faz parte da estrutura da trova porque a trova é um poema de forma fixa. A rima não é, portanto, um elemento acessório e condicionador do que é dito, mas o que é dito é que deve condicionar a rima! Nas trovas ordinárias como a primeira, a rima não tem uma significação poética. Está ali apenas para formar a estrutura fixa. Em trovas que são exemplos de grande poesia notamos que as palavras são carregadas de significado e nos transportam a uma atmosfera sensorial. Não importa a terminação das palavras ou a que categoria gramatical pertencem.

     É isto o que notamos nas duas trovas que lemos acima. O que “sobra” na segunda trova “falta” na primeira.

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O Prof. Pedro Mello é membro da UBT São Paulo, poeta / trovador e Mestre em Língua Portuguesa.