JOÃO RANGEL, O IRREVERENTE!
(pgs. 112/116 do livro "O Trovismo", de Eno Teodoro Wanke)
João Rangel Coelho, nascido em Juiz de Fora, em 1897, teve duas curiosas intervenções, pelo menos, neste caso do "reinado trovista". Autor dos livros "Itinerário Lírico" e "As Báquicas", publicou, em 1965, as "Trovas de um Lírico Irreverente". E "irreverente" é um adjetivo que o define como nenhum outro. Pai de Colbert, grande trovador e poeta, nunca desejou se filiar a uma entidade de trovadores, embora fosse um habitual participante de Jogos Florais.
Essa passagem se deu durante os V Jogos Florais de Nova Friburgo, em 1964, logo após o falecimento de Adelmar Tavares, o "Rei da Trova', em 20 de junho de 1963.
Antes, em 12.06.1963, na seção "Porta de Livraria" de "O Globo", Luiz Otávio tinha conseguido a publicação de um "Decálogo de Conduta" aos caravaneiros de Jogos Florais. O relato é de Helena Ferraz: "Com seu espírito organizador, o poeta Luiz Otávio (na vida real o dentista Gilson de Castro) imprimiu um tom de seriedade aos Jogos Florais, divulgando o seu decálogo, cujo 4º mandamento recomendava aos "caravaneiros" de Friburgo: "Não se exceda com bebidas alcoólicas. Se há tanta alegria e espiritualidade nestes dias de festa e congraçamento, você não precisa de outros espíritos para sentir-se feliz"
Os mandamentos foram recebidos com bom-humor e obedecidos na medida do possível, de acordo com o termômetro de Friburgo, nos dias de maio...
Porém, no almoço oferecido ao líder dos trovadores, João Rangel Coelho lançou o seu protesto com muito espírito e em voz abaritonada:
Sem esse Otávio Luiz,
batalhador sem derrota,
a trova, em nosso país,
teria batido a bota.
Foi ele o árbitro esperto
Que, indo de lá para cá,
seguiu a trova de perto
como enfermeira e babá.
Mesmo na treva mais densa,
seu estro tais luzes leva
que, ao trovador de nascença,
a trova lhe trava a treva.
Eis porque, com atilamento
prescreveu, nestas sortidas,
regras de comportamento
e a proibição de bebidas!
Desde aí tem dado provas
com os Jogos Florais, senhores,
de que ele é o dono das trovas
e o dono dos trovadores.
Mas quem assim, ditador
se mostrou, à nossa vista,
não, não foi o trovador,
foi com certeza o... dentista!
Porque, dentista eminente,
com o boticão bem preciso,
quis, incisivo e pru... dente,
nos amolar, com seu siso...
E, ante a surpresa da “incerta”
deste dentista sabido,
ficamos... de boca aberta
e até... de queixo caído!
Ora, amo o chope e amo o gim,
num copo largo e bem fundo.
A bebida é, para mim,
muito melhor do que o mundo.
O mundo! Dele me escondo
com pudicícia e recato.
Dizem que o mundo é redondo,
mas está ficando chato...
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Luiz Otávio, perdoa
a brincadeira das trovas.
Acho a bebida tão boa!
Por que razão não a provas?
Mas nada de irreverência.
E sem poupar os louvores
proclamamos a excelência
entre os demais trovadores,
do grande mestre, com as rudes
franquezas da sua voz
mas que é, mercê das virtudes,
o líder de todos nós.
Depois que, no eterno sono
dorme o Adelmar, mudo e mesto,
deixando vazio o trono,
Luiz Otávio, modesto,
no principado tão breve,
por força da própria lei,
não é mais príncipe – e deve
ser logo aclamado rei.
Por isso esta mesa aprova
que este príncipe tão bravo
seja o novo rei da trova,
seja o rei Luiz Oitavo!
O novo rei recebeu a homenagem e, magnânimo, como primeiro ato de sua gestão, tratou de revogar o 4º mandamento...”
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PS = Notem que show de trocadilhos! Não havia como a reivindicação não ser atendida!